O Brasil abraça a seleção feminina
Com audiência recorde, Copa do Mundo mobiliza torcida e promove o reconhecimento tardio de uma geração de mulheres que alavancou a modalidade no país
Atletas amadoras, clubes de aluguel, campos improvisados, falta de patrocinadores e investimentos. No Brasil, o futebol feminino ainda tem um longo caminho para consolidar seu processo de profissionalização. Entretanto, a onda de apoio à seleção brasileira nesta Copa do Mundo, sobretudo por parte da torcida, surge como um fio de esperança para a geração de mulheres que, a duras penas, conseguiu atrair holofotes em direção à modalidade. Se faltam a elas um título de expressão, sobram façanhas individuais. No Mundial da França, Marta se tornou a maior goleadora das Copas – ao lado de Miroslav Klose, no masculino – e a única a marcar em cinco edições diferentes. Cristiane está prestes a alcançar Pelé na artilharia histórica da seleção. E Formiga, em sua sétima disputa, bateu o recorde de participações no torneio. Ídolos que são referências para outras mulheres e, mais do que isso, embaixadoras do esporte.
Isabella Porto, 25, é fã da melhor jogadora do mundo e, principalmente, de Cristiane. “Na falta da Marta, ela resolve”, diz a educadora musical. Tinha o sonho de ser jogadora, mas uma lesão no pé a tirou do esporte aos 15 anos. Já Carolina Caminata, 24, estudante de moda, admite não ser grande entusiasta o futebol, mas fez questão de acompanhar a amiga no SESC Pompeia, em São Paulo, que disponibiliza um telão para transmitir todos os jogos da seleção brasileira na Copa. “Vim mais pela causa”, conta a estudante. “Pela primeira vez o futebol feminino está sendo televisionado em rede nacional pela maior emissora do país. Essa não é uma conquista importante só para as jogadoras, mas para todas nós, mulheres.”
Na última quinta-feira, o EL PAÍS acompanhou o jogo contra a Austrália nas dependências do SESC. Todas as cadeiras disponíveis foram ocupadas antes mesmo da execução do hino brasileiro. Muita gente não hesitou em sentar no chão, como o grupo de seis mães que integram o Coletivo Nascer e levaram os filhos recém-nascidos para sentir o clima de Copa. A torcida vibrava a cada defesa da goleira Bárbara ou com os dribles da lateral Tamires, a exemplo da caneta que iniciou a jogada do segundo gol. Apesar da derrota de virada, a atmosfera de entusiasmo diante da primavera do futebol feminino prevaleceu após o apito final.
O auxiliar de escritório Diego Santos, 30, tinha aproveitado o horário de almoço para acompanhar o primeiro tempo. Ficou tão absorvido pela tensão da partida que não resistiu à tentação de atrasar a volta ao trabalho. “O patrão vai ficar bravo, mas não dava pra ir embora no meio de um jogão desses”, disse, satisfeito com o desempenho da seleção. “Perder faz parte. Pelo menos elas deram raça e representaram a camisa.” Para ele, o nível do futebol feminino em grandes torneios não deixa a desejar ao do masculino. “Prefiro mil vezes assistir a um jogo delas na Copa do que ver meu time jogar no Campeonato Brasileiro.” Ele é corintiano.
As transmissões na TV contribuem com o fenômeno de adesão à torcida pelas mulheres. Na estreia do Brasil, a audiência da Globo praticamente dobrou em relação à média do horário, com picos de 24 pontos no Kantar IBOPE. O interesse pela Copa se reflete entre os leitores do EL PAÍS. As coberturas em tempo real, minuto a minuto, das duas primeiras partidas da seleção feminina no Mundial renderam quase o dobro de pageviews dos amistosos de preparação da equipe masculina para a Copa América, contra Catar e Honduras.
Em várias cidades pelo país, empresas têm aderido ao movimento de liberar funcionários ou disponibilizar televisões para os jogos. Os bares também aproveitam o furor. Como de praxe em Copas masculinas, estabelecimentos fazem promoções especiais o oferecem telões para atrair torcedores e torcedoras. A campanha Jogue Como Uma Garota mapeou 22 bares com proprietárias mulheres, em 13 estados, que transmitem os jogos ao vivo com o objetivo de engajar ainda mais a torcida brasileira.
No SESC, grupos de amigas aproveitam a ocasião do jogo para se encontrar e tomar uma cerveja no meio do dia. De latinha na mão, o trio Pamela, Natália e Marilene saboreava um tira-gosto enquanto exaltava orgulho de torcer pelas atletas da seleção. “A Marta tem mais títulos e Bolas de Ouro que a maioria dos jogadores no masculino, mas está sem patrocínio. Tem muita coisa pra melhorar”, pondera Natália.
Com o mesmo tom de cobrança, Pamela espera que a repercussão do Mundial sirva para que o futebol feminino seja devidamente valorizado no Brasil, aproveitando o vácuo dos novos times que surgiram devido à obrigação imposta por CBF e Conmebol aos clubes de elite. “A maioria das empresas ainda não para o expediente durante a Copa feminina. A Globo só vai passar os jogos do Brasil. Ainda estamos longe do ideal, mas essa visibilidade finalmente alcançada já é uma grande conquista.”
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