Incidente com o Irã revela um Reino Unido debilitado pelo Brexit
Ex-chefe do Estado-Maior Naval acusa o Governo de não ter previsto a crise
À medida que o Governo britânico elevava nas últimas horas o tom de suas ameaças contra o Irã, ficava mais evidente a falta de previsão e resposta para uma crise que poderia ter sido antecipada. O ex-chefe do Estado-Maior Naval Alan West criticou os políticos pela falta de atenção ao que estava acontecendo no Golfo Pérsico, por estarem atolados em suas batalhas internas. E na oposição trabalhista surgiu o alerta do perigo de repetição do adesismo aos Estados Unidos que levou ao desastre da invasão do Iraque.
Quando em 4 de julho a Marinha Real interceptou o petroleiro Grace 1 em águas próximas de Gibraltar e deteve sua tripulação, surgiram advertências do Irã de que haveria uma resposta. "A captura do petroleiro se baseou em desculpas pré-fabricadas e terá sua resposta no momento adequado", disse o chefe do Estado-Maior iraniano, general Mohamad Bagheri, citado pela agência Reuters.
A captura do navio de bandeira britânica Stena Impero pelas forças iranianas desencadeou críticas, políticas, mas também militares, diante do fracasso antecipatório de um Governo paralisado pelo Brexit, à espera do desenlace das guerras internas no Partido Conservador pela sucessão de Theresa May, e que já abandonou toda a disciplina. "Toda essa crise se desenrolou diante dos olhos de nossa classe política, concentrada na eleição de um novo líder dos conservadores e de um novo primeiro-ministro, mas quem ocupar Downing Street enfrentará uma séria crise internacional desde o primeiro instante. E não poderá ser ignorada por causa do Brexit", escreveu o ex-chefe do Estado-Maior Naval Alan West no The Observer deste domingo.
Não se trata de mais uma voz alarmista lançando gritos de guerra. Lorde West alerta para a catástrofe que representaria uma resposta armada contra o Irã, "inadequada" e, de acordo com o militar, "em qualquer caso, longe das capacidades de nossas forças armadas de agir por conta própria". West destaca no texto as deficiências da força naval britânica e as ciladas do Governo ao garantir nos últimos dias que iria reforçar seu aparato na área do Golfo Pérsico. Há apenas uma fragata de apoio, a HMS Montrose, que conseguiu impedir, há uma semana, a primeira tentativa de embarcações iranianas de capturarem um navio mercante de bandeira britânica. Mas o incidente deste fim de semana com o Stena Impero a pegou a uma hora de distância e não pôde fazer nada. O Governo britânico prometeu enviar uma nova fragata, a HMS Duncan, que já estava inicialmente designada para substituir a HMS Montrose. E a embarcação com tanque de reabastecimento, também prometida, deveria estar no Golfo há muito tempo, diz West, para que as fragatas tivessem uma capacidade de tempo de navegação que agora não têm.
“Situemos tudo isso em seu contexto apropriado. Houve um aumento de surpresa na atividade e no nível de ameaça nas últimas semanas. E leva tempo para responder à situação", disse o secretário de Estado da Defesa, Tobias Ellwood. "Precisamos reduzir a tensão. Nossa maior responsabilidade agora é resolver a situação atual com o Stena Impero e garantir que os demais navios da bandeira britânica naveguem com segurança na área. Temos de estabelecer um relacionamento adequado e profissional com o Irã", afirmou Ellwood neste domingo no Sky News.
O Reino Unido se opõe à decisão unilateral de Washington de se retirar do acordo nuclear com o Irã e impor sanções ao regime, mas tenta preservar a todo custo uma "relação especial" com os Estados Unidos, cada vez mais abalada. O homem que provavelmente será o novo primeiro-ministro na próxima quarta-feira, Boris Johnson, se gaba de ter o apoio e o afeto de Donald Trump––chegou até mesmo a manter no decorrer desta crise uma conversa telefônica com ele, cujo conteúdo é desconhecido––, mas suas primeiras decisões em resposta à tensão com o Irã serão observadas de perto pelas legendas de oposição e por seus próprios colegas de partido.
"Queremos garantir que os erros do passado não voltem a ser cometidos", disse o porta-voz da bancada trabalhista para o setor da Justiça, Richard Burgon, no mesmo programa de televisão em que o secretário de Estado da Defesa havia sido entrevistado. "Os erros do passado custaram muitas vidas, os erros do passado agravaram as coisas e deram origem ao ódio e ao terrorismo. Isso é o que não queremos, uma situação em que tudo fique fora de controle", disse ele.
Felizmente para Johnson, o Governo de May compensou por ora sua fraqueza e falta de previsão com movimentos de prudência. Apesar do duro tom empregado pelo secretário de Relações Exteriores, Jeremy Hunt, e pela secretária de Estado da Defesa, Penny Mordaunt, foram apenas palavras. As duas reuniões realizadas no final de semana pelo gabinete de crise COBRA (na sigla em inglês), destinadas a coordenar uma resposta interministerial a situações graves, não se traduziram em decisões concretas. Limitaram-se, explicou Ellwood, a considerar as possíveis opções de resposta. Numa coisa o representante do Governo e o ex-chefe do Estado-Maior Naval se puseram de acordo: a famosa Marinha britânica já não é o que foi. "Nossa Marinha Real é pequena demais para administrar todos os nossos interesses em todo o mundo. Se essa for nossa intenção futura, será algo que caberá ao novo primeiro-ministro reconhecer e manejar", disse o secretário de Estado da Defesa.
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