Bolsonaro troca embaixada por escritório em Jerusalém, mas não evita retaliação palestina
Autoridade Palestina convoca embaixador no Brasil para consultas. Em visita ao Muro das Lamentações, presidente diz que palestinos têm o “direito de reclamar"
A devoção dos cristãos evangélicos em seu apoio incondicional ao Estado judaico fica atrás das obrigações do Governo brasileiro para com os poderosos pecuaristas locais, que exportam todos os anos carne halal (seguindo os preceitos religiosos muçulmanos) por um montante de 5 bilhões de dólares (cerca de 20 bilhões de reais) para o mundo islâmico. No início de sua visita oficial a Israel, o presidente ultradireitista Jair Bolsonaro se limitou a oferecer neste domingo a abertura de um escritório comercial em Jerusalém, em vez da prometida transferência da embaixada brasileira de sua atual sede, em Tel Aviv. Ainda assim, Bolsonaro não conseguiu se esquivar da reação dos palestinos. Na mesma noite de domingo, a Autoridade Palestina convocou seu embaixador no Brasil, Ibrahim Alzeben, para consultas. A diplomacia palestina classificou a medida do Planalto como "uma agressão direta".
Ao visitar o Muro das Lamentações nesta segunda-feira —local sagrado tanto para o judaísmo e para o cristianismo—, Bolsonaro contemporizou a reação palestina: “É direito deles reclamar", afirmou. “A gente não quer ofender ninguém, agora queremos que respeitem a nossa autonomia”, disse Bolsonaro a repórteres ao deixar o hotel para visitar a Igreja do Santo Sepulcro e o Muro das Lamentações.
Com o escritório em Jerusalém, o presidente brasileiro evita por ora seguir os passos dos Estados Unidos para instalar a embaixada na Cidade Santa, uma promessa eleitoral que reiterou a Benjamin Netanyahu, em janeiro, durante a visita do primeiro-ministro israelense a Brasília por ocasião de sua posse presidencial. Nove dias antes de uma acirrada eleição legislativa em Israel, o líder do partido Likud aparece diante dos eleitores como o homem de Estado que intensifica as relações com o gigante da América do Sul. Por sua vez, Bolsonaro se consagra com esta viagem oficial como membro do grupo de líderes que –como o norte-americano Donald Trump, o húngaro Viktor Orbán e o italiano Matteo Salvini– ganharam a estreita amizade do Governo hebraico.
"A gente não quer ofender ninguém, agora queremos que respeitem a nossa autonomia"
"Estamos escrevendo a história juntos", gabou-se Netanyahu ao receber o presidente brasileiro, "e estamos abrindo uma nova era de relações entre nossos países (...), depois de anos de certa hesitação". Ele se referia aos Governos anteriores, em especial o último Governo do Partido dos Trabalhadores, que questionavam a política israelense sobre o conflito palestino. Independentemente do partido do Governo de turno, há décadas o Brasil tentava não alienar nenhum dos atores políticos no Oriente Médio e criticava violações de direitos humanos dos palestinos. "Estamos nos aproximando de países que compartilham nossas tradições, a democracia e a fé em Deus", disse Bolsonaro em uma coletiva de imprensa conjunta com Netanyahu, na qual confirmou a abertura do escritório de negócios em Jerusalém. O primeiro-ministro israelense interpretou a decisão como "um primeiro passo" para a transferência da embaixada.
Apoio no pleito brasileiro na OCDE
O presidente chegou a Jerusalém para uma visita de quatro dias com uma grande delegação do Governo brasileiro que assinou acordos, entre outros assuntos, sobre cooperação militar, aviação, segurança cibernética e tecnologia. Bolsonaro argumentou durante sua campanha eleitoral que "Israel é um Estado soberano e deve-se respeitar onde fixou sua capital". O novo escritório brasileiro de negócios se dedicará a promover o comércio, investimentos e intercâmbios em tecnologia e inovação entre os dois países. Em troca, ganhou o "forte" apoio de Israel à intenção do Brasil de aderir à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). É o segundo apoio à demanda brasileira que Bolsonaro recebe em menos de um mês —Donald Trump também fez o mesmo aceno sobre o Brasil na OCDE em março.
A decisão de criar um escritório de negócios do Brasil em Jerusalém não tem o escopo internacional que envolveu a transferência da embaixada dos EUA, anunciada por Trump em 2017 e consumada em maio do ano passado. Somente a Guatemala, que tem em seu Governo cristãos evangélicos defensores do Estado judaico, respaldou a transferência de sua legação de Tel Aviv, onde os demais países com relações com Israel mantêm suas representações diplomáticas. O consenso da comunidade internacional submete o status final de Jerusalém – que os israelenses consideram sua capital "eterna e indivisível", enquanto os palestinos esperam estabelecer a capital de seu futuro Estado na parte oriental da cidade – a um acordo de paz duradouro entre ambas as partes.
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— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) April 1, 2019
Em maio do ano passado, o então presidente do Paraguai, Horacio Cartes, seguiu os passos de Trump, mas quatro meses depois tomou posse no país um novo chefe de Estado, de ascendência árabe, Mario Abdo, que ordenou a reabertura da embaixada em Tel Aviv. Depois disso Netanyahu não conseguiu atrair mais delegações diplomáticas para a Cidade Santa. Os países da União Europeia com Governos mais propensos a apoiar Israel abriram recentemente em Jerusalém um escritório comercial, caso da Hungria, ou um centro cultural, como fez a República Checa, mas nenhum deles se atreveu a ignorar as diretrizes de Bruxelas, que endossam as resoluções da ONU que condenaram em 1981 a anexação de Jerusalém Oriental pelo Estado de Israel. A Romênia, a Austrália e as Filipinas também estão considerando a instalação de uma missão comercial em Jerusalém.
Com informações da Reuters
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