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Coluna
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Bolsonaro não tem que ser “presidente banana” nem tampouco imperador

Confundir as atribuições de um presidente no jogo democrático com alguém que pode fazer e desfazer a seu arbítrio é revelar contornos autoritários que pertencem a países que ainda não aceitaram a divisão e a independência de poderes

Juan Arias
Presidente Jair Bolsonaro em evento no Palácio do Planalto.
Presidente Jair Bolsonaro em evento no Palácio do Planalto.EVARISTO SA (AFP)
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O presidente Jair Messias Bolsonarocomeçou a mostrar as garras para dizer que quem manda no Brasil é ele e não quer ser um “presidente banana”. Acusado durante o primeiro ano de mandato de aparecer incapaz de governar um país tão complexo e difícil como o Brasil, ele afirmou diante de um grupo de jornalistas: "Aqui quem manda sou eu" e acompanhou sua declaração com a expressão vulgar "p ..

A nova fúria do presidente com a imprensa ocorreu com a polêmica criada por ele com a mudança do superintendente da Polícia Federal do Estado do Rio de Janeiro, Ricardo Saadi –aliás, esse é o ramo da polícia que tem a incumbência de investigar as suspeitas que rondam o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro. A polícia federal no Estado, que é uma instituição com autonomia para nomear seus dirigentes, fez saber que quem muda e anuncia um novo chefe é ela junto com o ministro da Justiça, no caso, Sérgio Moro. Bolsonaro, que até já havia anunciado um nome para substituir Saadi, agora diz que foi uma "sugestão".

Bolsonaro tem razão ao dizer que foi eleito nas urnas e, portanto, em não querer aparecer como “presidente banana”, pois, além do mais, a Presidência da República no Brasil acumula muito poder de decisão. No entanto, esta presidência também não pode ser confundida com o poder absoluto. Não se trata de um imperador ou de um ditador. O Brasil é uma democracia e nela existem instituições independentes com poderes próprios, que o presidente deve respeitar sob pena de aparecer como um tirano.

Confundir as atribuições de um presidente da República no jogo democrático com alguém que pode fazer e desfazer a seu arbítrio é revelar contornos autoritários que pertencem a países que ainda não aceitaram a divisão e a independência de poderes ou que as pisotearam com as botas de golpes militares.

Não é bom que o novo presidente, que já defendeu a ditadura e a tortura, atue para confundir seu poder presidencial prescindindo da existência de uma Constituição que sancionou a divisão de poderes, que é o que mantém o equilíbrio no Governo de um país e protege as liberdades e a paz, ao mesmo tempo que deve saber estar atento aos desejos e aspirações daqueles que o elegeram. E fizeram isso não para lhe conceder um poder absoluto, mas para que o compartilhe com as demais instituições, sempre sob a vigilância dos que lhe entregaram com o voto aquele poder.

E isso serve, é bom lembrar, não só para o presidente da República, que é o maior garantidor da Constituição, mas para os outros dois poderes, o Legislativo e o Judiciário. Nenhum deles pode atribuir-se todo o poder sem trair a essência da democracia.

Se o presidente da República não pode se dar ao luxo de dizer, sem mais, "aqui quem manda sou eu" e basta, tampouco podem fazê-lo os outros dois poderes, e menos ainda o Supremo Tribunal Federal, que tem a delicada missão de ser garantidor da Constituição, a única razão para a sua existência. Como o presidente da República não pode, o STF também não pode ser um árbitro universal do país ou agir como se estivesse mais a serviço daqueles que os elegeram do que de toda a sociedade, do Governo e da oposição.

É grave, às vezes, ouvir um magistrado da alta corte dizer que não precisa escutar o clamor das ruas, como se tivesse que prestar contas só aos que o colocaram ali, ou a uma Constituição asséptica sobre a qual nada têm o que dizer também aqueles para quem foi sobretudo promulgada, como é a sociedade sem rótulos políticos. É grave e perigoso que apareça em domínio público a qual força política cada magistrado pertence. E mesmo a que político em particular a maioria dos magistrados pertence, algo que não existe nos tribunais superiores dos países onde a Constituição é respeitada.

Em muitos casos, nesses países até os votos de cada magistrado são secretos. Uma vez eleitos, eles estão comprometidos com toda a sociedade. Agora, no Brasil, gostariam também de rotulá-los de acordo com sua fé religiosa. Bolsonaro já declarou que quer colocar no Supremo um magistrado “terrivelmente evangélico”.

Todas as desculpas às vezes são boas para que os responsáveis por orientar a sociedade defendam mais seus direitos e liberdades. Que pensem mais em seus próprios interesses do que nos da comunidade. E são feitos malabarismos para justificar certas decisões dos que ocupam o poder, chegando até a se valer da língua portuguesa. Foi isso que fez desta vez o presidente Bolsonaro, que, pressionado pelos jornalistas para que explicasse as razões que o levaram a esta nova guerra, desta vez com a instituição policial, deu um exemplo infantil que justificaria que a imprensa não tinha entendido sua conduta. A frase "se separou por amor", disse Bolsonaro, tem dupla interpretação, como na afirmação: "Em um ato impensado mata o filho o pai amado". Quem mata quem? O presidente se pergunta e acrescenta que a culpada "é a língua portuguesa".

Curioso e significativo, Bolsonaro escolher um jogo de palavras com a frase "matar". Poderia ter feito isso com "salvar". Sempre a morte pela frente!

Quando um presidente chega a acusar a própria língua para justificar sua conduta, ainda estamos longe de viver e com prazer em um espaço de democracia com alegria e felicidade, e não como um peso do qual se pretende libertar. No final, para os responsáveis pela sociedade é mais fácil o "aqui mando eu!", do que o libertador: “somos todos senhores e responsáveis por cada um que sofre ou é julgado injustamente”.

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