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Vazamentos de mensagens de ex-embaixador britânico provocam caça às bruxas do Brexit

Vazamento de advertências do ex-embaixador britânico em Washington contra Trump põe Johnson em apuros enquanto é acelerada a investigação sobre a publicação das mensagens

Rafa de Miguel
O ex-embaixador do Reino Unido Kim Darroch
O ex-embaixador do Reino Unido Kim DarrochALEX WONG (AFP)

O Brexit e seus excessos ressuscitaram todos os clichês, incluindo aquele de que a história sempre ocorre duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Nos últimos dias, a mídia britânica tem comparado a comoção nacional provocada no século passado pela descoberta de Kim Philby e seus comparsas de Cambridge, que integravam uma rede de agentes duplos a serviço de Moscou durante a Guerra Fria, com o vazamento dos incendiárias mensagens diplomáticas sigilosas do ex-embaixador do Reino Unido em Washington, Kim Darroch, contendo críticas ao presidente americano, Donald Trump. O incidente não só provocou a renúncia do alto funcionário, apreciado por seus colegas e com uma fantástica rede de contatos depois de décadas de serviço público, como também desencadeou uma caça às bruxas, com a participação dos serviços secretos britânicos, para encontrar o culpado ou os culpados de um golpe quase fatal contra o prestígio do corpo de política externa de Sua Majestade.

Além disso, o caso abalou a candidatura do ex-prefeito londrino Boris Johnson para a sucessão da primeira-ministra britânica, Theresa May, porque seus inimigos o acusaram de lançar o diplomata às feras por não se empenhar em defendê-lo. O episódio também causou um confronto entre a imprensa e a Scotland Yard depois que Neil Basu, responsável pela divisão de contraterrorismo da Polícia Metropolitana, alertou que a publicação de documentos secretos “poderia constituir um delito grave, dificilmente defensável com o argumento do interesse público”. E ampliou a suspeita de que os eurocéticos são capazes de qualquer coisa para que sua causa avance. As investigações internas se concentram na convicção de que o responsável pelo vazamento seria um alto funcionário defensor do Brexit − um “Philby eurocético”, diz o jornal The Sunday Times −, disposto a destruir as carreiras de todos aqueles que relutam em abandonar a União Europeia.

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Ao mesmo tempo em que o Daily Mail publicava novos trechos das mensagens enviadas por Darroch a seus superiores, vinha à tona o namoro entre a jornalista responsável pela reportagem exclusiva com os vazamentos, Isabel Oakeshott, e o presidente do Partido do Brexit, o eurodeputado Richard Tice. “Os partidários de teorias da conspiração que me acusam de aspirar ao posto de embaixador nos Estados Unidos estão totalmente enganados. É uma sugestão ridícula! Tenho certeza de que qualquer outro empresário partidário do Brexit faria um trabalho muito melhor promovendo o Reino Unido e garantindo um rápido acordo comercial com Washington”, escreveu Tice em sua conta no Twitter.

Horas depois da publicação dos primeiros vazamentos de mensagens de Darroch, nos quais definia Trump como “inepto” e sua Administração como “disfuncional”, o ultranacionalista Nigel Farage se apressou em exigir que o embaixador fosse substituído. “Há muitos traços do Partido do Brexit em todo este assunto”, disse um diplomata britânico citado pelo The Times.

“Vandalismo diplomático”

Em 2018, segundo a última publicação do Daily Mail, o embaixador Darroch escreveu a seus superiores para explicar a decisão de Trump de se retirar do Acordo Internacional de Desnuclearização assinado com o Irã. Acusou o presidente dos Estados Unidos de ter atuado por “razões pessoais”, em um ato de despeito e ressentimento em relação a seu predecessor, Barack Obama, que tinha sido diretamente responsável por acertar o pacto com Teerã. O diplomata definiu a manobra de Washington como um “ato de vandalismo diplomático”. Ele escreveu a mensagem imediatamente depois da visita que Boris Johnson, então chanceler britânico, realizou à capital americana em uma última tentativa de fazer Trump mudar de ideia. Johnson tirou muitas fotografias, foi recebido calorosamente, mas voltou de mãos vazias.

O escândalo pegou no contrapé os dois principais candidatos a liderar o Partido Conservador e a ocupar o posto de primeiro-ministro britânico, Boris Johnson e Jeremy Hunt, embora este último tenha jogado melhor suas cartas. Ele foi o mais rápido em responder a Trump quando o presidente americano lançou uma bateria descontrolada de tuítes insultando Darroch e a própria Theresa May. Hunt qualificou os impropérios de “inaceitáveis” e se comprometeu a manter o embaixador em seu cargo e a não permitir que Washington impusesse a Londres a escolha de seus altos representantes no exterior.

Johnson, que alardeia sua boa relação com o presidente americano e promete um grande acordo comercial com os EUA assim que o Reino Unido sair da UE, mal balbuciou algumas palavras em defesa do embaixador e evitou se comprometer a garantir sua permanência no cargo. Desde então, o ex-prefeito londrino, que chegou a telefonar para Darroch para lhe dar explicações, esforça-se para explicar que suas palavras foram mal interpretadas e para apagar o incêndio que sua aparente deslealdade provocou entre muitos deputados britânicos. “Ele poderia ter se distanciado facilmente Trump sem precisar usar uma linguagem dura. Mas nem sequer tentou”, escreveu o ex-chanceler britânico Malcolm Rifkind no The Observer em referência à reação fria de Johnson, questionando dessa forma sua capacidade para ocupar o cargo de primeiro-ministro britânico.

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