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Parlamento do Reino Unido freia Brexit sem acordo desejado por Boris Johnson

Lei proposta por trabalhistas e por vários conservadores rebeldes obrigará o primeiro-ministro a procurar um pacto com a UE

Rafa de Miguel
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, nesta quarta-feira.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, nesta quarta-feira.Victoria Jones (Dpa)
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Boris Johnson já comprovou que a política não é só um concurso de popularidade. Nesta quarta-feira, o primeiro-ministro foi incapaz de dissimular sua irritação com o cerco sem trégua feito contra ele pelo Parlamento. No plenário da Câmara dos Comuns, 327 deputados, frente a 299 leais a Johnson, apoiaram o projeto de lei que obrigado o primeiro-ministro a adiar a data do Brexit se não houver um acordo com a UE. O trabalhismo não caiu na armadilha de respaldar uma antecipação eleitoral imediata, como propunha Downing Street para sair do bloqueio. Johnson chamou o líder rival Jeremy Corbyn de “covarde” e “amigo de Caracas” e se referiu a suas propostas econômicas como “uma merda e um fracasso”.

Johnson tinha tanta certeza de que sofreria uma nova derrota humilhante no Parlamento que desde a primeira hora da manhã já tinha pronta a proposta de antecipação das eleições gerais. O Governo estava consciente, no entanto, de que nesta fase da batalha a manobra era simplesmente um revide. Com a lei na mão, são necessários dois terços do Parlamento para convocar os britânicos às urnas. Ou seja, o primeiro-ministro necessitaria do respaldo também do Partido Trabalhista. Seu líder, Jeremy Corbyn, comprometeu-se a evitar eleições – algo que pede a gritos há mais de um ano – até que a lei para prorrogar o Brexit seja aprovada. E desse modo, na aparência, a armadilha de Johnson teria ficado desmontada. Mas nada é tão fácil como aparenta no labirinto atual da política britânica.

“Você não se atreve a submeter ao veredicto dos cidadãos a lei de rendição à UE que propôs. Está assustado. Tem medo”, provocou em duas ocasiões o premiê ao líder da oposição durante o duelo parlamentar desta quarta. Johnson, que apresentou sua moção assim que foi derrotado no Parlamento, aposta a que pode ser sua última cartada: antecipar as eleições para antes de 31 de outubro, a data marcada – por enquanto – para um Brexit com ou sem acordo. Confiante no que dizem as pesquisas, acredita que poderia obter a vitória e formar uma nova maioria parlamentar se as eleições acontecessem em 15 de outubro – prazo suficiente para transformar em letra morta o projeto que o obriga a solicitar uma nova prorrogação à UE, permitindo assim um Brexit na marra.

“Sua oferta é como a da maçã para a Branca de Neve, esconde o veneno de um Brexit sem acordo. Respaldaremos eleições quando a lei para frear um Brexit sem acordo cumpra todos os trâmites e seja sancionada pela rainha”, respondeu-lhe Corbyn.

Mas o resultado da estratégia do Governo, como em muitas outras ocasiões, foi transferir a tensão para o seio do Partido Trabalhista. Enquanto a maioria dos membros de seu grupo parlamentar, profundamente anticorbynistas, reclama que qualquer data eleitoral seja decidida unicamente quando a prorrogação do Brexit for uma realidade (e não só uma lei, que o primeiro-ministro bem pode desobedecer), o entorno de Corbyn e ele mesmo tornaram a exibir sua habitual ambiguidade e até sugeriu que veria com bons olhos convocar os cidadãos às urnas em meados de outubro.

“Queremos eleições gerais e queremos assegurar de que seja possível evitar um Brexit selvagem em 31 de outubro”, dizia um porta-voz de Corbyn ao The Times. “Queremos evitar que o primeiro-ministro altere a data ou que se produza a saída da UE em meio a uma campanha eleitoral que esvazie de conteúdo o veredicto dos cidadãos. Queremos alcançar todos esses objetivos e acreditamos ter encontrado os mecanismos para alcançá-los”, afirmava. Ou seja, a direção não descarta, uma vez que entre em vigor a lei que força a um Brexit com acordo, ir às urnas antes do final de outubro. O número dois da formação, John McDonnell, admitiu nesta quarta-feira que o debate continuava aberto e que os trabalhistas “contemplavam toda uma gama de possíveis atuações”. Assim, por enquanto, a ordem seria a de se abster perante a proposta.

A política de terra arrasada que Johnson decidiu impulsionar já provocou feridas no seu partido que demorarão a cicatrizar. Por causa do apoio à lei que restringe a margem de manobra do premiê, 21 deputados – que somavam entre si 350 anos de Parlamento – foram expulsos da bancada e das fileiras do Partido Conservador. Intervenções que soavam a despedida, como a do “pai do Parlamento” (que mais anos acumula no Legislativo), Kenneth Clarke, e a do ex-ministro de Economia, Philip Hammond, deram um tom triste ao debate.

Neto de Winston Churchill, Nicholas Soames valeu-se da ironia para dizer adeus. “Eu defendi sempre que deveria respeitar o resultado do referendo de 2016. E em três ocasiões votei a favor do Acordo de Retirada [da ex-primeira-ministra Theresa May]. Muito mais do que pode dizer meu honorável amigo o primeiro-ministro e outros membros de seu Governo, cuja deslealdade em série tem sido tamanha inspiração para todos nós”, dizia. Ele se referia ao grande paradoxo de que muitos ministros que hoje incentivam a linha-dura de Johnson violaram, sem consequências, a disciplina parlamentar devida ao Governo anterior.

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