_
_
_
_

“O sigilo deveria ser exceção. O decreto do Governo prejudica a transparência”

Gil Castello Branco, do Contas Abertas, e outras entidades criticam mudanças em Lei de Acesso à Informação que ampliou poder de servidores para classificar documentos

O vice-presidente e presidente em exercício, Hamilton Mourão.
O vice-presidente e presidente em exercício, Hamilton Mourão.ADRIANO MACHADO (REUTERS)

Por meio de um decreto publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial da União, o governo de Jair Bolsonaro mudou a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI), para permitir que cargos comissionados —muitos sem vínculo permanente com a administração pública— possam classificar informações oficiais com o grau máximo de sigilo: de 25 anos (dados ultrassecretos) ou 15 anos (dados secretos). Na prática, o documento, assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, em exercício da Presidência devido à viagem de Bolsonaro ao Fórum Econômico Mundial, em Davos,  ampliará o número de documentos sigilosos, algo criticado pelas entidades e especialistas no tema.

"O decreto, tal como está redigido, prejudica a transparência, o controle social das instituições públicas. O sigilo deveria ser exceção", afirma Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, especializada em monitorar gastos públicos. Em vigor desde 2012, quando foi assinado por Dilma Rousseff, a LAI só permitia, até então, que o presidente, o vice-presidente, ministros e comandantes das Forças Armadas classificassem dados sigilosos. "As entidades de transparência participamos dos debates antes da criação da lei e um dos nossos pedidos era justamente que o mínimo de pessoas tivesse o poder de classificar essas informações", conta Castello Branco, que considera "lamentável" que a sociedade civil não tenha sido consultada antes da assinatura do decreto.

Mais informações
Nova capa do passaporte e nada de Previdência: as metas de Bolsonaro para o primeiros 100 dias
Bolsonaro diz que reforma da previdência trará cortes “substanciais”

A decisão também surpreendeu Manoel Galdino, presidente da Transparência Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da Controladoria Geral da União (CGU), que considera o decreto um "retrocesso". "Justamente essa medida foi tomada de modo nada transparente. A sociedade não foi informada, o conselho também não".

Na última reunião do Conselho, realizada no dia 12 de dezembro de 2018, o ministro da CGU, Wagner do Rosário, elogiou o órgão e disse que o Governo levaria propostas de alterações na LAI para serem debatidas pelo Conselho. Em fala registrada na ata da reunião, ele fala em mudanças na lei, mas sem retirada de direitos: "Devem ser propostas algumas mudanças na LAI, mas não será nada que retire qualquer direito. São somente alguns prazos de recurso e alguns outros detalhes, que serão apresentados na próxima reunião". O próximo encontro do órgão está previsto para março. "Se a CGU foi ouvida e participou das alterações, é ainda mais grave, já que esse órgão deveria ser o bastião do zelo pela transparência", critica Castello Branco.

Nesta quinta-feira, o ministro ativou uma conta no Twitter para "reafirmar o compromisso com a transparência pública" e com a garantia do "direito constitucional de acesso à informação". "Afirmo a vocês que não procede a alegação de que alterações relativas à classificação de informações trariam efeitos nocivos à LAI, pois, pelo contrário, as mudanças propostas têm como objetivo simplificar e desburocratizar a atuação do Estado", escreveu. 

O discurso de Rosário vai no mesmo sentido do de Mourão, que chegou a dizer que o decreto melhorará o acesso aos dados públicos. O vice-presidente se contradisse esta tarde, no entanto, ao afirmar que "só ministros" poderão tornar documentos ultrassecretos, acrescentando que estes são "raríssimos no Brasil". 

Pedidos de revogação

Organizações como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Transparência Internacional também criticam o decreto, que consideram "esquisito" e "bastante prejudicial". Uma das preocupações das entidades é que não há critérios claros para determinar  que tipo de informação pode representar um risco à sociedade ou ao Estado e que deveria ser, portanto, sigilosa. Ao ampliar o leque de servidores para escalões mais baixos, os especialistas temem que haja menos uniformidade nesse processo e que, consequentemente, levem a um "uso infundado e exagerado desse instrumento".

"Além de ser um instrumento efetivo de controle, a LAI marcou uma mudança de cultura no Brasil, iniciando um novo entendimento sobre a relação entre Estado e sociedade. Seu maior avanço foi a compreensão de que acesso à informação pública é um direito do cidadão. Portanto, qualquer medida restritiva de direito deve ser excepcional, criteriosa e de alçada superior", afirma, em nota, a Transparência Internacional Brasil. "O próximo passo que daremos como organizações da sociedade civil é pressionar para que esse decreto seja revogado", afirma Gil Castello Branco.

Autor do projeto que resultou na LAI, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT) já anunciou que apresentará, no primeiro dia de legislatura (1º de fevereiro), um decreto legislativo para revogar a medida assinada por Mourão. Em nota, Lopes afirma que o sigilo imposto “fere a alma da transparência no serviço público, o enfrentamento à corrupção e a democracia brasileira”. Já o PSOL anunciou que vai ao Supremo Tribunal Federal contra o decreto.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_