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STF estende suspense sobre decisão final que afeta Lava Jato

Magistrados acordaram fixar tese sobre manifestações de réus e delatores nos processos da Lava Jato, mas sessão no Supremo é interrompida

Ministros do Supremo em sessão plenária no último dia 26.
Ministros do Supremo em sessão plenária no último dia 26.Nelson Jr. (SCO/STF)

O Supremo Tribunal Federal resolveu estender o suspense a respeito de uma decisão crucial para a Operação Lava Jato. O presidente da corte, Antonio Dias Toffoli, interrompeu a sessão prometendo retomar os trabalhos nesta quinta-feira para estabelecer o alcance do entendimento da corte de que os réus têm direito de ser ouvidos na fase final do processo após a manifestação de quem os delata —algo com potencial de afetar até 90% das condenações da Lava Jato, entre elas ao menos uma envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, o desfecho desta nova novela do Supremo terá de esperar ainda mais. No fim da noite, a assessoria do tribunal confirmou a informação que circulava na imprensa de que o julgamento seria adiado. 

Mais uma vez, se fez presente um dos maiores poderes do Supremo, o de ditar discricionariamente a pauta, quer seja pela prerrogativa de Toffoli de ditar a agenda ou dos demais integrantes de paralisar qualquer sessão com um pedido de mais tempo de análise, o chamado "pedido de vistas". De acordo com o site Jota, o motivo oficial do adiamento é a ausência de um dos ministros. Seja como for, o tribunal como um todo ganha tempo diante de uma de suas decisões mais impopulares nos últimos anos, a de possivelmente anular dezenas de sentenças da Lava Jato.

O debate ficou paralisado nos seguintes termos: os ministros decidiram que fixariam uma “tese de orientação judiciária” acerca do tema, ou seja, formulariam uma orientação aos demais magistrados nos casos futuros e decidir os efeitos nas sentenças do passado. A sessão em Brasília começou pelo julgamento do caso original que suscitou a discussão, o do ex-gerente Márcio de Almeida Ferreira, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Lava Jato. Acabou com o placar de 6 a 5 a favor dele. Os ministros entenderam que Ferreira foi prejudicado porque o juiz determinou que ele apresentasse suas alegações finais antes dos delatores que o acusaram de participar de um esquema que desviou 37 milhões de reais da petroleira estatal.

Daí, os ministros começaram a debater se o resultado deveria ou não ter repercussão em casos semelhantes: 8 dos 11 concordaram que era necessário estabelecer a “tese de orientação judiciária”, um instrumento proposto pelo presidente do Supremo, Antonio Dias Toffoli. Só quem votou contrariamente a essa solução foram: Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandovski. Cada um com um entendimento diferente. Moraes entendeu que o que deveria ser votado era uma súmula vinculante, que obrigaria os demais magistrados a seguirem a decisão do Supremo. Lewandovski diz que o termo usado por Toffoli está equivocado, que ele deveria requerer uma modulação —proposta que depende de oito e não apenas seis votos para ser aprovada—. “Ainda que se chame um gato de cachorro, ele não deixará de miar”, ironizou. Já Marco Aurélio entendeu que, ao se criar uma tese, ignora-se os casos individuais.

Tese e efeitos sobre Lula

Toffoli pretende criar um marco legal que dificulte a apresentação de recursos às instâncias superiores e quer padronizar a ação de magistrados, uma espécie de efeito limitador para o abalo dana Lava Jato. A apresentada pelo presidente do Supremo tem dois tópicos: 1) Em todos os procedimentos penais é direito do acusado delatado apresentar as alegações finais após o acusado que tenha celebrado acordo de delação premiado devidamente homologado; 2) Para os processos já sentenciados é necessária a demonstração do prejuízo, que deverá ser aferido no caso concreto pelas instâncias competentes. Neste segundo tópico, ele quer que só tenha acesso à segunda ou terceira instâncias caso tenha reclamado já na primeira instância.

Em caso de aprovação dessa tese, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não seria beneficiado por ela no caso pelo qual está preso, o do tríplex do Guarujá. Condenado em duas instâncias pelo crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, esse processo de Lula não teve delator. O petista ainda responde a outros dois processos em Curitiba, nos casos envolvendo a doação do terreno do Instituto Lula e o do sítio de Atibaia —neste último, pelo qual já foi condenado em primeira instância, houve os delatores da Odebrecht.

