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Fúria em Hong Kong após adolescente ter sido baleado nos protestos

Milhares de pessoas saem às ruas em várias manifestações espontâneas para protestar contra conduta da polícia

Macarena Vidal Liy
Manifestantes abrem espaço para táxis em Hong Kong durante um protesto em solidariedade ao estudante baleado pela polícia durante os distúrbios de 1º de outubro.
Manifestantes abrem espaço para táxis em Hong Kong durante um protesto em solidariedade ao estudante baleado pela polícia durante os distúrbios de 1º de outubro.SUSANA VERA (REUTERS)
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Na entrada do colégio Ho Chuen Yiu Memorial, em Tsuen Wan, um bairro da classe trabalhadora de Hong Kong, uma menina toca na flauta o hino dos protestos, Glória a Hong Kong, enquanto várias de suas colegas colocam grous coloridos, um símbolo de paz, nas grades de proteção. Nos grupinhos, outros colegas sussurram. O colégio abriu as portas, mas poucos assistiram às aulas e aqueles que o fizeram estavam com a cabeça em outra coisa. O jovem baleado no peito por um membro da tropa de choque durante os duros confrontos entre manifestantes e policiais na terça-feira, dia em que a China comemorou o 70º aniversário da República Popular, estuda nesta escola. Em um gesto de condenação, os alunos organizaram um protesto sentado em que muitos deles estavam vestidos de preto em vez do uniforme branco do colégio.

Como esses estudantes, Hong Kong tenta se acostumar à ideia de que, pela primeira vez desde a volta da soberania da China, a polícia local atirou à queima-roupa em uma pessoa. À ira e à preocupação deixadas pelos incidentes de terça-feira acrescentou-se a confirmação de que uma jornalista indonésia atingida por uma bala de borracha durante os confrontos de domingo perderá a visão de um olho.

Milhares de pessoas, como os estudantes do Ho Chuen Yiu Memorial, foram às ruas em manifestações em várias partes da cidade ao longo do dia. Um protesto sentado convocado de forma improvisada pelas redes sociais se transformou ao meio-dia em uma passeata de centenas de pessoas — a maioria empregados de escritório que aproveitaram a hora do almoço para participar — no centro de Hong Kong. Do outro lado da baía, centenas de pessoas começaram a marchar em frente aos tribunais de Kowloon Este, onde acontecia uma audiência de grandes proporções para apresentar acusações de distúrbios contra 97 detidos nos protestos de domingo. À noite, a maior concentração, em Tsuen Wan, terminou com novas bombas de gás lacrimogêneo depois que um grupo de radicais cercou uma delegacia.

“As pessoas estão enfurecidas, mas também muito tristes”, diz Emily, moradora do bairro comercial de Causeway Bay, onde cerca de mil pessoas foram se concentrando espontaneamente durante a noite para cantar Glória a Hong Kong e expressar sua condenação em relação à conduta da polícia. “Se o que o Governo e a polícia querem é dissuadir as pessoas a sair às ruas, estão muito equivocados. Quanto mais isso durar, mais gente se juntará aos protestos. Não é uma questão de economia, de que as pessoas não possam comprar uma casa ou estejam insatisfeitas com seu padrão de vida. É uma questão de princípios, de ideias. Como a Guerra Civil Espanhola: as pessoas lutavam para defender seus ideais, não?”.

A polícia e o Governo local cerraram fileiras para defender o gesto do agente que atirou, observando que o garoto havia tentado atacá-lo com uma barra e que o policial da tropa de choque tentou defender outro colega que estava caído no chão, cercado por jovens que o agrediam. Em um comunicado, o Governo honconguês disse que “os distúrbios de 1º de outubro foram planejados e organizados para que Hong Kong caísse em uma situação de caos e terror”.

Os manifestantes, por outro lado, afirmam que o agente sacou sua arma de fogo desde o primeiro momento e que foi ele quem arremeteu contra as pessoas, sem tentar usar outro armamento menos letal que também carregava. O ativista Joshua Wong tuitou que Hong Kong “se tornou um estado policial de fato”.

No colégio em que estuda Tsang Chi-kin, o estudante ferido, a incredulidade domina. Os poucos alunos que foram às aulas não conseguiram se concentrar nas aulas. Nos grupinhos, não se falava de outra coisa. A escola ofereceu assistência psicológica aos alunos. Um grupo de assistentes sociais distribuiu-lhes cartões com mensagens de encorajamento.

Wong, um colega de Tsang do time de basquete, diz que seu amigo “é um garoto muito talentoso para os estudos e os esportes”. “Neste verão, ele se dedicou totalmente à causa dos protestos. Sempre participava das greves de estudantes, de atividades. Para os mais novos, é como um irmão mais velho, que nos ajudava e fazia nos sentirmos mais seguros”, diz. O jovem ferido, que recebeu o impacto de bala a três centímetros do coração, segundo seu advogado, está em estado grave, mas estável, e não se teme por sua vida.

Os confrontos de terça-feira foram os mais duros até agora nos quase quatro meses de protestos: 269 pessoas entre 12 e 71 anos foram presas como suspeitas de distúrbios, reunião ilegal e posse ilegal de armas. Os agentes da tropa de choque lançaram 1.400 bombas de gás lacrimogêneo, 900 balas de plástico e 230 balas de espuma, além de 190 bolas de borracha e seis tiros de bala. É de longe a maior quantidade em um só dia: no total dos primeiros dois meses de manifestações, a polícia lançou mil bombas de gás pimenta, 160 balas de borracha e 150 balas de espuma. Os manifestantes, por seu lado, lançaram coquetéis molotov e líquidos corrosivos que feriram agentes e jornalistas, ergueram barricadas e causaram sérios danos.

A situação não tem sinais de melhora. A polícia e o Governo afirmam que a resposta contundente “com a força necessária” é imprescindível para “restaurar a paz social”. E os manifestantes mais radicais alertam que consideram a bala de terça-feira “uma clara tentativa de assassinato, pelo tiro ter sido disparado tão de perto e no peito”. Em uma coletiva de imprensa, vários desses manifestantes alertaram que planejam responder com mais dureza, mas não quiseram especificar com que tipo de atos ou se recorrerão a uma maior violência. Usarão, disse um deles posteriormente, “todos os meios necessários”.

A criação de uma comissão independente de inquérito sobre a conduta da polícia é uma das principais exigências dos manifestantes. Esta noite, em Tsuen Wan, acrescentaram mais uma: que a tropa de choque seja desativada e outra comece do zero.

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