Bolsonaro fala em mais negócios com China e rebate críticas sobre Amazônia: “Ela é nossa, não de vocês”
Preocupação do exterior com meio ambiente se sobressai em encontro do presidente com imprensa estrangeira, e ofusca notícias sobre aproximação com chineses e potenciais acordos comerciais
O encontro do presidente Jair Bolsonaro com a imprensa estrangeira nesta sexta seguiu uma lógica que se repete no Brasil. As potenciais boas notícias ficam por vezes em segundo plano quando o presidente responde com desprezo sobre consensos em relação a temas sensíveis. É o caso da reação de Bolsonaro para a pergunta sobre a fome, que ele considerou “uma grande mentira”. O posicionamento ofuscou informações importantes para o xadrez global, como seu interesse de curto prazo em ampliar negócios com a China, independentemente de seu grande apreço pelos Estados Unidos de Donald Trump. “A imprensa brasileira disse que eu me afastaria da China, o que não é verdade", reclamou ele durante o café da manhã no Palácio do Planalto.
Na verdade, a leitura de um eventual afastamento da China não foi só da imprensa local como da própria China, depois que Bolsonaro visitou Taiwan em março do ano passado, e de ataques a “práticas predatórias” dos chineses, em seus discursos durante a eleição. Definitivamente, essa é uma página virada para Bolsonaro, que confirmou sua ida à China em outubro, quando pretende apresentar um menu de projetos de infraestrutura, na qual os dois países poderiam trabalhar juntos. De acordo com seu ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, durante a visita o Brasil vai apresentar um "portfólio" de projetos de concessão no Brasil para oferecer parcerias concretas à China e convidá-la a investir em concessões de estradas, ferrovias, portos, aeroportos e no setor de energia.
O potencial de novos acordos comerciais com parceiros globais salpicaram a conversa. Mas a preocupação com o meio ambiente dominou boa parte da conversa a partir de perguntas dos jornalistas europeus. “O que nós assinamos será respeitado”, disse ele sem mencionar o Acordo de Paris, condição estabelecida pelo francês Emmanuel Macron para apoiar o acordo do Mercosul com a União Europeia. "Mas existem regulamentações ambientais absurdas [no Brasil] que promovem um divórcio entre preservação ambiental e desenvolvimento", afirma, garantindo que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo, com 58% de florestas nativas. Para ele, os dados sobre o desmatamento da Amazônia, que tanto assustam o mundo, são mentirosos. "Se todos os dados de desmatamento dos últimos dez anos fossem verdadeiros, a Amazônia não existiria mais", disse Bolsonaro, colocando em dúvida até mesmo os dados oficiais do Brasil produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento das florestas brasileiras. "Sabemos que se desflorestarmos tudo, a Amazônia se tornará um deserto", disse ele.
Segundo o presidente, há muita pressão externa sobre a Amazônia para influenciar a política brasileira. "A Amazônia é nossa, não é de vocês", disse ele, tratando como exagero a preocupação com os índios. "Vocês querem tratar os índios como seres pré-históricos, e há índios que querem trabalhar, produzir", acrescentou. O formato da conversa não permitiu que o presidente fosse confrontado com dados sobre ataques a reservas indígenas promovidos por fazendeiros e empresas de mineração. A raiva do presidente brasileiro era clara contra as questões desconfortáveis, como o meio ambiente. "Existe uma verdadeira psicose ambiental que deixa de existir comigo", advertiu.
Bolsonaro relaxou quando as questões giravam em torno de negócios e parcerias com outros países. Ele admitiu que o Mercosul tem interesse em um acordo com os Estados Unidos e que há negociações nesse sentido. Falou, ainda, do interesse do presidente Evo Morales de colocar a Bolívia definitivamente no Mercosul. “Ele está se afastando do Foro de São Paulo”, afirmou.