A ideia de delimitar os efeitos da decisão e minimizar os efeitos sobre a Lava Jato foi criticada no Twitter por Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP. "O STF reconheceu violação a contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Dizer que a decisão só aproveita a quem pediu desde o primeiro grau é incompatível com a natureza da nulidade reconhecida, que apontou violação grave à Constituição", afirmou.

Ao longo de quase quatro horas de julgamento, foi o ministro Gilmar Mendes quem protagonizou o momento mais tenso no STF, ao discursar sobre a Operação Lava Jato e as mensagens de procuradores publicadas pelo The Intercept em parceria com outros jornais, entre eles o EL PAÍS. Em referência ao ex-juiz Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, Gilmar afirmou que os processos da Lava Jato foram conduzidos por “gangsters” que usavam prisões provisórias “como instrumento de tortura”.

“Quem defende tortura não pode ter assento na Corte Constitucional. O Brasil viveu uma era de trevas no que diz respeito ao processo penal”, acrescentou o ministro. Diante de seus colegas, chegou ler algumas das mensagens que citam os magistrados do Supremo: "Aha uhu o Fachin é nosso", "In Fux We Trust", Cármen Lúcia é “frouxa”, todas citadas por procuradores em diálogos no aplicativo Telegram que acabaram vazados pelo The Intercept. Após o discurso de Gilmar, o ministro Marco Aurélio questionou: “Presidente, o que estamos julgando?”.

Marco Aurélio tem sido um dos principais críticos da corte com relação à mudança de conduta na análise dos casos da Lava Jato. “A guinada não inspira confiança. Ao contrário, gera o descrédito sendo a história impiedosa. Passa transparecer a ideia de um movimento para dar o dito pelo não dito em termos de responsabilidade penal, com o famoso jeitinho brasileiro. E o que é pior, não em benefício dos menos afortunados, mas dos tubarões da República”.

Pelos votos das últimas duas sessões, a tendência é que a tese de Toffoli seja aprovada. No mês passado, quando o STF começou a mudar de posição, os procuradores da República informaram que poderiam ser anuladas “32 sentenças, envolvendo 143 dentre 162 réus condenados pela operação Lava Jato". “Não houve tempo para precisar quantos seriam beneficiados, contudo, se o entendimento for restringido para réus que expressamente pediram para apresentar alegações finais em momento subsequente àquele dos colaboradores. Esta última análise está sendo realizada”, completaram em nota. O caso em análise era o do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, Aldemir Bendine. Ele foi beneficiado por uma decisão da 2ª Turma do Supremo que devolveu seu caso à fase de alegações finais porque ele não teve o direito de se manifestar após os delatores.

Assim contamos a sessão do STF nesta quarta-feira, em tempo real:

Gilmar Mendes protagonizou o momento mais tenso do julgamento no STF, ao discursar sobre a Operação Lava Jato e as mensagens de procuradores publicadas pelo The Intercept em parceria com outros jornais, entre eles o EL PAÍS.

Em referência ao ex-juiz Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, Gilmar afirmou que os processos da Lava Jato foram conduzidos por “gangsters” que usavam prisões provisórias “como instrumento de tortura”.

“Quem defende tortura não pode ter assento na Corte Constitucional. O Brasil viveu uma era de trevas no que diz respeito ao processo penal”, acrescentou o ministro. Diante de seus colegas, chegou ler algumas das mensagens que citam os magistrados do Supremo: "Aha uhu o Fachin é nosso", "In Fux We Trust", Cármen Lúcia é “frouxa”...

No final, o ministro Marco Aurélio questionou: "Presidente, o que estamos julgando?”

Julgamento de hoje é encerrado. Previsão é que a análise da Tese Toffoli seja concluída apenas amanhã. Ministros ainda precisam definir qual será a extensão da decisão tomada com relação à ordem das alegações finais.

Por 8 votos a 3 os ministros defenderam que é necessário elaborar uma tese de orientação judiciária. Votaram a favor: Toffoli, Fachin, Rosa, Cármen, Fux, Gilmar, Celso e Barroso. Votaram contra: Alexandre, Lewandovski e Marco Aurélio.

"É altamente conveniente a formulação de tese nesse caso", diz Celso de Mello.

