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Sérgio Moro cede à pressão e fatia pacote anticrime para separar caixa dois

Proposta altera 14 leis e deve enfrentar restrições no Congresso, além de ações no STF

O ministro Sergio Moro, no Palácio do Planalto.
O ministro Sergio Moro, no Palácio do Planalto.SERGIO LIMA (AFP)

Em seu primeiro grande teste junto ao Congresso Nacional, o ministro Sergio Moro cedeu ao pragmatismo da "velha política" e fatiou o pacote anticrime do Governo Jair Bolsonaro (PSL). Atendendo a um grupo de parlamentares, que não quis nominar, e ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), Moro decidiu retirar do pacote principal a medida que criminaliza o caixa dois, que é não declaração à Justiça Eleitoral de dinheiro recebido para campanhas eleitorais. Na prática, ele quer facilitar a aprovação do projeto, já que transformar o caixa dois em um delito mais grave sempre enfrentou dificuldades para ser aprovado no Legislativo.

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Antes de entregar a proposta nesta terça-feira ao presidente da Câmara, o ex-juiz Moro ouviu as sugestões do político profissional Onyx, deputado licenciado que se elegeu pela quinta vez ao cargo e já admitiu ter recebido 100.000 reais em caixa dois da JBS. Em princípio, todas as propostas do Governo viriam em apenas um projeto. Na atual composição da Câmara há ao menos 17 deputados que são investigados por terem recebido caixa dois eleitoral.

Oficialmente, o chefe da Justiça afirmou que a alteração ocorreu porque o Governo está aberto ao diálogo com os congressistas. “Houve uma reclamação por parte de alguns agentes políticos de o caixa dois é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, que crime organizado e crimes violentos. Então, nós acabamos optando por colocar a criminalização em um projeto à parte”.

A atual legislação prevê que os casos de caixa dois são julgados conforme o artigo 350 do Código Eleitoral – que trata da omissão ou falsificação da declaração de prestação de contas eleitorais. Não há uma pena mínima para quem for condenado, apenas máxima. Pela regra proposta, a punição varia de dois a cinco anos de prisão, caso não esteja relacionado a um crime mais grave, como corrupção. Quem pagou o caixa dois também passaria a ser punido.

O fatiamento também ocorreu porque a proposta de transferir para Justiça comum o julgamento de crimes que estavam sendo analisados concomitantemente com a Justiça Eleitoral deveria ser feita por projeto de lei complementar, não ordinária. Ao todo 14 leis serão modificadas, em caso de aprovação. Seu objetivo é endurecer o combate à corrupção, aos crimes violentos e às organizações criminosas.

Quando foi anunciar a conclusão do projeto ao presidente Bolsonaro, Moro foi questionado por jornalistas se caixa dois não era um tipo de corrupção e respondeu assim: “Caixa dois não é corrupção, existem dois crimes, e os dois são graves”. Em 2017, quando ainda era o juiz responsável pela operação Lava Jato, o ministro disse em uma palestra nos Estados Unidos, que o caixa dois "é trapaça, é um crime contra a democracia". E ainda completou: "Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito".

A tendência é que o pacote sofra questionamentos judiciais. Alterações nas regras de legítima defesa, autos de resistência e autorização para prisão após condenação judicial em segunda instância são alvo de ativistas e de organizações judiciais.

"Acabou de lua mel"

O envio do pacote anticrime nesta terça-feira e o da reforma da Previdência na quarta-feira eram tentativas de Bolsonaro criar uma agenda positiva. Porém, esta semana ele colecionou mais derrotas do que vitórias. Primeiro, na segunda-feira demitiu o ministro, Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência da República. Bebianno se viu envolvido na crise das candidaturas laranja entrou em seguidos embates com o vereador-tuiteiro Carlos Bolsonaro, filho do presidente.

Ainda na terça-feira, Bolsonaro já sentiu que sua vida não será fácil no Legislativo. Foi derrubado o decreto presidencial que alterava a Lei de Acesso à Informação, aumentando o número de autoridades capazes de restringir o acesso a documentos. Foram três votações em que o Governo obteve no máximo 57 dos 513 possíveis votos de deputados. Sendo que 50 desses votos foram dados por deputados do PSL, partido do presidente.

Indagado sobre a derrota, o vice-presidente Hamilton Mourão, que assinou o decreto quando ocupava interinamente a presidência, disse que a derrota faz parte da democracia. "Perdi, playboy", disse ao jornalistas rindo. Depois, chamou o decreto de "chulé".

O líder do PSL, Delegado Waldir, sentenciou: “Acabou a lua de mel. É o Legislativo chamando o Executivo para negociar”. Ele afirmou ainda que o Executivo não tem base e atribuiu a responsabilidade à Casa Civil e à liderança do Governo na Câmara, exercida pelo deputado neófito Major Vitor Hugo (PSL-GO).

Em entrevista ao site Poder 360, o líder do Podemos na Câmara, José Nelto, afirmou que esse não seria um bom momento para receber a reforma nas aposentadorias. “O governo não tem articulação política e não tem base consistente, nem base condicionada (...) É um cenário ruim pra receber a reforma.”

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