“A sociedade precisa de bom jornalismo e educação de qualidade”
CEO do Grupo PRISA aposta em “diversificar receitas” para garantir independência
Manuel Mirat (Cáceres, 1970) é diretor-executivo do PRISA e presidente do EL PAÍS. Formado em Direito, iniciou sua carreira na Arthur Andersen e em 1997 se incorporou ao grupo de comunicação. Depois de liderar projetos em diferentes empresas do grupo, entre elas Prisacom e Canal+, tornou-se diretor-executivo do EL PAÍS em 2014, e em 2017 assumiu o comando de todo o grupo, também como CEO.
Pergunta. O que significa para o grupo a compra dos 25% da Santillana que ele não tinha?
Resposta. É uma aposta muito clara pela educação e pela América Latina. A Santillana é um dos ativos fundamentais do PRISA: representa quase 50% de nossas receitas e mais de 60% do ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização]. Vai melhorar os fluxos de caixa do grupo e é um passo gigantesco para o futuro. Tenho muito claro sua capacidade de gerar valor: o PRISA tem uma missão, que é melhorar a sociedade com produtos de qualidade na educação e com meios de comunicação com credibilidade.
P. O PRISA superou seus problemas de dívida?
R. Temos uma situação financeira estável e sólida para realizar os projetos que quisermos. Foram injetados mais de 750 milhões de euros [3,3 bilhões de reais] na empresa em praticamente um ano com duas ampliações. Isso e o fato de ter refinanciado a dívida até 2022 nos dá uma posição muito sólida. Mesmo assim, temos potencial para tornar mais eficiente nossa estrutura financeira e também para continuar melhorando os níveis de endividamento. A melhora alcançada em nosso perfil de risco nos permite aproveitar as janelas de oportunidade que os mercados de dívida possam apresentar.
P. Há negociações abertas para vender o negócio em Portugal, o Media Capital?
R. O Media Capital é líder em audiência em Portugal, gera muito ebitda e caixa, e tem capacidade de crescimento, principalmente na produção. Gera interesse. A operação de venda de 2017 não foi concluída porque a Altice não quis assumir as condições exigidas pela autoridade de concorrência de Portugal. Mas não temos nenhuma necessidade de desinvestir no curto prazo se a oferta não for interessante para nós nem para a própria empresa e seu projeto. Estaremos atentos ao que acontecer no mercado e a possíveis interessados.
“Temos uma situação financeira sólida para realizar novos projetos”
P. Por que o valor de mercado não reflete toda essa melhoria?
R. O grupo havia perdido credibilidade com o mercado e os investidores. Precisamos de um pouco de tempo para mostrar o potencial desta empresa: vínhamos de alguns anos complicados, mas estamos construindo um projeto forte. Por outro lado, não é só esta empresa que está demorando para ter seu valor real refletido na Bolsa: a incerteza, a guerra comercial, as mudanças tecnológicas e regulatórias penalizam muitos setores. Mas o PRISA, no início do ano passado, valia cerca de 200 milhões de euros [880 milhões de reais] e hoje vale quase 1,1 bilhão de euros [4,8 bilhões de reais].
P. O que significa a nomeação de Joseph Oughourlian como vice-presidente não executivo?
R. A governança corporativa do PRISA passou por muitas mudanças em pouco tempo, que são positivas. O atual presidente tem a condição de diretor independente e propôs, com base na estrutura acionária que temos, e no fato de que vários acionistas significativos estão representados no Conselho de Administração, que haja um vice-presidente eleito entre os diretores dominicais [integrantes do Conselho que representam um acionista] e que, logicamente, seja o que representa o acionista mais relevante. Antes, o presidente era um membro dominical do Conselho e tínhamos um vice-presidente eleito entre os diretores independentes.
P. O grupo passou de uma estrutura de presidência executiva para uma não executiva. O sr. se sente confortável com esse modelo?
R. O PRISA tem presidente não executivo desde 2018. Primeiro foi Manuel Polanco e atualmente é Javier Monzón. Pode ser comparado ao chairman do mundo anglo-saxão. É a figura que lidera o Conselho de Administração, coordena os acionistas e apoia o diretor-executivo. Além disso, entre os investidores institucionais, é uma figura que ganha cada vez mais importância. Estamos seguindo os patrões da melhor governança corporativa e eu me sinto muito confortável com isso.
