Pedro Sánchez: “Há um risco real de que a direita se some à extrema direita” na Espanha
Em entrevista ao EL PAÍS, o primeiro-ministro socialista, candidato à reeleição, diz que uma eventual participação do partido de esquerda Podemos no seu Governo “não é nenhum problema”
Pedro Sánchez (nascido em Madri há 47 anos) caminha embalado rumo à sua primeira vitória eleitoral, no pleito deste domingo, 28, depois de duas duríssimas derrotas, uma destituição da liderança do seu partido, uma volta triunfal na sua segunda eleição primária e uma moção de censura bem-sucedida que o empurrou ao cargo de presidente do Governo espanhol. O primeiro-ministro se prepara para governar com o esquerdista Podemos e com outros aliados, mas não trata isso como fato consumado, buscando ainda mobilizar seu eleitorado para evitar que os três partidos de direita se articulem como fizeram na Andaluzia.
Pergunta. Dezenas de milhares de jovens se manifestam em toda a Europa e na Espanha porque acreditam que seus políticos não fazem frente a um problema muito grave que é a mudança climática. Por que não se fala de temas como este na campanha eleitoral nem nos debates?
Resposta. Esse costuma ser um debate que não entra nas prioridades do diálogo midiático. Mas este Governo lançou as bases para esta transição ecológica da economia. Aprovamos um plano nacional integrado de energia que situou no ano de 2050 que nossa economia seja neutra em carbono. No ano de 2030 teremos cerca de 47% de utilização de energias limpas, frente aos 17% de agora.
P. Acredita que os debates foram espetáculos edificantes?
R. Eu acredito que todo debate seja positivo, porque revela seu projeto político. É evidente que a direita está vivendo [eleições] primárias. Há uma batalha campal para ver quem compete pela medalha de prata, pelo segundo lugar. Mas também há um risco real. Ninguém imaginava que Trump seria presidente dos EUA, e ele conseguiu. Ninguém pensava que Bolsonaro pudesse ser presidente do Brasil. Ninguém pensava que na Andaluzia iria governar a direita com a ultradireita, e está governando. Temos um risco real, que a direita se some com a ultradireita e possam fazer na Espanha o que estão fazendo na Andaluzia. O único partido que pode barrar a direita e a ultradireita é o PSOE.
P. Por que o Vox cresce tanto? Pode ser uma resposta à moção de censura [contra Mariano Rajoy, em 2018]?
R. Não. Nas conversas que tive com Mariano Rajoy quando era presidente do Governo, uma das coisas que mais me chamavam a atenção é que ele já me falava da ultradireita na Espanha, do Vox. Isto eu nunca contei. Quando Rajoy era presidente, o Vox já estava no radar da direita, em seus estudos de opinião pública. Isso tem muito a ver com o fracasso do projeto político da direita quanto à regeneração democrática, quanto à luta contra a desigualdade, que é um dos principais males que tem nosso país. E também seu fracasso em evitar a crispação territorial que se viveu em 2017. A ultradireita sempre existiu em nosso país, fora ou dentro do PP. É uma ameaça real, e é uma ultradireita temível, porque estamos falando de gente que carrega franquistas confessos em suas listas, que nega o Holocausto, que pensa que isto da violência de gênero é papo-furado, que a mudança climática é algo que não existe e que as autonomias [das regiões espanholas] têm que ser suprimidas. E aí aqueles que se dizem constitucionalistas põem um cordão sanitário no PSOE [partido de Sánchez].
P. Está usando o Vox para mobilizar a esquerda?
R. É evidente que existe uma ameaça real e eu não posso ocultar algo que me parece que é importante que os espanhóis saibam. Independentemente de que em outros momentos, inclusive nas próximas eleições municipais e autonômicas, tenha gente que vai votar em outros, no próximo 28 de abril estamos jogando se ganha o bloco da involução ou se o freamos votando no PSOE.
P. Parecia muito à vontade com Pablo Iglesias nos debates.
R. Eu com o senhor Iglesias e com Unidas Podemos somente posso ter palavras de gratidão. Há uma lição destes 10 meses, e é que a esquerda pode se entender quando quer fazer e faz coisas boas pela maioria social deste país. Essa é a enorme oportunidade que temos a partir do próximo 28 de abril: dar respostas da esquerda aos novos desafios da Espanha do século XXI.
