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Protestos em Hong Kong marcam 70º aniversário da China comunista

Polícia do território autônomo dispara pela primeira vez contra um manifestante, um jovem de 18 anos

Macarena Vidal Liy
Manifestantes enfrentam a polícia no bairro de Sha Tin, em Hong Kong.
Manifestantes enfrentam a polícia no bairro de Sha Tin, em Hong Kong.ISAAC LAWRENCE (AFP)

Os manifestantes de Hong Kong prometeram um “dia de cólera”, e ele aconteceu. Pela primeira vez na história da ex-colônia britânica, uma pessoa — um secundarista de 18 anos — ficou ferida a bala por agentes da Polícia, no que marca uma escalada nos confrontos. A dura jornada de incêndios, barricadas, detenções e tiros deixou em segundo plano as colossais celebrações em Pequim pelo 70º aniversário da República Popular, cujo prato principal foi um faraônico desfile militar e civil sob o olhar do presidente Xi Jinping — uma festa que a China não queria que fosse ofuscada sob nenhuma circunstância.

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A manhã, sim, foi de Xi. Apesar da poluição que atrapalhava a visão, a cerimônia na praça Tiananmen, sob os retratos de Mao Tsé-tung — o fundador do regime comunista, em 1949 — e Sun Yat-sen — criador do Estado chinês moderno, em 1912 — desenrolou-se exatamente conforme o previsto. Um banho de massas e uma demonstração de musculatura militar para o presidente, secretário-geral do Partido Comunista e chefe da Comissão Militar, que buscava transmitir uma mensagem de unidade nacional, de progressos sob o Partido Comunista e de modernização do Exército.

“Nada pode fazer cambalearem os alicerces de nossa grande nação. Nenhum poder pode deter a nação e o povo chinês em seu progresso”, afirmava Xi num discurso em que também passou outro recado: que o Exército defenderá com contundência a soberania e a segurança do país.

Em seu breve discurso, o presidente chinês também se referiu à ex-colônia britânica: a China “manterá a prosperidade e a estabilidade duradouras de Hong Kong e Macau”, afirmou, antes de ter início a maior exibição de armamento e poderio militar já feita pelo país. Cerca de 40% das armas mostradas no desfile não haviam sido apresentadas ao público até agora. Todas já entraram em serviço: os Df-41, mísseis intercontinentais que podem carregar até 10 ogivas nucleares e alcançar os Estados Unidos em 30 minutos; os J-2, lançados por submarinos, com alcance de até 7.000 quilômetros; o Df-17, míssil que incorpora um planador hipersônico.

Depois, houve um desfile civil com a participação de 70 carros alegóricos e quase 100.000 pessoas selecionadas por sua atuação exemplar entre todos os setores da sociedade — médicos, funcionários, camponeses, estudantes —, para repassar a história e cultura da China através do prisma do partido. Não faltaram acenos aos feitos científicos, econômicos e desportivos. Xi teve seu próprio carro alegórico, com um gigantesco retrato, ao qual o próprio saudou da tribuna da Tiananmen.

Foi um banho de massas para fomentar o sentimento patriótico e o apelo à unidade em torno do Partido, justamente quando a China enfrenta desafios que incluem um crescimento econômico mais lento e a rivalidade cada vez mais intensa com os Estados Unidos.

E seu desafio mais urgente, ficou claro, é Hong Kong, onde dezenas de milhares de manifestantes ignoraram nesta terça-feira a proibição imposta pela Polícia e saíram às ruas pela 17ª semana consecutiva para protestar contra Pequim e o que veem como sua crescente ingerência nos assuntos locais de um território ao qual o princípio de “um país, dois sistemas” garante, ao menos teoricamente, liberdades inexistentes na China continental. O lema da passeata, para não deixar nenhuma dúvida, era “comemorar, a sua mãe”.

Já pela manhã, a Polícia de Hong Kong, que na véspera tinha advertido que a situação poderia ser “muitíssimo perigosa”, havia impedido a realização de dois protestos — um deles, o lançamento de balões negros em sinal de luto — e detido seus supostos protagonistas. A comemoração oficial local teve que ser feita a portas fechadas. Carrie Lam, a chefa do Executivo autônomo, havia voado a Pequim para participar das celebrações na capital.

