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Rebelião política, judicial e social para frear Boris Johnson na reta final do ‘Brexit’

Na manhã de sexta, juiz rejeitou ação apresentada por 75 parlamentares

Rafa de Miguel
Em foto, protesto contra a suspensão do Parlamento, nesta quinta-feira em Londres
Em foto, protesto contra a suspensão do Parlamento, nesta quinta-feira em LondresAFP

Já era esperado que a batalha do Brexit, que paralisa o Reino Unido há três anos, seria travada no último minuto. Ao suspender o Parlamento por cinco semanas e deixar os adversários de mãos atadas, Boris Johnson deu ainda mais urgência e drama à luta política. Uma tríplice ofensiva, com recursos nos tribunais para anular a suspensão, apelos à população para bloquear as ruas e um último esforço parlamentar para proibir por lei a saída desordenada da UE, prenuncia uma semana decisiva na história do país.

Bastaram algumas horas para que a decisão de calar o Parlamento fosse impugnada em três tribunais. Em Edimburgo, um grupo de 75 deputados e lordes pediu a Raymond Doherty, magistrado dos Tribunais Supremos da Escócia, que paralisasse a medida “pelas profundas questões de natureza constitucional que suscita”.

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A resposta veio na manhã desta sexta, um juiz dos Supremos Tribunais da Escócia (que opera com um sistema judicial independente do resto do país) rejeitou temporariamente o pedido dos  deputados e senhores. "Não estou convencido de que tenha sido possível demonstrar que é necessária uma medida preventiva urgente nesta fase do procedimento", disse o juiz Lord Doherty.

Em Londres, a empresária Gina Miller, que no passado já conseguiu que a Justiça britânica obrigasse a então primeira-ministra Theresa May a submeter o início do Brexit ao Parlamento, moveu agora outra ação pedindo a mesma coisa ao Alto Tribunal de Londres.

E em Belfast, na Irlanda do Norte, um ativista em defesa das vítimas do terrorismo, Raymond McCord, interpôs um terceiro recurso que pode voar mais alto que os dois primeiros. Os advogados de McCord argumentam que a manobra de Johnson, destinada em última análise a frear os esforços da oposição para evitar um Brexit sem acordo, põe em risco os benefícios do Acordo de Paz da Sexta-Feira Santa (1998), ao ressuscitar a ameaça de uma fronteira dura entre as duas Irlandas.

A comoção provocada por Johnson com seu golpe de efeito despertou o movimento de esquerda Momentum (“impulso”), que atua como corrente interna do Partido Trabalhista e foi crucial para que o trabalhista Jeremy Corbyn assumisse a liderança da formação. Essa organização convocou, em coordenação com os principais sindicatos, manifestações e protestos para o próximo sábado nas principais cidades do Reino Unido. “Nossa mensagem a Johnson é esta: se você roubar nossa democracia, fecharemos as suas ruas”, disse Laura Parker, coordenadora nacional do Momentum, nesta quinta.

O Momentum também convocou a população para uma grande manifestação em Londres na próxima terça-feira, quando o Parlamento deve retomar sua atividade temporariamente —até o fechamento de cinco semanas promovido por Johnson a partir de meados de setembro. Parker anunciou sua intenção de participar nesse mesmo dia de uma tentativa de ocupação de Westminster. “Há milhares de pessoas como nós que participarão desta ocupação do Parlamento e do bloqueio das ruas para impedir que Johnson feche as portas da nossa democracia”, acrescentou.

Nas últimas horas, quase 1,5 milhão de pessoas assinaram uma petição que exige do Governo que revogue sua decisão de suspender as Câmaras. “O Parlamento não pode ser suspenso ou dissolvido até que o prazo fixado pelo artigo 50 [mecanismo que ativou o Brexit] tenha sido suficientemente prorrogado, ou que a decisão do Reino Unido de abandonar a UE tenha sido cancelada”, afirma o texto. Exceto pelo impacto sobre a opinião pública, muito agitada neste momento, nada indica que essa cifra de signatários resulte em uma solução eficaz. Uma solicitação semelhante feita no começo do ano para exigir a revogação do artigo 50 angariou mais de seis milhões de apoios, porém não deu em nada.

A equipe de Johnson se dedicou a ironizar o suposto “escândalo constitucional” denunciado por muitos políticos relevantes assim que souberam da decisão de fechar o Parlamento. Jacob Rees-Mogg, furioso eurocético e ministro das Relações com o Parlamento no Governo Johnson, desqualificou os protestos como uma “nuvem de algodão-doce” e desafiou os detratores do primeiro-ministro a “deixarem de ranger os dentes”, demonstrarem um pouco de “valentia e brio” e agirem para “mudar o Governo ou mudar a lei”.

Sem descartar nenhuma das duas opções, a oposição se dispõe a impulsionar uma mudança na lei no tempo terá a partir da terça-feira e até por volta de 10 a 12 de setembro (o Governo ainda não esclareceu o dia exato).

“Retornaremos ao Parlamento nesta terça-feira para enfrentar Johnson e seu ataque à democracia. Ele está tentando suspender as Câmaras para evitar um debate sério que nos permita frear um Brexit sem acordo”, afirmou Corbyn à Sky News. Os adversários do primeiro-ministro tentarão, com a prevista colaboração de Bercow, presidente da Câmara dos Comuns, impulsionar um debate de emergência e aprovar uma resolução que obrigue a prorrogar a data de saída da UE, prevista oficialmente para 31 de outubro. A moção de censura, que já contaria com o apoio de pelo menos meia dúzia de conservadores e da oposição em bloco, acarreta um risco que muitos deputados não querem correr.

Mesmo que prosperasse no prazo de 3 a 10 de setembro, ou de 14 a 31 de outubro, a oposição teria 14 dias para buscar um Governo alternativo, e para isso necessita uma maioria de dois terços. Se não conseguir, seriam convocadas eleições (com um prazo mínimo de 25 dias corridos), mas seria Johnson que decidiria a data, com a ameaça de só ir às urnas depois do Brexit consumado. Um cenário que o próprio primeiro-ministro vê com satisfação, dado o vento favorável que as pesquisas lhe sopram.

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