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Saquinho de Lixo, os reis da ‘memecracia’ que chegam ao museu

Coletivo arrasta mais de 310.000 seguidores no Instagram, onde publica memes de todas as espécies. Produção faz parte da exposição 'À Nordeste', no Sesc 24 de Maio, em São Paulo

Douglas Layme, Davi Xavier, Isabelle Strobel, Sofia de Carvalho e Aslan Cabral, do coletivo Saquinho de Lixo.
Douglas Layme, Davi Xavier, Isabelle Strobel, Sofia de Carvalho e Aslan Cabral, do coletivo Saquinho de Lixo. Fernando Cavalcanti
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Não importa se é uma foto de Barack Obama, da cantora Gretchen ou de uma receita duvidosa com miojo, salsicha e ovo de Páscoa. Pode ser um áudio, um vídeo curtíssimo ou um desenho. Tudo vira meme no Saquinho de Lixo, um coletivo que exibe sua produção frenética para mais de 310.000 seguidores no Instagram. "Por trás de cada meme há um jovem triste tentando fazer você feliz", diz a biografia do Saquinho na rede social, canal utilizado para propagar memes de todas as espécies e gostos. Seguido por famosos e desconhecidos, o Saquinho chegou aos olhos da curadoria da exposição À Nordeste, que incorporou a obra Memelito ao acervo exibido até o dia 25 de agosto no Sesc 24 de maio em São Paulo.

Felizes ou tristes, os nove jovens por trás do grande “acordo nacional” - como eles mesmos dizem no perfil, satirizando um áudio vazado de Romero Jucá em 2016 - que resultou no Saquinho de Lixo tentam definir no que consiste a matéria prima do coletivo: os memes. “Meme de Internet é o que a gente faz, mas o conceito de meme foi criado em 1976 por Richard Dawkins, um biólogo”, explica Aslan Cabral, 38, pesquisador livre de linguagem em Internet que, com Julio Emílio, 26, pesquisador, fundaram o Saquinho. “E de acordo com Richard, meme é uma partícula. No livro chamado O Gene Egoísta (Companhia das Letras), ele fala que o meme é uma unidade de informação capaz de se multiplicar através das ideias e informações que se propagam de indivíduo para indivíduo”.

O meme, essa entidade, não surgiu, portanto, com a Internet. “Tudo o que se reproduz e evolui de ideia e partículas culturais é potencialmente encarado como meme. O que estamos trocando de informação aqui agora é meme”. A Internet é apenas o canal mais acessado por onde o meme se propaga. Por isso, o meme pode conter ou não informação, pode ser piada, notícia e até fake news. “Até hoje ninguém sabe direito se a mamadeira de piroca é meme ou fake news”, diz Isabelle Strobel, 30, advogada e pesquisadora.

Uma das publicações do Saquinho de Lixo no Instagram.
Uma das publicações do Saquinho de Lixo no Instagram. Reprodução

Real ou fake, o meme vem se transformando em coisa séria em campos diversos, das artes à política. Não há dúvidas de que vivemos na memecracia, onde se tenta, com maior ou menor profissionalismo, capturar a atenção do receptor se propagar. Enquanto o Sesc abre espaço para essa discussão em uma exposição, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) criou em seu gabinete o departameme. A função dos memeiros do deputado e fundador do MBL é criar vídeos e imagens para as redes sociais com base na atuação do dele.

Já no Saquinho de Lixo o departameme é um espaço virtual. Há um grupo no WhatsApp onde todos os memes passam por uma discussão prévia antes de caírem na rede. “Pode ter meme que a mim não vai incomodar, mas, pode incomodar à Isabelle, por exemplo”, explica Douglas Layme, 24, artista visual. “E quando alguém se sente ferido ou incomodado no grupo, a gente não publica”.