No começo da tarde tiveram início os primeiros arremessos de gás lacrimogêneo, um ingrediente já habitual a cada jornada de protestos nos confrontos entre manifestantes e Polícia em bairros mais próximos à fronteira com a China. O metrô de Hong Kong, principal meio de transporte da cidade, fechou aproximadamente um terço de suas estações, um número que foi subindo até chegar à metade do total ao longo do dia. Muitos shoppings também optaram por fechar suas portas a fim de evitar danos.

Enquanto continuavam os choques nos bairros da área continental, no centro de Hong Kong a manifestação tinha ares de carnaval. Famílias, idosos e jovens, todos de preto para marcar um “Dia de Luto”. Muitos entoavam o hino não oficial dos protestos, chamado Glória a Hong Kong. Alguns levavam bandeiras de outros países. Todos levantando a mão com os cinco dedos abertos, pelas cinco exigências do movimento. Todos com uma mensagem de repulsa a Pequim: “Comemorar, a sua mãe!”, era o grito do dia. “Não preciso de sexo, a China já me fode todo dia”, lia-se numa pichação; “Vai se foder, Partido Comunista da China”, em outra. Cada bandeirola, cada cartaz de felicitação à República Popular ao longo do trajeto — não havia muitos — caíram e acabaram pisoteados, ou receberam pichações. O que ficava em frente à sede do Exército Popular de Liberação chinês foi queimado.

Esse último ato desatou a ação da polícia. Mais gás pimenta e jatos de água que saíam azuis, contendo substâncias lacrimogêneas. Em meio à batalha, surgia a notícia do jovem ferido no peito por uma bala da polícia. Um silêncio sepulcral percorreu por um momento as fileiras de manifestantes e os jornalistas.

A luta não estava interrompida. Barricadas foram incendiadas em todo o centro de Hong Kong. A polícia distribuiu, sob uma chuva de mais gases lacrimogêneos, disparos com balas de plástico, de borracha e mais munição real. Mais de uma centena de pessoas foram detidas. Além disso, 51 pessoas, com idades entre 11 e 53 anos, ficaram feridas, sendo duas em estado grave e duas em estado muito grave, segundo fontes hospitalares. O adolescente ferido a bala no pulmão precisou ser operado, mas os médicos informaram que o tiro não atingiu nenhuma veia ou artéria importante, e que sua vida não corre perigo.

A Anistia Internacional condenou o tiro contra o jovem, que “marca um alarmante passo na resposta policial aos protestos”. “Pedimos às autoridades de Hong Kong que lancem uma investigação imediata e efetiva sobre a sequência de acontecimentos que levaram a que esta pessoa esteja lutando por sua vida”, disse nota da entidade.

Um grupo de 24 legisladores da frente democrática de oposição também se somou à condenação pelo que considerou “uma escalada desnecessária do uso da força e uso de munição real”. O vídeo que circulou sobre esse momento — em que se vê o agente abrir fogo depois que o jovem, mascarado, o golpeia com uma barra de ferro — indica, na opinião deles, que “o disparo do policial à queima-roupa parece ser um ataque mais do que em defesa própria… Muitos agentes ficaram descontrolados e trataram de forma brusca manifestantes, cidadãos, pessoal médico, jornalistas, assistentes sociais e legisladores”.

Yip, um autônomo de 41 anos que viu a manifestação das beiradas, sem aderir, lamentava: “Não vejo como isto vai acabar. Cada parte se aferra cada vez mais às suas ideias, e não há nenhuma intenção de acordo. Os manifestantes não têm muitas chances de serem ouvidos. E o Governo e a Polícia, se insistirem em usar a força, não vão conseguir acalmar tanta gente que exige mudanças”.

CHEFE DA POLÍCIA DEFENDE O TIRO

M. V. L.

Em entrevista coletiva já perto da meia-noite (hora local), o chefe da Polícia de Hong Kong, Stephen Lo, defendeu o agente que abriu fogo contra o jovem. “Acho que fez o melhor que pôde neste momento, e acredito que tenha sido legal e razoável”, afirmou. O agente foi atacado e tomou a decisão em uma fração de segundo.

“Suas vidas se veem ameaçadas, o que fazem é legal e legítimo”, insistiu. Salientou que há 25 policiais entre os feridos na dura jornada desta terça.

O jovem, acrescentou, sofreu um ferimento “perto do ombro esquerdo”. Outras informações indicam que o impacto de bala ocorreu três centímetros à esquerda do coração.

Essa bala não foi a única a ser disparada. Lo admitiu que pelo menos seis tiros foram dados em confrontos com manifestantes nos bairros de Wong Kok, Tsuen Wan e Wong Tan Sin.

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