“Parte do modelo de negócio ‘online’ tem de passar pela assinatura paga”
P. Espera que a estrutura acionária seja estável?
R. A estrutura é sólida. Talvez a médio prazo devamos aumentar um pouco mais o free float, como qualquer empresa cotada em bolsa que quer que suas ações tenham a máxima liquidez. Mas os acionistas injetaram 763 milhões de euros [3,36 bilhões de reais] de capital e agora a equipe de gestão e os funcionários do PRISA temos de lhes devolver valor.
P. O fato de existirem bancos e fundos entre seus acionistas influi na linha editorial dos veículos de comunicação do PRISA?
R. Todos os acionistas, sejam quem forem, querem uma imprensa de qualidade e na qual se trabalhe de forma profissional. Meu papel fundamental como editor do grupo é defender a independência dos jornalistas desta casa, garantindo ao mesmo tempo que sejam cumpridos os padrões de qualidade e profissionalismo. Que eles possam exercer seu trabalho com liberdade, credibilidade e sem nenhuma intromissão. Porque é a independência que vai permitir que a imprensa faça produtos melhores e tenha futuro.
P. Por que há apenas uma mulher no Conselho de Administração do PRISA? O sr. apoia que haja cotas fixadas por lei?
R. Nesta segunda-feira será realizada a assembleia de acionistas e está prevista a nomeação de uma nova diretora independente. Assumimos o compromisso de que em 2020 pelo menos 30% das cadeiras do Conselho serão ocupadas por mulheres. Pode-se atuar a partir de acima, e se for necessária uma legislação, que seja adotada. Mas a resposta não virá apenas das cotas nos conselhos. É preciso trabalhar a partir de baixo, da educação e da mídia, para acabar com os estereótipos que se instalam já na infância e dificultam que as mulheres possam desenvolver todo o seu potencial em certas áreas profissionais. Por exemplo, há poucas mulheres em carreiras tecnológicas. E o mundo vai ser digital.
“Não se trata apenas de fazer rádio, mas de produzir o melhor conteúdo de áudio”
P. Como vê o futuro dos meios de comunicação?
R. Acredito que temos um potencial gigantesco em um ambiente em que vivemos rodeados de fake news, sobrecarregados com tantas informações duvidosas, a ponto de ninguém saber o que é crível ou não. E, para lutar contra isso, os veículos de comunicação do PRISA estão numa posição-chave, com uma marca global respeitada. A sociedade precisa de educação de qualidade e bom jornalismo. Uma imprensa independente, confiável e rigorosa. Pessoalmente, considero que, a médio prazo, restarão cinco jornais realmente relevantes no mundo ocidental: The New York Times, The Washington Post, Financial Times, The Guardian e EL PAÍS. Devemos aproveitar a oportunidade. Dois anos atrás, o valor de mercado do The New York Times estava em torno de 2 bilhões de dólares [7,85 bilhões de reais], e agora passa de 5 bilhões de dólares [19,6 bilhões de reais]. Eles souberam encontrar um modelo rentável que combina publicidade, assinaturas e uma parte relevante de eventos. Nós temos de ir avançando nesse modelo.
P. O caminho a seguir são os modelos de assinatura paga?
R. Acredito que uma parte das receitas tem de vir daí. A revolução digital nos levou a um modelo econômico e de negócio que, observando agora em perspectiva, não foi feito de forma organizada. A publicidade sozinha não o tornará viável, muito menos agora, quando 85% ficam com empresas como Google e Facebook. Por isso, acredito que temos de buscar fontes de receita mais diversificadas, que nos permitam continuar fazendo um produto de tanta qualidade. Temos de seguir contando com receitas de publicidade, mas também de eventos e de assinatura online, com algum sistema de pagamento.
P. Anos atrás, o EL PAÍS restringiu toda a sua versão online a assinantes. E acabou recuando. O que mudou?
R. Fui eu que decidi voltar a abrir o site, porque não era o momento adequado. Quando você coloca um produto no mercado, é essencial o quando: é preciso que haja predisposição, mecanismos de pagamento adequados, tecnologia... Naquela época, não se consumia a informação como agora, os celulares não eram como os de hoje, nem a banda larga. O modelo, além disso, foi muito rígido. Mas as fórmulas avançaram. Os veículos de comunicação precisam de independência e para isso é necessário buscar novas fórmulas para obter receita.
P. Quando começará esse sistema de assinatura?
R. Estamos trabalhando na integração da plataforma tecnológica do The Washington Post e esperamos que esteja pronta no verão [do hemisfério norte]. A partir daí, trabalharemos para que no final deste ano ou início do próximo possamos ir testando modelos de pagamento por conteúdo.