O grupo de WhatsApp também serve de termômetro para saber o que pode bombar mais ou menos ao ser publicado. “Quando a gente joga no grupo e vê que todo mundo fica entusiasmado, já dá pra saber que vai ser bom”, diz Douglas. Apesar disso, eles afirmam ser difícil prever qual conteúdo tem potencial para viralizar. “O que dá mais likes é o conteúdo com o qual as pessoas se relacionam”, explica Davi Xavier, 19, estudante. “Normalmente temas ligados a relacionamentos, signos e amizade vão bem”.

Aslan Cabral explica que essa organização, com debates prévios e cuidados para não ferir ninguém, foi surgindo com o tempo. Quando ele teve a ideia de criar o coletivo, há um ano, procurou pessoas que ele nem conhecia pessoalmente, somente nas redes sociais, para participar. “Começou com uma estrutura mais anárquica”, diz. “Teve uma época que todo mundo podia chamar gente pra fazer parte do Saquinho”. Com o tempo, a estrutura foi se cristalizando. Hoje, fazem parte do coletivo, além de Aslan, Douglas, Davi e Isabelle, a designer Sofia de Carvalho, 22, Alan Pereira, 23, estudante, Júlio Emílio, 26, pesquisador, Luis Porto, 23, estudante e Rodrigo Almeida, 34, professor. Apenas Aslan, Sofia e Douglas são da formação original.

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Parte do Saquinho de Lixo em frente ao 'Memelito', obra que faz parte da exposição À Nordeste.
Parte do Saquinho de Lixo em frente ao 'Memelito', obra que faz parte da exposição À Nordeste.F. C.

As intersecções entre arte e tecnologia estão se cruzando há algum tempo. Em 2012, o Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York anunciou “orgulhosamente” a inclusão dos primeiros games em seu acervo e dividiu opiniões. Quatro anos mais tarde, foi a vez dos emojis serem incorporados à exposição permanente do museu. No Brasil, em 2017 a Universidade Federal Fluminense (UFF) criou o Museu de Memes, um espaço virtual definido como “o maior acervo de memes brasileiros do país”, uma área onde o Brasil é reconhecidamente uma potência.

Sofia de Carvalho acredita que é um caminho sem volta. “Esse é o tipo de expressão artística que está emergindo agora”, diz. “E tem várias vertentes: Internet arte, pós-Internet arte….”. Com tantas possibilidades e em um ritmo tão rápido imposto pela Internet, o meme às vezes é extremamente efêmero. “Tem coisa que a gente deixa de postar porque o timing já passou”, conta Davi Xavier.

Outras piadas, por outro lado, já se eternizaram. Uma das favoritas é ironizar os influenciadores digitais, com a simples frase “link na bio”, massivamente usada por quem quer divulgar seu site, um produto, um código de desconto ou canal no YouTube. Como o Instagram não permite que se coloque links na legenda das fotos ou nos comentários, só é possível colocar na biografia [bio]. E tudo virou "link na bio". A piada virou uma autoironia, já que os membros do coletivo viraram influenciadores, embora ainda não ganhem a vida com memes.

Outra marca do Saquinho é utilizar a localização geográfica, que as redes permitem colocar nas publicações, como parte da piada. Uma foto cheia de bitucas de cigarros mergulhadas em queijo causam ojeriza. A localização não poderia ser outra senão "Lanchonete Azia". Pura ficção para aumentar a brincadeira.

As piadas do Saquinho de Lixo podem demandar contexto pop ou político ou simplesmente serem sobre o nada. "Eu vejo como um momento de pausa da informação", define Douglas Layme. Mas esse respiro das notícias também pode servir como um bom teste de conhecimentos gerais e imediatos. “Tem coisas do diálogo que são muito específicas de millenials e da geração Z e a galera mais antiga não entende”, diz Sofia. Se você viu pessoas fantasiadas de saco de lixo no Carnaval e não entendeu exatamente por quê, talvez agora já saiba em qual geração você se encaixa. Link dos baby boomers na bio.

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