Cúpula do G20 expõe tensões entre as grandes potências
Reunião dos representantes das 20 maiores economias do mundo deve ser mais tensa que as anteriores. Trump cancelou reunião agendada com Vladimir Putin após tensão entre Rússia e Ucrânia escalar
O mundo está nas mãos de algumas poucas pessoas. São as que se reúnem a partir desta sexta-feira em Buenos Aires. O chamado Grupo dos 20, ou G-20, raramente gera soluções. Mas abre vias para o diálogo e, em sentido contrário, revela as fraturas mais ameaçadoras para a humanidade. A cúpula, presidida neste ano pela Argentina, desta vez se inclina pela segunda opção. A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e a incredulidade de Donald Trump quanto à mudança climática soam tão ameaçadoras que os objetivos se limitam a evitar escândalos e rupturas. Existe o risco de um fracasso. E um fracasso vai além de uma rixa entre dirigentes políticos: às vezes significa miséria e morte para milhões de pessoas.
Os anfitriões procuram cercar a reunião de um ambiente festivo, embora ocorra num país que não está muito nesse clima. Desde janeiro ronda o colapso macroeconômico e enfrenta níveis dramáticos de inflação e pobreza. O presidente Mauricio Macri esperava que a cúpula do G-20 lhe propiciasse uma aura de estadista internacional que o ajudasse a obter a reeleição em 2019; agora, conforma-se em obter um acordo mínimo e evitar fiascos como o que, num nível muito diferente, representou a cancelada final da Libertadores entre River Plate e Boca Juniores. Por enquanto, foram gastos mais de 100 milhões de dólares (385 milhões de reais) para organizar a festa e garantir (na medida do possível) a segurança.
Os sherpas, como são chamados os burocratas que negociam durante todo o ano para alcançar os pré-acordos discutidos no encontro, já vinham reduzindo suas expectativas. A reunião de 2017, em Hamburgo (Alemanha), terminou com um comunicado conjunto de 14 páginas, mas desta vez não se esperam mais de quatro. O texto poderia passar com frases vazias sobre problemas tão graves como o desacordo comercial entre os Estados Unidos e a China (que somam 40% da economia mundial) ou, ainda pior, as consequências da mudança climática. Em ambas as questões, o elemento perturbador é Donald Trump. Embora a União Europeia também pareça estar assumindo que o “capitalismo de Estado” chinês, com subvenções diretas ou encobertas a sua malha empresarial, viola as regras do jogo estabelecidas em tratados como o GATT (Acordo General de Tarifas e Comércio), e que Pequim atua com demasiada desenvoltura quando se trata do respeito à propriedade intelectual alheia.
O personagem indesejável da cúpula é o príncipe Mohamed bin Salman, homem forte do regime saudita, máximo responsável pela atroz guerra no Iêmen e claramente envolvido no sequestro, tortura e assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi na Turquia. Não será afetado pela ação judicial de que é alvo na Justiça argentina, mas ninguém sentirá especial satisfação em apertar-lhe a mão. Talvez mantenha uma reunião privada com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que poderia eventualmente ajudar a reduzir a tensão entre os dois países. O trago mais amargo ele provavelmente terá de engolir diante do presidente russo, Vladimir Putin. O Kremlin anunciou que Putin (inimigo da Arábia Saudita, porque na guerra da Síria se alinha com o regime de Bashar al Assad e com o Irã) quer “perguntar” a Bin Salman “por que assassina jornalistas em território estrangeiro”.
Outro convidado com espírito belicoso é Emmanuel Macron, presidente da França. Macron aspira desde o início de seu mandato a se tornar o líder planetário da luta contra a mudança climática. Já demonstrou isso na cúpula de Paris há dois anos. Para reforçar sua estatura, o que melhor que um vigoroso embate dialético com Donald Trump? O presidente dos Estados Unidos acaba de receber um relatório de sua própria administração sobre o aquecimento global, no qual se prevê uma redução de 10% na economia norte-americana. Seu comentário: “Não acredito”.
Para Trump, a questão do clima é secundária. Inclusive o processo de restrição dos arsenais nucleares, que o contrapõe a Putin, parece-lhe menor nesta cúpula. O crucial, para ele, é o comércio. Ou seja, a China. Sua atenção se concentra no jantar privado que terá na sexta-feira com o seu colega chinês, Xi Jinping. Ambos já se impuseram severas sanções comerciais recíprocas. Nesse jantar, resolverão se agravam o confronto, que está prejudicando a indústria chinesa e a agricultura norte-americana, além de frear o crescimento da economia mundial, ou se começam a rebaixar a tensão.
Trump já tem um golpe de efeito nas mãos: a assinatura, em Buenos Aires, da renovação do acordo de livre comércio da América do Norte (Nafta), que reúne os Estados Unidos, o México e o Canadá. A União Europeia e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) também sonhavam em assinar um acordo durante esta cúpula, mas isso não ocorrerá.
O presidente dos EUA não se encontrará, contudo, com Putin, como ocorreu na última cúpula do G-20. O cancelamento do encontro que estava agendado foi feito nesta quinta-feira, por conta do aumento da tensão entre Ucrânia e Rússia. No domingo, a guarda costeira russa disparou contra e capturou uma flotilha ucraniana no Mar de Azov. "Com base no fato de que os navios e marinheiros não foram devolvidos para a Ucrânia, decidi que seria melhor para todas as partes envolvidas cancelar minha reunião planejada na Argentina com Vladimir Putin. Estou ansioso para uma nova cúpula significativa assim que esta situação se tornar clara!", escreveu Trump em sua conta no Twitter enquanto voava para o G-20.
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