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‘Bacurau’, a distopia brasileira contra o Governo de Bolsonaro

Kleber Mendonça Filho, diretor de ‘Aquarius', esconde em um faroeste sua militante visão de um país vendido aos Estados Unidos. Novo longa do brasileiro estreia em Cannes

A partir da esquerda, os diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, e os atores Udo Kier e Bárbara Colen, na apresentação de 'Bacurau'
A partir da esquerda, os diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, e os atores Udo Kier e Bárbara Colen, na apresentação de 'Bacurau'Pascal Le Segretain (Getty Images)
Gregorio Belinchón

Quando em 2016 o brasileiro Kleber Mendonça Filho trouxe Aquarius a Cannes, ele e sua equipe aproveitaram o tapete vermelho para protestar contra a situação política no Brasil e o que descreveram como "golpe" contra a presidente Dilma Rousseff. "Sinto-me muito orgulhoso do que fiz na época", recordou na manhã desta quinta-feira para a imprensa na apresentação de Bacurau, uma distopia extraordinária, um faroeste que se desenrola no sertão nordestino, um lugar do Brasil que raramente aparece no cinema.

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Ali um grupo de norte-americanos se dedica alegremente a uma cinegética especial: a caça humana. O que não intuem é que os habitantes locais, ajudados por um alucinógeno, vão se erguer. Bacurau, uma cidade que na realidade não existe e uma palavra que se refere a um pássaro brasileiro, a alguém que sai sozinho à noite ou que tem pele negra, fala da rebelião contra as autoridades, da violência contra grupos LGBTI – um dos atores, o transexual Silvero Pereira, aproveitou a coletiva para enfatizar isso – e do crescente poder feminino. Como uma cebola, as camadas do filme vão do mero entretenimento ao drama político incisivo.

Mendonça, que codirige aqui com Juliano Dornelles, mais conhecido por seu trabalho como designer de produção, tem o roteiro desde 2009. "No meio entraram outros filmes. Mas, depois da estreia de Aquarius, decidimos acelerar o processo", esclarece. "Não considero Bacurau uma análise científica de como estamos no Brasil e para onde vamos, mas acredito que reflete os sentimentos que nos invadem." Já Dornelles foi mais direto: "Essa distopia pode lembrar o Brasil de hoje em muitos aspectos".

Mendonça falou depois sobre a mensagem de resistência à opressão que emerge em Bacurau e possíveis paralelos com o Brasil atual: "Em uma democracia os cidadãos não devem perder de vista os princípios, embora governem outros. A educação é fundamental nesse aspecto. Na realidade, o momento atual acabou alcançando nosso filme: o Brasil de hoje parece uma distopia". Os contínuos cortes do Governo de Jair Bolsonaro elevaram o tom do discurso do diretor: “Não podemos aceitar como normal um corte de 30% no orçamento do ensino superior". Sua presença em Cannes coincide com as manifestações contra esses cortes: "Queremos expressar nossa dor diante do que está acontecendo, e nos sentimos parte desse movimento", acrescentou.

Durante as filmagens de Bacurau, o Governo exigiu de Mendonça que devolvesse parte do auxílio recebido, de 2,2 milhões de reais, para a produção de Aquarius: "E justo quando se anunciou que estávamos vindo para Cannes voltaram a levantar o assunto na imprensa. Não é uma coincidência", disse, que acrescentou que seus advogados estão recorrendo na Justiça.

Os últimos minutos foram dedicados a refletir sobre a cultura: "Aqui em Cannes há três filmes brasileiros em diferentes seções, e isso coincide com o ataque [do Governo] para esconder a cultura que os artistas brasileiros fazem". Segundo o diretor, o Governo só aposta em "entretenimento". "É bom que essa cultura veja a luz do dia, esta luta é uma das razões pelas quais ontem chorei na cerimônia de gala."

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