A curiosidade por novos acordos comerciais deixou o presidente à vontade. Ao ser questionado sobre uma maior aproximação com o Japão, Bolsonaro tinha a resposta na ponta da língua. “O Brasil tem muitas oportunidades a oferecer ao Japão e outros países, estamos à disposição”, afirmou, falando sobre o potencial do nióbio e grafeno, minérios abundantes no Brasil,mas para o qual o Brasil não dispõe de tecnologia para ser beneficiado. Ele mostrou a correntinha de mil dólares que comprou em Osaka, durante o encontro do G-20 no final do mês passado, para dar um exemplo da sua utilização. Disse que está aberto a parcerias que coloquem o Brasil na condição de oferecer valor agregado aos produtos. O presidente elogiou a maneira de ser dos japoneses, mas não resistiu a um elogio que ganha um tom delicado no Brasil. “Eu nunca vi um japonês pedindo esmola no Brasil. É um recado que dou a todos no Brasil. Tenho orgulho de vocês [disse olhando para o jornalista japonês], a maneira como vocês se empenham, são patriotas, unidos e têm sua fé para conseguir seus objetivos”, afirmou. “Nós somos potência em recursos minerais, turismo, e vocês são terceira economia, enquanto nós somos oitava apenas”, afirmou.
O presidente mostrou disposição também de estreitar laços com o mandatário russo, Vladimir Putin, com quem conversou durante o encontro do G-20 em Osaka. "Tenho um profundo respeito por Putin, me causou uma boa impressão em Osaka e tenho certeza de que é recíproco”, afirmou. E sugeriu que o russo poderia ajudar “a resolver a questão da Venezuela", sem dar detalhes de como seria essa ajuda.
O acordo do Mercosul com a União Europeia foi mencionado por um dos jornalistas a partir das preocupações com o uso abusivo de agrotóxicos na agricultura brasileira. Bolsonaro assegurou que é uma percepção equivocada, porque o Brasil, segundo ele, é o 44º país em uso de agrotóxicos no mundo. "Isso faz parte de uma guerra de informação", disse o presidente, insinuando uma guerra comercial por trás das notícias. "Mais uma notícia falsa, usando a expressão do nosso amado Donald Trump." Não existem dados recentes que comparam consumo de agrotóxicos em diferentes países, mas, segundo pesquisa de um consultoria chancelada pela FAO, a agência da ONU para Alimentação e Agricultura, Brasil foi campeão em gastos com agrotóxicos em 2013, mas o sétimo na comparação com a área plantada.
“Deus me pôs aqui”
O presidente não fugiu das perguntas a respeito da indicação do seu filho, Eduardo, para ser embaixador nos Estados Unidos. Ele negou que seja nepotismo e assegurou que seu herdeiro está preparado para uma missão do gênero. “Não colocaria ninguém ali para passar vergonha, num cargo tão importante”, afirmou ele, que ainda não fez a apresentação formal do seu filho, anúncio este que estará condicionado à aprovação pelo Senado. O presidente também admitiu que pode se candidatar à reeleição em 2022, apesar da promessa de campanha de que só ficaria por um mandato. Mas ele negou que houvesse se comprometido a ficar só quatro anos. “Eu disse que se houvesse uma reforma política no Brasil eu não concorreria de novo”, defendeu-se. Mas para ele, os brasileiros entenderam que as coisas não podiam continuar como eram antes. “Se Deus quiser, a política no Brasil será como a de agora, de maneira eterna”, disse.
Sobre seu ministro da Justiça, Sergio Moro, que está pressionado pelos vazamentos do The Intercept, o presidente disse que “obviamente eu quero que ele continue”. Ao final do encontro, tirou uma foto como todos os jornalistas, e nesse meio tempo, houve espaço para mais uma pergunta informal. “O senhor está feliz como presidente?”, perguntou a correspondente do francês Le Monde. Bolsonaro admitiu que era um cargo difícil. Mas aproveitou para responder com uma versão mística sobre si mesmo. “Foi Deus quem me colocou aqui.”.
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