P. E o Cidadãos?
R. Há uma enorme decepção. O Cidadãos abraçou a ultradireita e começou seu declive como projeto político.
P. O que acontece com relação a Albert Rivera [líder do Cidadãos]? É pessoal? Nos debates parece que há mais do que política.
R. Não, absolutamente.
P. Estiveram a ponto de formar um Governo, e agora todo mundo dá isso como impossível…
R. É muito decepcionante. Rivera apareceu como um líder político que devia regenerar a vida democrática deste país e acabou votando contra a moção de censura. O senhor Rivera diz “é preciso tirar Sánchez, é uma emergência nacional”. Mas também põe um cordão sanitário na Comunidade Valenciana e em Madri. Ángel Gabilondo [candidato socialista ao Governo regional de Madri] também é um perigo público?
P. Se a opção for o acordo PSOE-Cidadãos ou repetir as eleições, Rivera mudaria de opinião?
R. Segunda-feira será segunda-feira, mas antes tem o 28 de abril. Se o bloco da involução triunfar, aqui haverá mais desigualdade, voltará a corrupção, porque o PP não se regenerou, e se enquistará a crispação política e a confrontação territorial. Este país necessita de um horizonte de concórdia nacional em torno destes desafios, o da transição ecológica, o da desigualdade, o do emprego digno, o da proteção aos autônomos, o de uma contribuição positiva da Espanha ao projeto europeu, que está debilitado.
P. O que diz Macron sobre o Cidadãos?
R. É evidente que eu tenho boa relação com o presidente da República Francesa. Não posso revelar minhas conversações privadas com os líderes europeus. O que posso garantir é que na família liberal europeia há autêntico estupor com a atitude de Rivera, não compreendem.
P. Há preocupação entre os líderes europeus por existir uma força antieuropeia poderosa dentro do Parlamento Europeu?
R. Sem dúvida. Os inimigos da Europa não estão somente fora. Estão dentro. Há um movimento reacionário. Um dos dados que mais me chamaram a atenção é que, segundo uma pesquisa que li faz poucos dias, a Espanha é o segundo país do mundo onde se é mais pessimista quanto ao futuro dos nossos filhos. Esse caldo de cultivo, esse medo do futuro, é precisamente o que alimenta a reação. Temos que lutar todos juntos contra ela.
P. Por que se nega a uma coalizão com o Podemos? Por que há tanta resistência na Espanha às coalizões, que são o mais normal na Europa?
R. Nunca me neguei.
P. Bom, disse que quer governar sozinho. O Podemos quer uma coalizão.
R. Os espanhóis puderam ver que nestes 10 meses nós, com 84 deputados, pusemos em marcha o pacto de Estado contra a violência de gênero, regularizamos mais de 240.000 empregos que eram precários e agora são contratos indefinidos, recuperamos o subsídio ao desemprego para os desempregados de mais de 52 anos, recuperamos a contribuição à Seguridade Social das mulheres cuidadoras dos dependentes, revertemos os cortes educacionais...
P. Mas se o Podemos lhe pedir para entrar no Governo, será um problema para o senhor?
R. Para mim? Vejamos, como que governar vai ser um problema para mim?
P. Que o Podemos entre no Governo.
R. Não é nenhum problema. A notícia extraordinária no próximo domingo seria que a Espanha continua avançando. Eu não tenho um sentido patrimonialista tampouco monopolístico do poder. Mas, insisto, é que o problema não é esse, o desafio da Espanha não é o 29 de abril, é o 28 de abril. Por isso dizia a Iglesias, vamos falar de que todos os cidadãos progressistas se mobilizem.
P. É inviável governar com os independentistas?
R. Não são confiáveis. Eles sabem que a independência não é possível. Os líderes independentistas estão metidos em seu labirinto, quando saírem estaremos lá esperando para poder encontrar um espaço de diálogo dentro da Constituição que sirva para resolver um conflito de convivência. É um labirinto que criaram à base de mentiras. Não podemos fazer o futuro e a estabilidade do nosso país repousarem sobre líderes que demonstraram tudo menos coerência.
P. Mas se eles não forem confiáveis, e se com os Cidadãos já nos contou essa situação tão difícil, se com o Podemos não der... Com quem vai governar?
