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Coluna
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A fuga simbólica de Bolsonaro para Israel no 55º aniversário da ditadura brasileira

Presidente deixou o país na data que defendeu celebrar, e brasileiros fiéis à democracia deixaram clara sua rejeição à ditadura em jornais, redes sociais e manifestações de rua

Juan Arias
Uma manifestante segura uma placa contra a comemoração do 55º aniversário do golpe militar, no Rio de Janeiro.
Uma manifestante segura uma placa contra a comemoração do 55º aniversário do golpe militar, no Rio de Janeiro.DANIEL RAMALHO (AFP)

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, está se acostumando a atirar a pedra e esconder a mão. Desta vez, tendo deixado o país em uma data tão significativa como o 55º aniversário da ditadura, o capitão reformado escapou por inteiro. Ele fugiu para Israel em uma visita oficial.

Essa fuga chocou. Foi ele quem provocou polvorosa ao pedir que o aniversário de uma das datas mais sombrias da história do país, manchada de mortes, perseguições e torturas, como foi o golpe militar de 1964, fosse "comemorado” nos quartéis. Depois, em seu melhor estilo de dizer e se desdizer, de afirmar e desmentir a si mesmo, ele se conformou com que tal data fosse “rememorada”. Tudo menos condenar aqueles 21 anos de terror que lhe pareceram pouco, já que ele se queixara antes de que, em vez de torturar, não tivessem matado muito mais. O Governo ainda deixou que um vídeo em defesa do golpe fosse partilhado por whatsapp por um dos números do Planalto. Nele, um homem olha para a câmera e diz  que o Exército salvou o Brasil da ameaça comunista. A assessoria do Planalto disse a jornalistas que o vídeo não foi produzido pela Secretaria de Comunicação, mas não se pode disassociar do Governo a autorização para que ele fosse partilhado na data.

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É possível que na fantasia de Bolsonaro e suas hostes guerreiras o Brasil tivesse aproveitado este 55º aniversário da ditadura, com um Governo como o seu coalhado de militares, para expressar sua nostalgia pelos anos de chumbo em que a democracia foi assassinada. No entanto, sua psicologia impulsiva, sua caça aos gigantes do comunismo, que confunde com simples moinhos de vento, e sua nostalgia de um passado que a grande maioria do Brasil condena, o levaram a fazer mal os cálculos.

Se acreditava que com seu pedido para que nos quartéis se comemorasse tal aniversário iria bajular os militares de hoje, que não tiveram parte na ditadura e que se têm revelado, desde o retorno à democracia, fiéis à Constituição, incluindo com Governos esquerdistas como os de Lula e Dilma, ele se enganou mais uma vez. Os quartéis não se mexeram. O jornal Folha de São Paulo entrou em contato com 50 militares hoje presentes no Governo e nenhum deles quis comentar esse aniversário.

Eles também preferem colocar sua visão no presente e no futuro e deixar o passado para a História.

Se os quartéis escolheram a discrição, as hostes bolsonaristas mais aguerridas promoveram eventos pontuais. O Brasil viveu um domingo até que pacífico. Os brasileiros fiéis à democracia, que rejeitam novas aventuras violentas, deixaram clara sua rejeição à ditadura em jornais, redes sociais e manifestações de rua. Milhares de pessoas seguiram numa marcha silenciosa pelas vítimas da ditadura no Ibirapuera. Outros atos simbólicos aconteceram nas principais capitais do país. Esses brasileiros desnudaram o regime militar para que não haja dúvida de que aquele período sinistro não admite eufemismos nem metalinguagens. Foi isso, uma ditadura, o assassinato do sistema democrático e o campo livre para que os piores instintos do ser humano pudessem se soltar impunes.

O Brasil deixou claro que não admite tergiversações linguísticas. Que foi uma ditadura, nem golpe, nem movimento, nem insurreição. Que nela se matou, corpos foram torturados e as liberdades foram sepultadas. Os que são sobreviventes de uma ditadura como a da Espanha, que me coube viver por 40 anos, sabem muito bem distinguir o que é uma insurreição social pela defesa dos direitos humanos do que é a degradação das liberdades.

Como eu, tantos jornalistas e escritores que viveram uma ditadura sabem muito bem que os capangas censores do Governo, muitas vezes incapazes de interpretar um texto, mortificavam também a inteligência, o pensamento e as ideias. Faziam isso toda vez que com suas canetas de tinta preta ou vermelha torturavam nossos escritos ou simplesmente os matavam de uma vez.

Um dia talvez saibamos por que o presidente Bolsonaro, depois de tentar reavivar aqui, em seu país, o fogo dos tristes anos da ditadura, preferiu fugir do dia que buscou transformar em uma festa. Ele foi procurar os aplausos naquela parte de Israel mais avessa ao diálogo, a mais intransigente, a das bandeiras da guerra e do desprezo pelo pacifismo com os povos e culturas que o rodeiam.

Talvez sua fuga apareça um dia como a prova de ter descoberto que o Brasil de hoje é cada vez menos o dos seus sonhos de guerra. É o que sonha com um futuro de liberdades e criatividade, de pão e trabalho para todos. Um Brasil unido, sem bravatas nem nostalgia de fantasmas autoritários do passado.

Neste 55º aniversário da ditadura brasileira, uma interrogação surge inquietante: será capaz o capitão Bolsonaro, que ainda não disse uma única vez que quer ser o presidente de todos os brasileiros, de representar o futuro de um país unido em torno de um projeto de esperança para todos? De um país que não caiu na armadilha criada pelo presidente que tentou em vão ressuscitar os fantasmas de um passado que só existe na fantasia febril dos derrotados?

Quem sabe um dia, sem necessidade de recorrer à psicanálise da linguagem de Lacan, seja possível compreender o que de simbólico e até mesmo de profético engloba essa fuga para o estrangeiro do presidente Bolsonaro, no dia em que sonhou fazer os brasileiros de hoje suspirarem por tempos que pertencem apenas aos cemitérios.

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