Imigrantes do ‘Open Arms’ desembarcam em ilha italiana após ordem de promotor
No início da tarde, o Governo espanhol anunciou o envio de um navio da Marinha para pegar os imigrantes
O Open Arms atracou pouco antes da meia-noite (19h no horário de Brasília) desta terça-feira no porto da ilha de Lampedusa depois que o promotor de Agrigento (Sicília), Luigi Patronaggio, ordenou nesta tarde a apreensão do navio e o desembarque imediato dos refugiados. Do navio humanitário começaram a sair os 83 imigrantes que estavam a bordo há 19 dias. O promotor deu a ordem minutos depois que o Audaz, navio da Marinha espanhola, zarpou da base de Rota (Cádiz) rumo à ilha com a missão de recolher as pessoas.
“Depois de 19 dias, desembarcaremos hoje em Lampedusa. O navio será temporariamente apreendido, mas é um custo que a Open Arms assume para garantir que as pessoas a bordo possam ser atendidas. Consideramos indispensável priorizar sua saúde e segurança nesta emergência humanitária”, escreveu no Twitter o fundador da ONG, Òscar Camps. “O pesadelo finalmente acabou”, comemorou a organização.
O promotor tomou a decisão depois de visitar o navio, que desde sexta-feira está ancorado a apenas 800 metros da ilha italiana de Lampedusa sem permissão para entrar no porto. “A situação no navio é explosiva, de extrema urgência”, disse Patronaggio, que chegou à ilha de helicóptero acompanhado por dois médicos.
De acordo com fontes citadas pela agência Efe, o promotor investiga se houve crime, nos termos do artigo 328 do Código Penal, que pune com até dois anos de prisão o funcionário que omitir o cumprimento de um dever que, “por razões de justiça ou de segurança pública, de ordem pública ou de higiene e saúde, deve ser cumprido sem demora”. Embora não se mencione expressamente, tudo aponta para o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, que fez alarde para impedir a todo custo o desembarque dos imigrantes.
El buque Audaz de la @Armada_esp listo para navegar esta tarde hacia la isla de Lampedusa y asistir al #OpenArms y a sus ocupantes. Acompañará a la embarcación hasta el puerto de Palma, en Mallorca.
— Pedro Sánchez (@sanchezcastejon) August 20, 2019
Con esta medida España resolverá, esta misma semana, la emergencia humanitaria. pic.twitter.com/pkzdTuZPzT
O próprio Salvini antecipou a possibilidade de que o promotor tomasse medidas contra ele e disse estar disposto a assumir o “risco pessoal” de manter sua política de portos fechados. O líder ultradireitista atacou seus ainda colegas de Governo que defendiam a autorização do desembarque, especialmente depois que a Espanha foi “convencida”, segundo Salvini, a enviar um navio para recolher os imigrantes; e acusou a ONG de atentar contra a soberania de seu país.
Nas últimas horas, a situação continuou piorando no interior do navio, que está no mar há 19 dia, sendo três deles parados diante da costa de Lampedusa. Depois que o promotor subiu a bordo, dois outros imigrantes foram retirados por razões médicas. Eles se somaram às oito outras pessoas que saíram durante a noite, porque necessitavam de “assistência médica urgente”.
No início da madrugada de terça-feira, um dos imigrantes, de nacionalidade síria, atirou-se na água e foi resgatado pela Guarda Costeira italiana, que o levou ao porto, onde foi recolhido por uma ambulância. As câmeras que transmitem a situação no navio ao vivo captaram os refugiados que aos poucos foram se jogando no mar para tentar ganhar a costa a nado. De manhã, um grupo de nove pessoas pulou e, no início da tarde, outras cinco. Todos foram resgatados pelo barco de patrulha italiano ou pelas lanchas do barco e cinco deles foram levados a terra. “A situação no barco é crítica”, alertou a ONG. As ambulâncias se concentraram no cais do porto de Lampedusa mais próximo do local onde o navio espanhol está ancorado.
