STF estende suspense sobre decisão final que afeta Lava Jato
Magistrados acordaram fixar tese sobre manifestações de réus e delatores nos processos da Lava Jato, mas sessão no Supremo é interrompida
O Supremo Tribunal Federal resolveu estender o suspense a respeito de uma decisão crucial para a Operação Lava Jato. O presidente da corte, Antonio Dias Toffoli, interrompeu a sessão prometendo retomar os trabalhos nesta quinta-feira para estabelecer o alcance do entendimento da corte de que os réus têm direito de ser ouvidos na fase final do processo após a manifestação de quem os delata —algo com potencial de afetar até 90% das condenações da Lava Jato, entre elas ao menos uma envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, o desfecho desta nova novela do Supremo terá de esperar ainda mais. No fim da noite, a assessoria do tribunal confirmou a informação que circulava na imprensa de que o julgamento seria adiado.
Mais uma vez, se fez presente um dos maiores poderes do Supremo, o de ditar discricionariamente a pauta, quer seja pela prerrogativa de Toffoli de ditar a agenda ou dos demais integrantes de paralisar qualquer sessão com um pedido de mais tempo de análise, o chamado "pedido de vistas". De acordo com o site Jota, o motivo oficial do adiamento é a ausência de um dos ministros. Seja como for, o tribunal como um todo ganha tempo diante de uma de suas decisões mais impopulares nos últimos anos, a de possivelmente anular dezenas de sentenças da Lava Jato.
O debate ficou paralisado nos seguintes termos: os ministros decidiram que fixariam uma “tese de orientação judiciária” acerca do tema, ou seja, formulariam uma orientação aos demais magistrados nos casos futuros e decidir os efeitos nas sentenças do passado. A sessão em Brasília começou pelo julgamento do caso original que suscitou a discussão, o do ex-gerente Márcio de Almeida Ferreira, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Lava Jato. Acabou com o placar de 6 a 5 a favor dele. Os ministros entenderam que Ferreira foi prejudicado porque o juiz determinou que ele apresentasse suas alegações finais antes dos delatores que o acusaram de participar de um esquema que desviou 37 milhões de reais da petroleira estatal.
Daí, os ministros começaram a debater se o resultado deveria ou não ter repercussão em casos semelhantes: 8 dos 11 concordaram que era necessário estabelecer a “tese de orientação judiciária”, um instrumento proposto pelo presidente do Supremo, Antonio Dias Toffoli. Só quem votou contrariamente a essa solução foram: Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandovski. Cada um com um entendimento diferente. Moraes entendeu que o que deveria ser votado era uma súmula vinculante, que obrigaria os demais magistrados a seguirem a decisão do Supremo. Lewandovski diz que o termo usado por Toffoli está equivocado, que ele deveria requerer uma modulação —proposta que depende de oito e não apenas seis votos para ser aprovada—. “Ainda que se chame um gato de cachorro, ele não deixará de miar”, ironizou. Já Marco Aurélio entendeu que, ao se criar uma tese, ignora-se os casos individuais.
Tese e efeitos sobre Lula
Toffoli pretende criar um marco legal que dificulte a apresentação de recursos às instâncias superiores e quer padronizar a ação de magistrados, uma espécie de efeito limitador para o abalo dana Lava Jato. A apresentada pelo presidente do Supremo tem dois tópicos: 1) Em todos os procedimentos penais é direito do acusado delatado apresentar as alegações finais após o acusado que tenha celebrado acordo de delação premiado devidamente homologado; 2) Para os processos já sentenciados é necessária a demonstração do prejuízo, que deverá ser aferido no caso concreto pelas instâncias competentes. Neste segundo tópico, ele quer que só tenha acesso à segunda ou terceira instâncias caso tenha reclamado já na primeira instância.
Em caso de aprovação dessa tese, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não seria beneficiado por ela no caso pelo qual está preso, o do tríplex do Guarujá. Condenado em duas instâncias pelo crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, esse processo de Lula não teve delator. O petista ainda responde a outros dois processos em Curitiba, nos casos envolvendo a doação do terreno do Instituto Lula e o do sítio de Atibaia —neste último, pelo qual já foi condenado em primeira instância, houve os delatores da Odebrecht.
A ideia de delimitar os efeitos da decisão e minimizar os efeitos sobre a Lava Jato foi criticada no Twitter por Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP. "O STF reconheceu violação a contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Dizer que a decisão só aproveita a quem pediu desde o primeiro grau é incompatível com a natureza da nulidade reconhecida, que apontou violação grave à Constituição", afirmou.
Ao longo de quase quatro horas de julgamento, foi o ministro Gilmar Mendes quem protagonizou o momento mais tenso no STF, ao discursar sobre a Operação Lava Jato e as mensagens de procuradores publicadas pelo The Intercept em parceria com outros jornais, entre eles o EL PAÍS. Em referência ao ex-juiz Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, Gilmar afirmou que os processos da Lava Jato foram conduzidos por “gangsters” que usavam prisões provisórias “como instrumento de tortura”.
“Quem defende tortura não pode ter assento na Corte Constitucional. O Brasil viveu uma era de trevas no que diz respeito ao processo penal”, acrescentou o ministro. Diante de seus colegas, chegou ler algumas das mensagens que citam os magistrados do Supremo: "Aha uhu o Fachin é nosso", "In Fux We Trust", Cármen Lúcia é “frouxa”, todas citadas por procuradores em diálogos no aplicativo Telegram que acabaram vazados pelo The Intercept. Após o discurso de Gilmar, o ministro Marco Aurélio questionou: “Presidente, o que estamos julgando?”.
Marco Aurélio tem sido um dos principais críticos da corte com relação à mudança de conduta na análise dos casos da Lava Jato. “A guinada não inspira confiança. Ao contrário, gera o descrédito sendo a história impiedosa. Passa transparecer a ideia de um movimento para dar o dito pelo não dito em termos de responsabilidade penal, com o famoso jeitinho brasileiro. E o que é pior, não em benefício dos menos afortunados, mas dos tubarões da República”.
Pelos votos das últimas duas sessões, a tendência é que a tese de Toffoli seja aprovada. No mês passado, quando o STF começou a mudar de posição, os procuradores da República informaram que poderiam ser anuladas “32 sentenças, envolvendo 143 dentre 162 réus condenados pela operação Lava Jato". “Não houve tempo para precisar quantos seriam beneficiados, contudo, se o entendimento for restringido para réus que expressamente pediram para apresentar alegações finais em momento subsequente àquele dos colaboradores. Esta última análise está sendo realizada”, completaram em nota. O caso em análise era o do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, Aldemir Bendine. Ele foi beneficiado por uma decisão da 2ª Turma do Supremo que devolveu seu caso à fase de alegações finais porque ele não teve o direito de se manifestar após os delatores.
Assim contamos a sessão do STF nesta quarta-feira, em tempo real:
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