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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

A história não pode ser apagada ou reescrita. Lembrar que houve ditadura valoriza as conquistas de hoje

O regime militar merece ser recordado, mas não pelos motivos errados. Reconhecer o passado enaltece conquistas sociais, como o próprio combate à corrupção

Prédio histórico da UFPR, em Curitiba, cenário de uma série de manifestações plurais.
Prédio histórico da UFPR, em Curitiba, cenário de uma série de manifestações plurais. Marcio Pimenta
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A história de um país não pode ser apagada, sequer reescrita: é inegável que o Brasil experimentou longo período de restrição de direitos fundamentais e de repressão violenta e sistemática à dissidência política e aos movimentos sociais. Esse período merece ser recordado, mas não pelos motivos errados e, sim, como forma de valorização das conquistas sociais, especialmente aquelas consagradas pela Constituição Federal de 1988.

Foi a denominada “Constituição Cidadã” que consagrou um conjunto de garantias, direitos fundamentais e princípios que a sociedade hoje sequer imagina viver sem, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade de expressão, de imprensa e de associação, o pluralismo político, a cidadania e a separação entre os três poderes da República.

O estado democrático de direito instituído em 1988 e gradualmente fortalecido ao longo de mais de 30 anos, aliado a diversos outros fatores de ordem social, proporcionou um amadurecimento institucional que possibilitou o desenvolvimento de um trabalho harmônico de um conjunto de instituições de fiscalização e controle no combate à corrupção. Como reflexo dessas atividades, a corrupção chegou a ser considerada a principal preocupação dos brasileiros, sendo reputada como maior problema nacional, em pesquisa divulgada em 2017, pelo Latinobarômetro.

O aumento da percepção da corrupção no Brasil nos últimos anos, período de intensas atividades realizadas pelos órgãos de persecução criminal, foi demonstrado também pela Transparência Internacional e revela claramente que, não por obra do acaso, o avanço do combate à corrupção somente foi possível graças à existência de um ambiente democrático, com respeito às liberdades individuais, com instituições funcionando de forma legítima e regular e com uma imprensa livre para investigar e noticiar à sociedade os fatos apurados.

Ao lado disso, a independência do Ministério Público e do Poder Judiciário, garantida não apenas formalmente, mas em fatos concretos, como a escolha do procurador-geral a partir de lista tríplice elaborada pelo próprio Ministério Público e a autonomia orçamentária do órgão, bem como a independência de atuação limitada apenas pela Constituição e pelas leis, constituíram parte do conjunto democrático que impulsionou o combate à corrupção no Brasil.

Esse desenvolvimento progressivo do combate à corrupção foi viabilizado, ainda, por diversas criações e alterações legislativas supervenientes à Constituição Federal de 1988, como a Lei de Improbidade Administrativa (1992), a Lei de Acesso à Informação (2011), a Lei das Organizações Criminosas (2013), a Lei Anticorrupção (2013) e a alteração da Lei de Lavagem de Dinheiro em 2012, demonstrando a relevância da atuação de todos os três poderes da República, com respeito aos princípios constitucionais da separação e da independência entre eles, e a delimitação do sistema de freios e contrapesos, também para a luta contra a corrupção e impunidade.

A verdade é que o trabalho de combate à corrupção, longe de se encerrar com o processo e julgamento dos responsáveis pelos crimes de corrupção, reflete direta e indiretamente na construção de um país melhor, mais justo e igualitário, onde a lei tenha a mesma validade para todos e prevaleça o respeito às instituições democraticamente constituídas, às garantias e liberdades constitucionalmente asseguradas e ao pluralismo de ideias.

Jerusa Burmann Viecili é procuradora da República e integrante da Força-Tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba.

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