P. Quais são os planos para o negócio de rádio?
R. Já não se trata apenas de fazer rádio, mas de produzir o melhor conteúdo de áudio. Os avanços tecnológicos que estamos vendo são controlados com a voz: seja a Siri no iPhone, os carros autônomos ou os alto-falantes inteligentes, como o da Amazon. A capacidade de interagir por voz com dispositivos vai crescer com a Internet das Coisas. Tudo isso abre novas oportunidades para desenvolver e produzir conteúdo de áudio e vídeo de qualidade, aproveitando a potência de marcas como as rádios SER, Caracol e Los40.
P. A Santillana representa a maior parte das receitas e dos lucros do grupo. Acredita que o mercado valoriza todo o seu potencial?
R. No PRISA, historicamente, não tivemos uma boa história em relação à educação e a tudo que ela significa para este grupo. A Santillana atua em 22 países. Além disso, a empresa avançou muito nos últimos anos em um conceito de sistemas de aprendizagem: não se trata de vender livros didáticos aos pais, e sim de um relacionamento completo com as escolas, por meio de plataformas e com contratos de três ou quatro anos, que incluem um forte componente digital, materiais, assessoria... Tem uma taxa de evasão muito baixa e duplica a receita média por estudante. A plataforma trabalha em 15 países e nos permite ter margens maiores. Já temos 1,4 milhão de alunos. É um modelo distinto: chame-o de Netflix da educação. Vai nos dar muita experiência. No entanto, os investidores não encontravam outras empresas semelhantes com as quais compará-la. Isso mudou e agora há uma empresa similar, de tamanho menor, que estreou há um ano na Nasdaq, a Arco. Está presente apenas no mercado brasileiro. Seu valor de mercado é superior a 1,9 bilhão de dólares [7,5 bilhões de reais].
“As empresas de tecnologia têm de competir com as mesmas regras do jogo”
P. Qual é o papel que o grupo deve desempenhar na América Latina?
R. A América Latina é a essência do grupo, desde seu início. É parte de nós.
P. Considera que deveria haver fusões entre os grupos ou veículos de comunicação?
R. Acredito que deveriam ocorrer concentrações ou alianças a médio prazo na Espanha e na América Latina. Nesta empresa, fomos terceirizando os processos industriais para ficar com o que sabemos fazer melhor: a experiência do usuário, os dados e, principalmente, o conteúdo. Estamos concentrados em nosso negócio de educação e em nossos veículos de comunicação. E neste momento a estrutura acionária da concorrência é complicada. Tenho mais capacidade de criação de valor trabalhando com o que já tenho, embora, obviamente, se surgisse alguma oportunidade, iríamos analisá-la.
P. As empresas de tecnologia conquistaram poder demais?
R. Assim como muitas empresas espanholas, a única coisa que pedimos é equidade, é que as regras do jogo sejam as mesmas, para poder competir no mesmo plano. Deveria haver uma certa harmonização. Há grandes empresas de tecnologia que estão se transformando em gigantes. Há plataformas que atuam em vários países sem limitações e nem sempre geram o mesmo valor nem contribuem da mesma forma com impostos. Isso distorce o mercado em muitos setores.
“A América Latina é a essência do grupo e temos uma aposta clara na região”
P. O sr. é a favor da criação de um imposto sobre as empresas de tecnologia, como o “imposto Google”?
R. O que me preocupa é o impacto que pode ter não só nas empresas de tecnologia, mas também em outros setores, como, por exemplo, o nosso. Supõe-se que o objetivo é que as empresas de tecnologia paguem os impostos onde geram seus negócios. Mas o que pode acontecer é que empresas que já os pagam e estão fazendo um esforço gigantesco em sua transformação digital acabem sendo as verdadeiras afetadas. Uma coisa desse tipo precisa ser articulada com grande precisão e rigor.
P. Acredita que a incerteza política acaba penalizando as empresas na Espanha e na América Latina?
R. As bases da economia espanhola são fortes. Mas as empresas têm de pedir aos políticos que lhes deem estabilidade. É preciso realizar as reformas necessárias se quisermos avançar na equidade social e continuar recuperando o que foi destruiu pela crise. No caso da América, é verdade que no último ano e meio houve muitas mudanças de Governo: México, Brasil e Colômbia. Agora haverá eleições na Argentina. Mas como dizia Jesús de Polanco, “a América Latina sempre lhe dá mais do que tira de você”. Nossa aposta na região sempre foi clara.
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