Pressão do Governo leva à troca do número dois da Receita Federal
Mudança é mais um ingrediente na crise entre o Governo e os auditores fiscais Bolsonaro também enfrenta acusações de interferência na Polícia Federal e no MPF
A Receita Federal, que nos últimos dias vem sofrendo pressões do Governo Jair Bolsonaro (PSL) em diversos escalões, trocou nesta segunda-feira seu número dois. José Paulo Ramos Fachada, o subsecretário-geral do órgão, será substituído por José de Assis Ferraz Neto. Oficialmente, a Receita apenas confirmou a troca, mas não explicou a razão da mudança. Nos bastidores, a afirmação é a de que o Governo cedeu às pressões de ministros do Supremo Tribunal Federal que reclamam de uma atuação política do órgão. Alguns desses magistrados, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli, se viram direta ou indiretamente envolvidos em processos administrativos tocados por auditores da Receita.
A mudança é apenas mais um ingrediente na crise entre o Governo e os auditores fiscais. Os trabalhadores da receita afirmam que pessoas do "entorno do presidente" planejam interferir em nomeações de cargos menores na capital fluminense, como os das delegacias da Barra da Tijuca e do porto de Itaguaí, por onde passam 21.000 contêineres diários e trabalham cerca de 50 auditores fiscais, em uma área dominada por milicianos. “É incomum ver um presidente se preocupar com questões tão pequenas quanto a chefia de um porto, mas demonstra que há um ataque orquestrado de várias autoridades contra a Receita”, alertou o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Sindifisco), Kléber Cabral.
Essas movimentações de outras instituições incluem a decisão do Supremo Tribunal Federal que paralisou as investigações baseadas em dados fornecidos pelo Conselho de Atividade Financeira (Coaf) e pela Receita Federal e que envolviam 133 contribuintes, uma série de questionamentos feitos pelo ministro Bruno Dantas (do Tribunal de Contas da União) sobre quem eram os auditores que haviam investigados as altas autoridades da República, além de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional e querem reduzir o tamanho da Receita. Na Câmara, ganha força a proposta de transformar o órgão em uma agência ou uma autarquia, o que a deixaria mais suscetível a sofrer interferência política.
“Já colocaram o Coaf numa gaveta do Banco Central. Eles têm menos de 50 funcionários. Querem fazer o mesmo com a Receita, mas somos mais de 20.000 servidores, investigamos uma série de delitos tributários e arrecadamos mais de 1,3 trilhão de reais ao país. É inadmissível sermos atacados dessa maneira”, reclamou Cabral, do Sindifisco.
Outros órgãos
As articulações de bastidores e os discursos radicais não atingiram apenas a Receita, mas também outros órgãos responsáveis por investigações de crimes que ganharam destaque nos últimos anos, como a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR). No caso da PF, Bolsonaro ameaçou interferir em nomeações de delegados no Rio de Janeiro, o Estado onde iniciou sua carreira eleitoral. Já na PGR, o presidente sinaliza que deverá indicar o nome de um procurador-geral que não concorreu na eleição interna da categoria, algo que não ocorre desde o Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
“Já houve épocas em que nomes [de delegados] foram vetados por presidentes ou por seus assessores, mas publicamente foi a primeira vez”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF, Edvandir Paiva. “Esse tipo de discurso traz o risco de que a credibilidade da Polícia Federal seja colocada em xeque. Se investigarmos um adversário político do presidente, a apuração pode ser considerada direcionada. E, se deixarmos de investigar alguém do Governo dele, também. Isso não pode acontecer. Temos de ser técnicos”, ponderou o dirigente. O diretor-geral da PF, Maurício Leite Valeixo, ameaçou entregar o cargo, caso o presidente insistisse em interferir em sua gestão. Por ora, os discursos foram amenizados.
Contra as ações de Bolsonaro na indicação da PGR, os procuradores federais iniciaram uma movimentação nas redes sociais com discurso uníssono, o de que se alguém fora da lista tríplice for nomeado procurador-geral, as investigações de delitos estarão comprometidas.
O principal nome que circula em Brasília nesta semana é o do subprocurador-geral da República Antônio Carlos Simões Martins Soares. Seu padrinho político na indicação é Flávio Bolsonaro, senador pelo PSL do Rio, filho do presidente da República, que é investigado por suspeitas de irregularidades cometidas no período em que foi deputado estadual. Apontado como uma pessoa de direita, conservadora, Soares é pouco conhecido internamente. Ele já respondeu a um processo por falsificação de documento e teve sua aposentadoria cassada pelo Tribunal de Contas da União.
Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) destacou a independência funcional que o chefe do órgão deve ter, que ele não pode ser escolhido para servir a propósitos pessoais de quaisquer autoridades e que ele exerce uma função de Estado e não de Governo. “Não podendo ser indicado, por exemplo, em razão de alinhamento com os projetos e ideias defendidos por aqueles que compõem quaisquer dos Poderes da República”. E complementa: “Qualquer tentativa de interferência indevida tem impacto negativo no combate ao crime, à corrupção, e na garantia dos direitos fundamentais”.
O mandato da atual chefe da PGR, Raquel Dodge, acaba em 17 de setembro. Em junho, a ANPR concluiu sua eleição e escolheu como possíveis PGRs os procuradores Mario Bonsaglia, Luiza Cristina Frischeisen e Blal Dalloul. Bolsonaro jamais se comprometeu a indicar um deles.
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