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“Guardas atiravam em prisioneiros que fugiam das explosões”, diz sobrevivente de bombardeio em Trípoli

Refugiados que estavam detidos em delegacia bombardeada na Líbia dizem que os carcereiros alvejavam os imigrantes que tentaram escapar durante o ataque aéreo

Assim viviam os refugiados em um centro de detenção na Líbia.Vídeo: Carlos Rosillo
Francisco Peregil

O Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) visitou na quarta-feira o centro de detenção de Tayura (15 quilômetros a leste de Trípoli), onde pelo menos 44 migrantes e refugiados morreram por causa de um bombardeio aéreo nesta semana. A equipe da agência colheu testemunhos inquietantes. Niels Scott, chefe do OCHA na Líbia, disse que alguns sobreviventes relataram que os carcereiros dispararam contra os detentos quando estes tentaram fugir do ataque.

Este jornal ouviu dois refugiados que pediram anonimato e confirmaram a versão do OCHA. “A primeira bomba caiu na oficina mecânica”, contou um dos entrevistados. “Lá eles consertam os veículos destruídos e também lavamos projéteis. Não houve feridos na oficina. Mas muitos migrantes e refugiados que estavam no hangar que foi atingido em seguida pelas bombas tentaram escapar por uma janela. Então os vigilantes começaram a atirar neles. Atingiram pelo menos dois colegas”, relatou uma das testemunhas.

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“Vários minutos depois”, prossegue a mesma fonte, “uma segunda bomba caiu no galpão. Os cadáveres dos que tinham sido atingidos pelas balas foram levados em veículos militares, antes de as ambulâncias chegarem. Dizem que morreram 44 pessoas, mas eu contei pelo menos 60. E acredito que tenham morrido pelo menos 80”.

O segundo migrante relatou a este correspondente uma versão que coincide com a anterior, embora admita que não foi testemunha ocular e está apenas reproduzindo a versão que lhe contaram: “Antes do bombardeio do hangar, as pessoas já tinham tentado escapar. Eu estava fora do prédio, mas me contaram que atiraram neles antes que a segunda bomba caísse”.

A mesma fonte prossegue: “Depois do bombardeio, reuni um grupo de refugiados e fomos para um matagal. Alguns dos que vinham atrás de nós ouviram tiros e diziam: ‘Gamisse, gamisse’. Isso quer dizer, ‘Sentem-se, sentem-se’”.

Este jornal tentou, sem sucesso, obter a versão do Governo de Unidade Nacional, cujo primeiro-ministro Fayez al Sarraj, é reconhecido pela ONU. O escritório local do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) também enviou uma equipe à delegacia transformada em centro de detenção de migrantes, sem ter constatado que os vigilantes tenham atirado nos detentos. A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) enviou outra equipe a Tayura e foi procurada por este jornal, mas não emitiu nenhuma declaração.

O segundo migrante contatado indicou que a maioria dos sobreviventes que se encontravam no hangar bombardeado, ou seja, as principais testemunhas, deixaram a carceragem de Tayura. “Dentro do hangar havia sobretudo nigerianos. Também havia sudaneses, marroquinos, uns sete ou oito, argelinos e mauritanos”, informou. A agência oficial de notícias marroquina MAP informou na quarta-feira à tarde que entre os feridos pelo bombardeio na Líbia se encontravam seis marroquinos.

No complexo militar de Tayura há um hangar reservado para as mulheres migrantes e refugiadas, juntos a seus filhos. Esse galpão não foi atingido pelas bombas, e nenhuma fonte consultada disse haver mulheres ou crianças entre as vítimas.

Durante a visita que este jornal fez a Tayura em 25 de junho, o diretor do centro, Nureldin al Gritli, negou que se praticasse qualquer tipo de violência contra os detidos. Quando questionado sobre eventuais tentativas de fuga, disse que eram raras. “E demos ordens para que não atirem neles”, acrescentou.

Dois dias depois do bombardeio, a situação dos sobreviventes continua sendo incerta. Alguns esperam que a tragédia sirva para que sejam acolhidos na Europa ou Canadá. Por enquanto, encontram-se à intempérie. “Os guardas nos disseram que esta noite poderemos ir para outro hangar, mas não queremos ir para outro. Se nos mandarem, será à força”, disse o primeiro entrevistado. “Estou em perigo e tenho medo. Arrisco minha vida com esta informação”, concluiu.

O segundo refugiado mostrou, por videoconferência, o local onde se encontram. Na quinta-feira à tarde, os migrantes apareciam deitados sobre colchonetes e mantas à sombra de um edifício. Outros se abrigavam sob uma árvore. Não havia nada para fazer, a não ser esperar. Intrigava-lhes o fato de que desde a manhã dois ônibus tinham chegado a Tayura.

Muitos dos migrantes e refugiados já somam um a dois anos de detenção. A maioria foi capturada em pleno mar, quando tentava chegar à Europa a partir da costa líbia. A lei desse país norte-africano considera crime entrar ou sair irregularmente do seu território. Há na Líbia 5.695 refugiados e migrantes encerrados em 25 centros de detenção como o de Tayura.

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