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Greta Thunberg se apropria do deboche de Trump e muda sua biografia no Twitter

A ativista de 16 anos é alvo de ataques de conservadores e negacionistas

Jaime Rubio Hancock
A ativista Greta Thunberg mudou sua biografia no Twitter em resposta a uma mensagem de Trump.
A ativista Greta Thunberg mudou sua biografia no Twitter em resposta a uma mensagem de Trump.Eduardo Muñoz Álvarez (AP)

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, encontrou tempo para comentar o discurso que a ativista ambiental Greta Thunberg fez na segunda-feira na Cúpula de Ação Climática da ONU.

Em seu pronunciamento, com lágrimas nos olhos, a garota de 16 anos disse que "pessoas estão sofrendo, pessoas estão morrendo, ecossistemas inteiros estão entrando em colapso". Trump respondeu na terça-feira com uma provocação no Twitter: “Ela parece uma garota jovem e muito feliz que espera um futuro brilhante e maravilhoso. Tão bonito de ver!".

Thunberg respondeu a esse sarcasmo com ironia, mudando a manchete de sua biografia no Twitter: "Uma garota jovem e feliz que espera um futuro brilhante e maravilhoso".

A conta voltou à sua manchete habitual nesta quarta-feira: "Ativista climática e ambiental de 16 anos com Asperger. Junte-se às greves mundiais pelo clima em 27 de setembro!".

O ataque de Trump é um dos muitos que Thunberg recebeu desde que se tornou um símbolo da luta contra as mudanças climáticas. No Brasil, uma fala do radialista Gustavo Negreiros, da rádio 96FM, de Natal (RN) causou indignação nesta semana. No ar, ele chamou a jovem de "histérica" e "mal amada" e afirmou que ela "precisa de sexo". Após pressão das redes sociais, acabou demitido. Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, também fez críticas à ativista. Compartilhou no Twitter a montagem de uma imagem em que Greta aparece comendo dentro de um trem, enquanto crianças negras a observam pela janela.

Nesta mesma semana, um colaborador da Fox News descreveu a jovem, com síndrome de Asperger, como "doente mental". A rede se desculpou no dia seguinte, mas, pouco depois do primeiro insulto— e também na Fox—, outro jornalista a comparou com os tenebrosos meninos loiros do filme Children of the Corn (no original Filhos do Milho, no Brasil, Colheita Maldita) e acrescentou: “Mal posso esperar pela sequência de Stephen King, Children of the Climate (filhos do clima).

Além disso, o escritor e cineasta indiano-norte-americano Dinesh D'Souza disse no Twitter que Thunberg o fazia lembrar das garotas da propaganda nazistas e, indo para o outro extremo, o analista também norte-americano Sebastian Gorka disse que a ativista parecia “uma vítima de um campo de reeducação maoísta”.

Thunberg é uma garota de 16 anos que se tornou símbolo da luta contra as mudanças climáticas e está mobilizando milhares de jovens. Seu ativismo começou em setembro de 2017: depois do verão mais quente da Suécia, ela decidiu parar de ir às aulas todas as sextas-feiras para iniciar um protesto sentada no Parlamento. A iniciativa tem contado com a participação de estudantes de todo o mundo, com greves às sextas-feiras.

Embora a resposta que Thunberg recebe seja em grande medida positiva, ela também tem sido criticada por alguns setores conservadores e negacionistas. É frequente não ser contestada com argumentos, mas com insultos e desqualificações, às vezes se referindo à síndrome de Asperger. Essa síndrome faz parte do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e se caracteriza, entre outros traços, por dificuldades na comunicação social, a preferência por interesses muito específicos e, também, pela honestidade e a facilidade de se especializar em áreas de conhecimento. A própria Thunberg já respondeu a esses ataques em 31 de agosto, em um tuíte no qual falava de sua condição como um “superpoder”.

Quando os haters falam sobre sua aparência e das suas diferenças, isso significa que não têm mais nada para dizer. E então você sabe que está ganhando! Eu tenho Asperger e isso significa que, às vezes, sou um pouco diferente da norma. E, nas circunstâncias adequadas, ser diferente é um superpoder.

Por que incomoda tanto?

Os críticos de Thunberg também dizem que a garota está sendo usada como um "escudo humano". O jornalista Tucker Carlson, da Fox, se queixou de que não podia responder às acusações de Thunberg porque ela tem só 16 anos de idade. De fato, outra acusação contra Thunberg é que se trata de uma pessoa jovem demais para se submeter a essa exposição na mídia. Embora esse argumento não seja infundado, é importante mencionar que geralmente não fazem esse tipo de crítica no caso de adolescentes dedicados ao cinema ou ao teatro, à música ou aos esportes, por exemplo. Parece que o ativismo político e ambiental é a única atividade vedada a menores.

De qualquer forma, ela mesma admitiu em seu discurso à ONU que “tudo isto está errado. Eu não deveria estar aqui. Deveria estar na escola do outro lado do oceano”. E já em 2018, em outro discurso na cúpula climática da ONU, Thunberg censurou os líderes de 200 países de todo o mundo por não serem “maduros o suficiente para contar as coisas como são. Até esse fardo deixam para seus filhos".

O que Carlson esquece é que ele não precisa responder a Thunberg. A crise climática se fundamenta em dados e estudos que mostram que as temperaturas médias estão subindo por causa da atividade humana. Para que o aumento da temperatura fique entre 1,5 e 2 graus, é necessária uma redução até 2030 de 45% das emissões de dióxido de carbono – o principal gás de efeito estufa – em relação ao nível de 2010. Estes estudos foram realizados por cientistas adultos e as decisões a esse respeito também serão tomadas por políticos também adultos.

Se alguém não concorda com essas informações, que são o tema do alerta da ativista, Tucker (ou quem quer que seja) pode tentar refutá-las. Mas, como sugere o ambientalista norte-americano Bill McKibben no The New York Times, “Greta vem dizendo desde o início que as pessoas a atacam porque não conseguem atacar a ciência. E isso parece inegável”.

Thunberg, por sua vez, não costuma responder diretamente a seus trolls. Nem mesmo ao presidente dos Estados Unidos. Mas abriu uma exceção na quarta-feira passada: "Como vocês devem ter notado, os inimigos estão mais ativos do que nunca; indo contra mim, minha aparência, minhas roupas, meu comportamento e minhas diferenças. Aparecem com qualquer mentira ou teoria da conspiração em que possam pensar”. Ainda acrescenta que o objetivo desses ataques é desviar a atenção, "já que estão desesperados para não falar sobre as crises climática e ecológica. Ser diferente não é uma doença, e a melhor ciência disponível não são as opiniões, são os fatos”.

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