No início da tarde, o Governo espanhol anunciou o envio de um navio da Marinha para pegar os imigrantes, “Depois de analisar diferentes opções”, de acordo com o comunicado de La Moncloa, foi considerado que era a melhor maneira de resolver “nesta mesma semana” a emergência humanitária no navio da ONG. O objetivo do Governo era que o Audaz não só embarcasse os imigrantes, mas que também acompanhasse o Open Arms de volta à Espanha, o que será impossível depois da apreensão do navio determinada pelo promotor.
O Audaz zarpou com uma hora e meia de atraso depois que as tarefas de preparação e aprovisionamento foram concluídas, que incluem o embarque de pessoal médico para atender os imigrantes durante a travessia e uma equipe de segurança. Estava previsto que a viagem a Lampedusa durasse três dias e que o barco estivesse de volta, a partir de domingo, em Palma de Maiorca, onde o Governo das Ilhas Baleares já estava preparando um abrigo temporário para os imigrantes.
O Audaz é um dos seis barcos de ação marítima (BAM) que a Marinha tem. Com 93,9 metros de comprimento (o Open Arms tem 37) e 14,2 metros de largura, desloca 2.500 toneladas. Em serviço desde julho do ano passado, atinge uma velocidade máxima de 20 nós e sua tripulação é composta por 48 militares. Tem um convés para helicópteros. Embora sua base seja em Cartagena (Murcia), nos últimos dias estava em Rota, a 1.012 milhas náuticas (1.875 quilômetros) da ilha italiana. “O que sei é que tenho de ir a Lampedusa e, uma vez lá, receberei instruções mais concretas e, dependendo de como tudo evoluir e do que o Governo determinar, assim faremos”, disse antes de zarpar o comandante do navio, Emilio Damiá Marqués.
“A situação no navio é explosiva, de extrema urgência”, disse o promotor Patronaggio
O ministro italiano dos Transportes, Danilo Toninelli, do Movimento 5 Estrelas, comemorou a decisão do Governo espanhol de enviar um navio militar. “Finalmente, a já insustentável situação do navio da ONG poderá encontrar uma solução que proteja as pessoas que estão a bordo há 19 dias e que não deixe a Itália sozinha”, disse. E acrescentou que espera que a Espanha “responda” ao apelo do Governo italiano e “se comprometa a deter no futuro o Open Arms com os meios e modos que considerar mais adequados”.
Anteriormente, Toninelli havia se oferecido para transferir os imigrantes que estão a bordo do Open Arms ao porto designado pelo Governo espanhol em um navio da Guarda Costeira italiana, mas tinha exigido que a Espanha retirasse sua bandeira do navio, ao qual atribuiu “má fé”, para que não possa continuar navegando. “Estamos dispostos a levar todos os migrantes que estão a bordo do Open Arms, com a nossa Guarda Costeira, para o porto da Península Ibérica que nos for indicado. No entanto, a Espanha dará um passo adiante e retirará imediatamente a sua bandeira do navio da ONG”, disse o ministro dos Transportes em sua conta no Facebook.
Nas últimas horas a situação continuou a se deteriorar no interior do navio, que está no mar há 19 dias
O ministro das Relações Exteriores em funções, Josep Borrell, que soube da oferta de Tonninelli através da imprensa, falou com ele e explicou que a legislação espanhola não contempla a retirada da bandeira de um navio, segundo fontes do seu departamento. O Ministério dos Transportes italiano disse que o que pedia era a retirada da bandeira ou “qualquer outra medida que tivesse o mesmo efeito: impedi-lo de recolher imigrantes na costa da Líbia”.
No ritmo frenético em que os acontecimentos se sucederam, a oferta italiana de levar os imigrantes para o porto espanhol em um navio da Guarda Costeira foi superada pela decisão do Governo espanhol de enviar o Audaz a Lampedusa e esta, por sua vez, pela do promotor de Agrigento de apreender o Open Arms e ordenar seu desembarque imediato. A crise pegou todos de surpresa, inclusive o próprio Salvini.
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