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Moro advertiu Lava Jato sobre risco de “melindrar” FHC com investigação, diz ‘The Intercept’

Nova reportagem com base em mensagens da força-tarefa e do juiz reitera interação suspeita entre julgador e investigadores. Implicados dizem que material foi "ilegalmente obtido"

Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.Valter Campanato (Agência Brasil)
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Novo diálogo revelado pelo The Intercept nesta terça-feira entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Operação Lava Jato, reforça a controversa interação entre julgador e a acusação um dia antes de o agora ministro da Justiça ter de se explicar sobre o caso no Senado. Na nova reportagem do site, que desde 9 de junho publica trechos de conversas dos dois trocadas pelo aplicativo Telegram que dizem ter recebido de uma fonte anônima, Moro adverte Dallagnol sobre a conveniência de investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) no âmbito da Lava Jato. "Tem alguma coisa mesmo seria do FHC? O que vi na TV pareceu muito fraco?", diz Moro, segundo o site, em 2017. O procurador concorda que os indícios são débeis, mas argumenta que investigar todos reforçaria a "imparcialidade" da força-tarefa. O então juiz retruca: "Ah, não sei. Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante."

Não é a primeira vez que o The Intercept exibe os contatos entre Moro e Dellagnol. Em outras reportagens da série, que também usam trechos das conversas, Moro aconselha ou mesmo orienta os procuradores da Lava Jato em espécie de caráter estratégico, inclusive a respeito de posicionamentos com a relação à opinião pública e ao impacto político da maior investigação de corrupção da história do país. A conduta do ex-juiz que aparece nos trechos está no coração da crise provocada pelas revelações. O motivo é que, pela Constituição brasileira, o juiz deve se manter afastado tanto da acusação como da defesa. Um dos principais argumentos da equipe legal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção inicialmente por Moro em 2017, é que o então juiz não agiu de forma distanciada no caso. O tema, a pedido da defesa do petista preso em Curitiba, voltará a ser debatido pelo Supremo Tribunal Federal na terça-feira que vem.

Moro e a força-tarefa da Lava Jato mais uma vez contestaram nesta terça-feira as revelações do site. Inicialmente, eles reconheceram as mensagens divulgadas nas primeiras reportagens como verdadeiras, mas rejeitaram o vazamento por elas terem sido obtidas supostamente de forma ilegal por um "hacker". Agora tanto o ministro como os procuradores dizem que não têm como se pronunciar sobre mensagens que podem ter sido adulteradas. "As conclusões da matéria veiculada pelo site Intercept sequer são autorizadas pelo próprio texto das supostas mensagens, sendo mero sensacionalismo", diz nota divulgada pelo Ministério da Justiça, comandado por Moro.

A divulgação das mensagens pelo The Intercept a partir de 9 de junho tem provocado um abalo à imagem do ex-juiz e da própria Lava Jato, que mudou a cara da política brasileira, revelou um cartel de empreiteiras que controlava as obras públicas e impactou na política dos países vizinhos, especialmente Peru e Colômbia. A ida de Moro para o Governo Bolsonaro reforçou as acusações de seus detratores de que ele agiu para tirar Lula do jogo eleitoral. O ex-presidente ficou impossibilitado de concorrer às presidenciais em outubro passado após a condenação de Moro ser confirmada na segunda instância e ganhar o sinal verde do Supremo.

Segundo pesquisa  Atlas Político, o ex-juiz perdeu 10 pontos de apoio com o escândalo, mas segue sendo o político mais popular do país, com cerca de 50% de aprovação. É com esse capital que o ministro, que nesta terça ainda apareceu na TV aberta em entrevista ao popular Programa do Ratinho, do SBT, enfrentará os senadores a partir das 9h desta quarta.

Investigação supostamente seletiva

A reportagem desta terça-feira do The Intercept também mostra uma série de conversas entre os procuradores da Lava Jato a respeito de caminhos da investigação para abordar as menções feitas ao ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em delações premiadas. Em 2016, por exemplo, supostos crimes ligados a FHC foram citados por Pedro Corrêa e pelo ex-diretor da Petrobras Néstor Cerveró, ambos colaboradores da Lava Jato. Na época, Cerveró afirmou em seus depoimentos, por exemplo, que fechou contratos com uma empresa ligada a um dos filhos de FHC, Paulo Henrique Cardoso, a PRS Participações.

Em vários momentos, Deltan Dallagnol fala em investigar as citações ao ex-mandatário tucano como um caminho para mostrar a "imparcialidade" da Lava Jato —acusada, especialmente pela esquerda e pelos lulistas, de atacar preferencialmente o PT. Em um dos trechos, há a sugestão de que se investigue tanto as doações da Odebrecht ao Instituto FHC, feitas em 2014, assim como as feitas ao instituto de Lula num mesmo procedimento investigatório criminal. A conversa, que menciona até fazer busca e apreensão na entidade do tucano, se dá em torno de um e-mail da assessoria do IFHC orientando maneiras de que a Odebrecht poderia fazer doações. Os procuradores então debatem se haveria indícios suficientes e se seria conveniente. Debatem ainda o risco de que isso acabasse ajudando a defesa de Lula. "Mas será que não será argumento para da LILS [empresa de Lula] dizendo que a prova que não era corrupção?", diz o então procurador da Lava Jato, Diogo Castor.

O site diz ter perguntado à força-tarefa que procedimentos foram tomados a respeito das suspeitas em relação à FHC —a obrigação da acusação é investigar a todos, não selecionar a quem investigar—, mas não recebeu detalhamento. O ex-presidente tucano só foi alvo de uma investigação fruto das delações da Lava Jato, que acabou sendo enviada para a Justiça de São Paulo e arquivada por prescrição. Era a ligada a supostas doações via caixa 2 nos anos 90. Em nota, a defesa de Lula voltou a protestar. "O Instituto Lula sempre recebeu doações oficiais e registradas. Mesmo assim, foi alvo de uma investigação implacável, que durou anos e resultou em uma multa ilegal e milionária", diz o texto assinado por Paulo Okamotto, do Instituto Lula, que cobra a anulação das condenações. FHC não havia se pronunciado até a publicação desta reportagem.

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