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América Latina, a região mais fatal do mundo para os ecologistas

ONG Global Witness fixa em mais de 80 os ativistas assassinados no ano passado. A Colômbia, com 24 mortos, supera o Brasil como o pior país

Teresa de Miguel
Cidade do México -
O líder indígena mexicano Rarámuri Julián Carrillo.
O líder indígena mexicano Rarámuri Julián Carrillo.Amnistía Internacional/Marianne Bertrand

Julián Carrillo sabia que seria assassinado. Como seu cunhado, Santiago. E seu genro, Julián. Também como seus sobrinhos, Guadalupe e Alberto, e seu filho Víctor, que viu ser morto a tiros. Era só uma questão de tempo. Em dezembro de 2017, um grupo armado colocou fogo em sua casa. Conseguiu sair vivo, mas um ano depois não conseguiu escapar ao seu destino: foi abatido por um grupo de homens com armas de alto calibre, como se fosse um criminoso perigoso.

Mas o crime cometido por Carrillo e os cinco membros de sua família assassinados em dois anos no território indígena de Coloradas de la Virgen (Chihuahua, no norte do México) foi proteger as florestas da Sierra Madre. Protegê-las das novas concessões de mineração autorizadas pelo Governo; do corte ilegal de árvores e do crime organizado, que se apropria do território para plantar cannabis ou papoula.

Carrillo foi um dos 14 defensores da terra assassinados no país norte-americano no ano passado, de acordo com o último relatório da organização ambientalista Global Witness. O número revela que a situação quase não melhorou em relação ao ano anterior, quando 15 ativistas morreram. Também demonstra que os mecanismos de proteção oferecidos pelo Governo aos defensores e jornalistas em risco raramente funcionam. O protetor das florestas da Sierra Madre contava com esse mecanismo. De pouco lhe serviu.

Sua luta foi a continuação daquela empreendida por muitos outros líderes indígenas rarámuris que deram suas vidas para evitar o desmatamento de seus territórios. Porque, para essa etnia, a floresta é tudo: atrai a água, fornece alimentos, dá abrigo aos animais. Defendê-la está no seu DNA.

Enterro de Julián Carrillo em Baborigame, Chihuahua.
Enterro de Julián Carrillo em Baborigame, Chihuahua.Cuartoscuro

O assassinato mais célebre na comunidade foi o de Isidro Baldenegro, vencedor do Prêmio Goldman, conhecido como o Nobel da Ecologia. Ser um dos ativistas mais reconhecidos da América Latina não o impediu de ser cruelmente assassinado, também a tiros, em janeiro de 2017. Nem que a impunidade, a intimidação e a violência contra seus sucessores —entre eles Julián Carrillo— continuassem em Coloradas de la Virgen

A situação não é muito mais alentadora nos outros países da América Latina: em 2018 a região voltou a ser a mais letal do planeta para os defensores da terra, segundo a lista negra da ONG. A Colômbia ultrapassou o Brasil pela primeira vez como o país com mais assassinatos na região, com um total de 24 contra 20 no país governado por Jair Bolsonaro.

Mas a organização alerta que tudo indica que a situação no Brasil piorará. “Bolsonaro prometeu permitir a exploração das reservas indígenas com projetos de mineração, agricultura e infraestrutura. Desde o início do ano isso já provocou uma série de invasões de terras indígenas por usurpadores armados”.

O relatório Inimigos do Estado? faz um apelo especial em relação à situação na Guatemala, país em que os assassinatos aumentaram cinco vezes no ano passado. Se em 2017 morreram três defensores naquele país, no ano passado o número disparou para 16 devido a uma onda de violência ligada a projetos hidrelétricos em terras ancestrais.

Joel Raymundo mostra alguns cartuchos de gás lacrimogêneo usados pela polícia.
Joel Raymundo mostra alguns cartuchos de gás lacrimogêneo usados pela polícia.Global Witness / James Rodriguez

Especificamente, a organização denuncia o assassinato dos irmãos Neri e Domingo Esteban Pedro, duas das cabeças com maior visibilidade do movimento indígena contra a usina hidrelétrica de San Andrés, que, segundo a Global Witness, está ligada à poderosa família Mata.

Os corpos dos irmãos Esteban Pedro apareceram às margens do rio Yalwitz em dezembro de 2018, perto da hidrelétrica. Eles não eram os únicos membros da organização Resistência Pacífica da Microrregião de Ixquisis a sofrer as consequências de seu ativismo. Em outubro do mesmo ano, pelo menos seis deles já haviam sido feridos, atacados pela polícia durante uma manifestação.

Pela primeira vez o relatório também documenta como os Governos usam suas leis para criminalizar e intimidar os defensores. Por exemplo, destaca que dezenas de camponeses e estudantes foram presos na Nicarágua depois que em 2018 o Governo aprovou uma lei que ampliou a definição de terrorismo.

“Ao contrário dos assassinatos, essas ameaças mais sutis não se tornam manchetes na imprensa, razão pela qual são muito úteis para aqueles que buscam esmagar a dissidência”, diz a Global Witness. “Assim como os assassinatos, os indígenas estão na linha de frente do ataque dos sistemas judiciais de seus países”.

Filipinas, o país mais sangrento

Em 2018, pelo menos 164 defensores do meio ambiente foram assassinados em todo o mundo, mais da metade deles na América Latina. As Filipinas foram o país mais sangrento, com 30 assassinatos, em grande parte vinculados ao agronegócio.

A maioria das mortes no mundo tinha relação com projetos de mineração e extrativismo, enquanto houve uma escalada entre aqueles que protegem a água: de quatro em 2017 para 17 um ano depois.

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