R. Isso será o 29 de abril. O mais importante é que no 28 este país continue olhando para o futuro.
P. É possível um diálogo na Catalunha sem o Cidadãos?
R. Não, mas por isso é importante que também eles sintam a recriminação da cidadania catalã e da cidadania espanhola, que lhes digam: “Por aí não, não podemos continuar com a confrontação e a crispação territorial”.
P. Convocará, se for presidente do Governo, uma mesa para a reforma do Estatuto e convidará Cidadãos e o PP a participarem dela?
R. O único partido que está defendendo atualmente o Estado das autonomias é o PSOE. Cidadãos, PP e a ultradireita querem recentralizar competências. O independentismo e, infelizmente, também o Unidas Podemos defendem um referendo de autodeterminação na Catalunha, o que me parece um enorme equívoco, porque o que faz é fraturar ainda mais a convivência.
P. Há muitos dados que indicam uma desaceleração econômica importante. Pode acontecer na Espanha uma crise com uma instabilidade política forte?
R. Por isso necessitamos de estabilidade, de uma maioria parlamentar, um Governo que dependa de suas próprias forças. Temos que fazer uma modernização de nossa estrutura econômica. Temos pilares muito importantes, a construção civil e o setor turístico, mas precisamos abordar a transição ecológica da nossa economia, apostar de novo na ciência, na inovação, também na indústria cultural, precisamos continuar sendo competitivos na agroindústria.
P. O perigo mais forte para a Espanha são os atentados do Estado Islâmico, e não se falou nada sobre isto na campanha eleitoral. Tampouco da posição da Espanha sobre os problemas da América Latina, começando pela Venezuela.
R. O Estado Islâmico foi derrotado. Há algumas incertezas, sobretudo depois do anúncio dos EUA de uma retirada de tropas da Síria, mas também acredito que o melhor é que se atue muito e se fale pouco, e certamente que preservemos a unidade de todos os democratas contra este desafio. E quanto à Venezuela, quando falamos dela é simplesmente para que a direita provoque a esquerda e diga que não somos democratas. Mas a Espanha está liderando a resposta internacional na Venezuela.
P. O senhor fala de se aproximar da média europeia de pressão fiscal. Em quanto tempo? Em quatro anos?
R. Atualmente, a arrecadação pública na Espanha representa 39% do PIB, a média europeia me parece que está em torno de 48% [na verdade, é de 46%]. Vamos caminhar para que a Espanha em quatro anos esteja acima de 40%. Se defendermos que haja justiça social, tem que haver justiça fiscal.
P. Que compromissos pode fazer quanto à redução da pobreza infantil?
R. Em sete anos de Governo do PP, a Espanha passou para a terceira posição da Europa em pobreza infantil; 2,36 milhões de meninos e meninas sofrem ou estão em risco de sofrer pobreza infantil. Nós fizemos várias coisas, como elevar a ajuda por filho dependente para as famílias com menos recursos econômicos. Isso significa que 80.000 crianças saiam da pobreza. Meu compromisso é erradicar a pobreza infantil em quatro anos. Qual é a principal das medidas neste sentido? É a renda mínima vital.
P. O senhor prometeu nas primárias revogar a reforma trabalhista e denunciar a concordata com a Igreja. Por que suavizou todas essas posições uma vez no Governo? Moderou-se?
R. Não, é que você tem mais experiência e entende também que os mesmos objetivos podem ser formulados de outra maneira. Quando falamos de aprovar uma lei de liberdade religiosa estamos falando de que não é preciso ter acordos com terceiros países. Portanto na prática estamos falando de denunciar esses acordos. Quando falamos de aprovar um novo Estatuto dos Trabalhadores é pôr rumo ao futuro, não falemos de revogar a reforma de 2012 e, por que não, a de 2011. Temos também que aprovar uma modificação do RETA, do Regime Especial dos Trabalhadores Autônomos, para que contribuam pela renda real que obtenham os trabalhadores autônomos…
P. Por que está tão seguro de que já não há cloacas [esquemas de perseguição política] no Ministério do Interior?
R. Porque a decisão política desapareceu. Havia uma minoria muito minoritária de policiais corruptos que foram utilizados pelos que tomaram essa decisão política. Até que não haja sentença firme não podemos agir contra funcionários públicos, mas do ponto de vista político eu posso garantir que as cloacas do Estado foram embora pelo ralo da moção de censura.