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Incêndios
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Bolsonaro já perdeu a cruzada contra o meio ambiente

Na guerra ideológica antiambiental, Bolsonaro encontrou forte resistência em todo mundo. Mas isso não significa que a Amazônia e o Brasil deixarão de sofrer as consequências

Incêndio em Alta Floresta no Estado do Pará, em 23 de agosto.
Incêndio em Alta Floresta no Estado do Pará, em 23 de agosto.Victor Moriyama / Greenpeace Bra (EFE)
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Em sua cruzada contra o meio ambiente, o presidente Jair Bolsonaro já perdeu. O que acaba de ocorrer —as queimadas no Brasil como principal notícia no mundo— é uma derrota por nocaute do discurso a Amazônia é nossa. Domesticamente, o presidente também perdeu apoio de líderes ruralistas, que temem as sanções comerciais da Europa.

Seu pronunciamento em rede nacional, feito ontem à noite, lembrou aquelas imagens do soldado entrincheirado levantando a banderinha branca; a batalha perdida. Bolsonaro rendeu-se às críticas e declarou “seu profundo amor e respeito pela Amazônia.” E mais: prometeu tolerância zero com o desmatamento ilegal.

Porém, o turbilhão de críticas a seu discurso antiambiental pode estar longe de acabar. As queimadas vão continuar, ou até piorar, em setembro —historicamente, o mês mais seco na Amazônia—. Em outubro, o sínodo dos bispos da Pan-Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, deve trazer mais críticas a Bolsonaro.

Depois disso, em novembro, virão os dados finais do INPE sobre o desmatamento. E, aí, preparem-se: tudo indica que estes serão os piores números em muitos anos.

É interessante notar que desde que ensaiou os primeiros ataques ao meio ambiente, Bolsonaro encontrou uma reação mais forte do que esperava. Queria acabar com o Ministério do Meio Ambiente? Teve que recuar, seguindo conselho da própria bancada ruralista. Falou que ia deixar o Acordo de Paris? Ouviu do próprio ministro Ricardo Salles que não era bom negócio.

Agora os golpes mais fortes chegaram. Na semana passada, a Alemanha e a Noruega anunciaram o congelamento de suas doações ao Fundo Amazônia. Macron chamou Bolsonaro de mentiroso e o fim de semana promete ser quente com os líderes da França, Alemanha, Reino Unido e Canadá malhando o Brasil na reunião do G7.

Ontem, milhares de pessoas em todo mundo saíram às ruas para protestar contra as chamas na Amazônia. Em quase todas as capitais do país houve panelaço. Disso Bolsonaro pode se orgulhar: de ser talvez o primeiro presidente a mobilizar uma resistência tão vocal contra o avanço do desmatamento.

Mas como isso vai mudar o que está acontecendo nas matas e campos da Amazônia? Com Madonna, Cristiano Ronaldo, Leonardo Di Caprio e o resto do mundo tuitando #PrayforAmazonia pode parecer que finalmente os ambientalistas ganharam a luta pelos corações e mentes. No entanto, é difícil imaginar que o pecuarista, o assentado ou o madeireiro deixarão de limpar seu pasto, fazer a roça e puxar a madeira porque algum gringo está chiando no Instagram.

Na prática, o modelo econômico para a Amazônia representado pelo Governo Bolsonaro está ganhando. O crescimento vertiginoso das queimadas na região Norte —145% até 20 de agosto— está provando aquilo que o sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) já havia indicado: forte pressão sobre a floresta. No caso dos alertas, o presidente atacou o INPE, desqualificou os dados e demitiu o diretor do instituto. Já para se livrar da responsabilidade de seu Governo nas queimadas, acusou ONGs e governadores.

As crescentes derrubadas nunca foram invisíveis aos satélites, e apenas agora Bolsonaro prometeu combate ao crime ambiental. De fato, a devastação, cuja expressão máxima é a fumaça tomando conta do continente, não vai parar se o Ibama não voltar a fiscalizar e multar. O roubo de madeira, a grilagem de terras públicas, o garimpo ilegal e a invasão de terras indígenas são os grandes negócios do momento na Amazônia.

Acima de tudo, o aumento do desmatamento significa que o Brasil começa a desrespeitar o Acordo de Paris. Está previsto em lei que até o ano que vem deveríamos reduzir em 80% as emissões do desmatamento em relação a uma média de 2005 a 2012. Estávamos no caminho para de fato provar ao mundo que o Brasil sabe cuidar de suas florestas. Mas este golaço agora parece improvável.

Com a reversão da trajetória positiva do combate ao desmatamento (iniciada ainda sob o Governo de Dilma Rousseff em 2012), a Amazônia pode deixar de ser um grande sorvedouro de gás carbônico e transformar-se, com suas gigantescas queimadas, em uma grande fonte de poluentes. Mais gases de efeito estufa vindos da floresta acabam com nossas chances contra o aquecimento global. Neste caso, todos perderemos.

Gustavo Faleiros é editor do site InfoAmazonia.org, que publica dados e notícias sobre a maior floresta ambiental contínua do planeta.

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