Marco Aurélio diz que seria incoerente votar a favor de uma tese se ele foi contrário ao que deu origem ao debate. “Entendo que não cabe a elaboração de uma tese transformando um processo subjetivo em um processo objetivo”.

"Usava-se a prisão provisória como instrumento de tortura. Isso aparece hoje nas mensagens do Intercept. (...) O resumo da ópera é que você não pode combater o crime cometendo o crime", discursa Gilmar Mendes.

Lewandovski reforça sua avaliação de que a tese apresentada por Toffoli é uma modulação, não uma orientação judiciária. “Ainda que se chame um gato de cachorro, ele não deixará de miar”.

O ponto que está causando debates entre os ministros é se a sugestão de Toffoli é uma tese de orientação judiciária ou uma modulação. A explicação do próprio presidente da Corte: fixação de tese é orientação para todo o sistema de Justiça. Modulação trata-se de definir o efeito futuro. Para fixar tese é necessário o apoio da maioria simples do plenário, 6 votos. Enquanto que da modulação, tem de ter maioria qualificada, 8 votos. Em teoria, há sete votos a favor da fixação de tese, mas a votação ainda está ocorrendo.

Diz Roberto Barroso: "É imprescindível votarmos uma tese, do contrário, vamos cair no subjetivismo das instâncias inferiores

Toffoli quer fazer três votações. Uma para definir se será fixada uma tese de orientação jurídica. E, depois se cada um dos dois itens da tese apresentada mais cedo por ele são válidas..

O ministro Alexandre de Moraes sinaliza que o ideal seria a elaboração de uma súmula vinculante, não de uma modulação ou de uma tese de orientação judiciária. Na visão dele, todos os casos semelhantes têm de ter julgamento semelhantes ao de hoje.

Se aprovada a tese Toffoli, Lula não seria beneficiado no caso do tríplex do Guarujá, pelo qual ele está preso por ter sido condenado em duas instâncias. No momento das condenações, não havia réus delatores com a colaboração premiada homologada.

Lewandovski diz que, com a tese apresentada por Toffoli, os réus que se sentiram prejudicados e ainda não recorreram continuarão sendo prejudicados. Um dos que não recorreu ao STF, baseado na ordem das alegações finais, foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De Lewandovski a Toffoli: "Vossa excelência está apresentando uma tese que, no fundo no fundo, é uma modulação". Ele diz que o presidente do STF está dando um contra-habeas corpus.

O caso do dia acabou com o placar de 6 a 5 a favor do réu Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente de empreendimentos da Petrobras condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Lava Jato. O processo dele volta à fase de alegações finais.

 

A tese de orientação jurídica de Toffoli:

1. Em todos os procedimentos penais é direito do acusado delatado apresentar as alegações finais após o acusado que tenha celebrado acordo de delação premiado devidamente homologado, sob pena de anulação do processo penal. Desde que respeitada as regras do artigo 403 do CPP, que trata das alegações finais.

2. Para os processos já sentenciados é necessária a demonstração do prejuízo, que deverá ser aferido no caso concreto pelas instâncias competentes.

O presidente do Supremo termina seu voto e pronuncia o resultado final, de 7 a 4 pelo entendimento de que o reú tem o direito de fazer alegações finais após ser delatado.

"O direito de defesa é pedra angular na proteção dos direitos individuais. Da própria democracia, eu diria. (...) Reconheço que em todos os procedimentos penais é direito do acusado delato fazer alegações finais após o acusado delator que, nos termos da lei, tenha celebrado acordo de delação premiada devidamente homologado. (...) Ess eponto de vista guarda coerência com vários precedentes que já citei", discursa Toffoli.

"O acusado comum é supreendido pelo órgao de acusação, o delator não. Ele sabe que vai ter que comprovar o que falou sob o risco de perder a colaboração. Ele não tem o direito de ficar calado. Ao decidir colaborar, renuncia ao silêncio", insiste Toffoli.

Toffoli defende que o réu delatado tenha o direito de se contrapor "a todas as cargas acusatórias, inclusive aquelas que emanam dos colaboradores". E prossegue: "O delatado não pode impugnar o acordo de delação, mas a ele tem que ser dado a última palavra no processo instrutório penal para se contrapor ao Estado acusador com reforço do colaborador".

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