Cúpula do G20 vê nascer ‘novo Nafta’ enquanto acordo de Mercosul e UE não avança
Liderado por Trump, pacto de livre comércio atualiza entendimento entre EUA, México e Canadá. Já Maurício Macri não logrou encaminhar tratado do bloco sul-americano com a União Europeia


No centro, Donald Trump. Enrique Peña Nieto e Justin Trudeau, dos lados. O primeiro a falar, também Trump. Depois o fizeram o presidente do Canadá e o mexicano. O local escolhido: o hotel em que Trump se hospeda em Buenos Aires, onde está para participar da reunião do G20. As testemunhas: somente a imprensa que acompanhou as comitivas e dezenas de funcionários de alto escalão. A execução da assinatura do novo acordo comercial entre os Estados Unidos, o México e o Canadá, o T-MEC ou USMCA, na sigla em inglês, que substituiu o antigo Nafta (North American Free Trade Agreement, ou tratado norte-americano de livre comércio) esteve longe da pompa televisionada com a qual o presidente norte-americano anunciou o fim das negociações em 1º de outubro. Mas deixou bem claro quem manda nessa história.
A assinatura do T-MEC em Buenos Aires não deixa de ser paradoxal. Um acordo pactuado bem ao norte da América é assinado bem ao sul. Enquanto isso, no Mercosul, o mercado integrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, há anos tem negociações fracassadas com a União Europeia para acertar um tratado comercial. Macri sonhava em assinar o acordo no G20, mas não conseguiu. O presidente da França, Emmanuel Macron, foi claro no quinta-feira. Após se reunir com seu homólogo argentino, disse que as relações com a Argentina são as melhores, mas que ainda persistem diferenças insuperáveis à realização de um tratado de livre comércio com o bloco sul-americano.
Questionado sobre as declarações de Macron, o presidente eleito Jair Bolsonaro disse que vai procurar "fazer o melhor". "Somos responsáveis com o meio ambiente, mas não podemos ter gente no [Ministério do] meio ambiente com pensamento xiita", disse Bolsonaro. Durante agenda em Guarantinguetá (SP), o presidente eleito mencionou apelo de Macri ao futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre o acordo com a União Europeia. O argentino teria recomendado “ter um pouco mais de paciência”. “A partir do momento que requerem diminuir a quantidade de exportáveis nossos, essas commodities, logicamente, não pode contar com nosso apoio. Mas não é um ‘não’ em definitivo, nós vamos é negociar”, disse Bolsonaro.
USMCA
Para Peña Nieto, o acordo com EUA e Canadá foi seu último ato como presidente: deixará o cargo neste sábado, 1º de dezembro, quando Andrés Manuel López Obrador tomará o comando da segunda maior potência latino-americana, atrás do Brasil. “Eu o cumprimento por acabar sua presidência com esse incrível feito”, disse Trump em seu habitual tom hiperbólico, e se despediu do mexicano. Antes da assinatura, o ainda chefe de Estado e de Governo mexicano condecorou — apesar da enorme polêmica — com a maior distinção nacional, a Ordem da Águia Asteca, Jared Kushner, genro de Trump e uma das figuras fundamentais nas negociações apesar de não ter cargo formal no organograma da Casa Branca.
A presença dos presidentes foi puramente protocolar. Após seus discursos, os três assinaram, sentados na mesma mesa, onde ordenaram seus ministros do Comércio — autênticos negociadores do texto. Estiveram com eles o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer; o secretário de Economia do México, Ildefonso Guajardo, e a ministra das Relações Exteriores do Canadá, Chrystia Freeland. Os três países, a partir de agora, farão suas trocas comerciais sob novas regras, após negociar mudanças no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLC), o marco que os unia desde 1994. As negociações, ásperas, foram para Trump uma vitória política. E deixou isso claro na sexta-feira em Buenos Aires.
“Esse é provavelmente o maior acordo comercial jamais alcançado, um modelo de acordo que modifica para sempre o panorama do comércio. Todos os nossos países se beneficiarão muito”, disse sobre o pacto. Depois prometeu “trabalhos bem pagos no setor das manufaturas”, e “um tratado fenomenal aos agricultores” dos EUA. Foi um discurso aos norte-americanos, aos quais prometeu insistentemente durante meses que conseguiria um tratado “mais justo” para os trabalhadores de seu país ou sairia do acordo comercial que permitiu a criação da maior área de livre comércio do mundo e que multiplicou as trocas entre os três países. Seus dois parceiros escutavam ao seu lado em uma cena que lembrava muito a de três meses atrás, com Trump ouvindo seu homólogo mexicano pelo telefone no Salão Oval: todos os holofotes, à época e agora, estavam no norte-americano. “Os acordos comerciais não podem permanecer estáticos, precisam avançar de acordo com as necessidades de nossa economia”, acrescentou por sua vez Peña Nieto nesta sexta-feira, em uma de suas últimas falas como presidente.
O novo pacto foi assinado sob a sombra das taxas alfandegárias. A intenção do México e do Canadá foi chegar a esse dia sem as tarifas de 25% às importações de aço e de 10% às de alumínio impostas pelos EUA. Mas por fim aceitaram que esses impostos continuarão vigentes, à espera de novas negociações. Para o México, entretanto — e cessões à margem —, a assinatura do acordo é uma boa notícia: Washington é, de longe, seu maior investidor e seu primeiro parceiro comercial — 80% de suas exportações acabam no vizinho do norte —, especialmente no setor automobilístico. Essa indústria concentra o grosso das concessões mexicanas para que o tratado fosse assinado: uma porcentagem dos carros fabricados na América do Norte precisará ter um conteúdo mínimo produzido em regiões de alto salário — EUA e Canadá, o México fica implicitamente incluído —; o capítulo trabalhista será reforçado, um dos pontos em que se apoiou a competitividade mexicana nas últimas décadas — o salário manufatureiro é até seis vezes menor no México do que nos seus parceiros regionais —; e em propriedade intelectual, com mudanças nas patentes farmacêuticas que afetarão as operações dessa indústria em solo mexicano.
Trump pôde hastear o T-MEC como arma contra os que o acusam de dinamitar as regras do livre comércio. De qualquer maneira, as formas do ato de sexta-feira em Buenos Aires deixaram claro que os Estados Unidos defenderão as trocas globais, mas sob suas regras. Assim são as negociações em tempos de Trump.
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