Iñárritu: “Gostaria que víssemos os filmes sem saber idade ou gênero dos diretores”
Cineasta mexicano criticou Trump na apresentação do júri do Festival de Cannes, que ele preside
Com o início nesta terça-feira da 72ª edição do Festival de Cannes, o evento já terá cumprido um objetivo: o mexicano Alejandro González Iñárritu se tornará o primeiro latino-americano a presidir seu júri. Na apresentação oficial, estavam ao seu lado os demais integrantes: a atriz norte-americana Elle Fanning — que encarnou a filha de Cate Blanchett e Brad Pitt em Babel, de Iñárritu —, a atriz e cineasta de Burkina Faso Maimouna N’Diaye, a cineasta norte-americana Kelly Reichardt, a cineasta italiana Alice Rohrwacher, o quadrinista Enki Bilal, e os cineastas Yorgos Lanthimos (grego), Pawel Pawlikowski (polonês) e Robin Campillo (francês). Os dois últimos nem abriram a boca.
Quem mais falou à imprensa foi, como de costume, o presidente do júri. O mexicano González Iñárritu mostrou sua “honra” por estar em Cannes: “Mas eu só encabeço o júri. Não o dirijo, porque na verdade não controlo nada na minha vida, nem a minha família, então não sei como farei isto”. Mais a sério, disse que não gosta da palavra julgar. “Mais do que julgar, avaliaremos os filmes na medida em que nos emocionem. Eu gostaria que víssemos os filmes como se não soubéssemos quem são os diretores, nem sua idade nem seu gênero, por respeito ao cinema e às pessoas que os fizeram.”
Sobre a polêmica da Netflix, sobre onde ver os filmes, Iñárritu foi mais explicativo: “Há todo tipo de filme no mundo. A questão é como as pessoas os acessam, porque ver não é experimentar algo. O cinema nasceu para ser uma experiência comunitária, e não tenho nada contra vê-lo em um celular ou num iPad, mas não é o mesmo”. E comparou isso a escutar Beethoven no carro. “Temos que encontrar uma maneira de assistir cinema que inclua todas as vias. A França é uma exceção, porque protege o cinema e as salas. Mas nos próximos 10 dias veremos muitos filmes. Quantos deles serão vistos no mundo?” E, sobre o trabalho do júri, comparou-o com jantar num buffet enorme, com todo tipo de prato. “Como escolheremos o ganhador, o mais difícil? Procuraremos filmes que nos provoquem choques, nos ensinem, nos façam crescer. Temos um processo que começar a ser descoberto esta noite. Aprenderemos juntos a fazer esta viagem.”
O mexicano subiu o tom quando perguntado sobre o muro que Trump pretende construir entre os Estados Unidos e o México. “A primeira coisa é que acredito que Cannes já envia toda uma declaração com este júri heterogêneo”, afirmou. Sobre o muro, qualificou o projeto de “equivocado, cruel e perigoso”. Discursos como o que Trump defende, disse, “vão contra as pessoas mais frágeis, contra os mais pobres, os mais necessitados, os que fogem da violência, da pobreza, dos estupros, que arriscam suas vidas em um esforço de sogbrevivência, nos desertos, nos oceanos...”. Iñárritu não se considera político, e sim artista, e, portanto, responde a essas ideias com arte. “Não sou um político, só posso expressar com o coração aberto o que penso como artista, ser honesto com o que sei e o que conheço. Assim fiz aqui há dois anos com minha instalação de realidade virtual Carne e Areia”.
Com sua arte, Iñárritu luta contra a ignorância, que torna os seres humanos facilmente manipuláveis na atual situação, que “pode se voltar contra nós, fazendo que retornemos a 1939”. E acrescentou: “O nacionalismo não considera o outro. Todos sabemos como acaba a história e como a retórica empurrou a guerras passadas. Há gente dirigindo o mundo com muita ira [em alusão a Trump]”. O mexicano recordou que, depois da cultura grega e a romana, veio a “escuridão” da Idade Média. “Evoluímos na tecnologia, mas a cada tuíte que considere ser uma ruptura do isolamento, em verdade estamos criando um grande isolamento e uma grande paranoia.”
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