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Leonard Cohen e Marianne: a história de dois pássaros livres e em harmonia

Documentário recupera a relação do músico e sua musa em uma ilha grega

Fernando Navarro
Leonard Cohen e Marianne Ihlen na Grécia, em 1960.
Leonard Cohen e Marianne Ihlen na Grécia, em 1960.James Burke (The LIFE Picture Collection/Gett)

Existem histórias que, por mais que tenham sido contadas, nunca se desgastam. A de Leonard Cohen e Marianne Ihlen é uma delas. Não porque seja a história de uma tragédia grega, embora tenha acontecido em uma pequena ilha do país helênico, mas porque permanece viva como a história de dois jovens livres e em harmonia no transcurso de seu amor cotidiano, como “pássaros no fio”, como cantou o músico canadense em Bird on a Wire.

Bird on a Wire é a canção inspirada na história que Leonard Cohen e Marianne viveram na ilha de Hydra no início dos anos sessenta, mas não a única. O músico também compôs So Long, Marianne, essa doce elegia a uma relação que marcou aquele que era então um poeta sem um euro no bolso, mas maravilhado por essa atraente mulher norueguesa e o radiante sol do Mediterrâneo. Uma história que agora volta a ser contada no documentário Marianne & Leonard: Words of Love, dirigido por Nick Broomfield, cineasta britânico que já tem experiência em outros filmes musicais sobre Whitney Houston (Whitney: Can I Be Me) e Kurt Cobain (Kurt & Courtney). Nas palavras de seu criador ao jornal The Times, o filme “está intoxicado da beleza da relação”, mostrando o caleidoscópio de dois seres que, inclusive no fim de seu amor, mantiveram um carisma romântico.

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Cohen chegou a Hydra em 1960. O poeta ouvira falar da existência de uma colônia de artistas de todos os cantos do mundo. Ao desembarcar, encontrou um velho porto de pescadores, algumas tavernas à beira-mar e uma montanha imponente que abrigava uma paisagem de casas caiadas. O acesso de carros era proibido, burros e mulas eram o único meio de transporte. Havia gatos por toda parte e a música soava o dia todo nas varandas. Ele ficou fascinado até pelas penúrias. “Não havia água corrente. Você tinha que recolhê-la gota a gota, você conhecia as gotas uma a uma. Tudo o que você usava era gostoso”, disse em uma entrevista o músico, que passou as primeiras duas semanas estirado sobre uma rocha tomando sol. “A Grécia foi onde senti o calor dentro de mim pela primeira vez”, acrescentou.

Na Grécia também foi onde conheceu um amor diferente de todos os outros. Chegou acompanhado de seu violão, sua característica capa de chuva de gabardine azul e sua Olivetti verde: a mesma com que Marianne aparece escrevendo na contracapa de seu disco Songs From a Room. Foi na varanda da mercearia do cais onde o poeta convidou Marianne pela primeira vez para compartilhar sua mesa. Fazia três anos que a jovem havia chegado a Hydra, na companhia de Axel Jensen, um escritor norueguês, com quem se casou e teve um filho, Axel. Mas ele fugiu com outra mulher e Cohen aproveitou a oportunidade.

Marianne e o filho foram morar com o poeta, que herdou 1.500 dólares da avó e comprou em Hydra uma casa caiada de três andares, quatro quartos, uma cozinha com sala de jantar e uma grande varanda. Em uma ilha onde reinavam o sol e a paz e as noites eram iluminadas com lamparinas de azeite de oliva ou de querosene, Cohen e Marianne foram felizes. Como o canadense escreveu a um amigo em uma carta: “A maneira de viver de Marianne na casa é puro alimento. Toda manhã ela coloca uma gardênia na mesa de trabalho [...] Quando há comida na mesa, quando as velas são acesas, quando lavamos a louça juntos e juntos colocamos o menino para dormir. Isso é ordem, é ordem espiritual e não existe outra”. Na companhia de Marianne, Cohen escreveria quatro livros de poemas e o romance Belos Perdedores.

A ordem monástica, tão própria de um Cohen que muito depois abraçaria o zen-budismo, só se alterava quando o casal descia as íngremes ruas da ilha em busca da diversão do porto. O amor livre dos hippies tinha chegado a Hydra antes do esperado e havia uma grande permissividade sexual. Como Cohen contou mais tarde, “o sexo era metafísico”.

O relacionamento de ambos durou seis anos, interrompido às vezes pela necessidade do músico de atender às suas “afiliações neuróticas”. Afiliações como as mulheres. Cohen era incapaz de se atar a alguém. “Ninguém pode possuir Leonard”, diria sua amiga canadense Nancy Bacal. Também a afiliação à sua arte. Em Hydra ele fez seu primeiro show formal. Foi em uma taverna. Ele o fez porque, como reconheceria, “precisava de dinheiro”. “Vi que estava escrevendo havia dez anos e não podia pagar a conta da venda, então pensei em cantar.”

Quando Cohen chegou a Nova York, graças ao dinheiro emprestado por um amigo, tinha 32 anos e seis livros publicados. Em 1967, lançou seu primeiro disco, Songs of Leonard Cohen, e alguns anos depois o segundo, Songs from a Room. No primeiro incluiu a canção So Long, Marianne, e no seguinte Bird on a Wire. Na época, estava chegando ao fim seu relacionamento com Marianne, que o acompanhou em sua nova vida no hotel Chelsea em Nova York e que reconheceu que dizer adeus a Cohen lhe doeu muito: “Isso me destruiu por um tempo”. No último momento antes de gravá-la, Cohen mudou a letra da canção So Long, Marianne, que iria se chamar Come on Marianne. Acrescentou esse so long —até breve. Um “até breve, Marianne”, que acabou se tornando um até sempre para a história destes dois pássaros livres, que viveram a história de seu amor em uma remota ilha grega em plena harmonia.

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