México negocia com Trump um ‘Plano Marshall’ para a migração da América Central
Governo de López Obrador promove plano que passa por absorver os migrantes no México e que os EUA incentivem investimentos privados no sul do país e aumentem as ajudas à América Central
Diante da avalanche migratória que percorre o país, o novo Governo do México admite que uma política de contenção não é viável por enquanto. Para tentar encontrar uma saída para o fenômeno das caravanas que se dirigem aos Estados Unidos, a Administração de Andrés Manuel López Obrador, que tomará posse no próximo sábado, 1, negocia com os Estados Unidos uma espécie de plano Marshall para a América Central. Fontes do Ministério das Relações Exteriores a par das conversações afirmam que se trata de alcançar uma mudança de paradigma e o objetivo é aprofundar o investimento no sul do país, com o apoio dos Estados Unidos, que também aumentariam as ajudas aos países do triângulo Norte da América Central e tornar os procedimentos migratórios mais flexíveis no México. A meta é que o acordo seja fechado no mais tardar em maio, para que possa dar resultados tangíveis em 2020.
Com um Trump cada vez mais beligerante em relação à migração que chega à fronteira norte do México, López Obrador propôs uma mudança política diante da explosão de um fenômeno que não tem freio e que, se teme, pode se tornar um novo problema de segurança interna. A futura Administração tenta chegar a um acordo com os Estados Unidos, por meio do qual o México receberia em seu território os migrantes que quiserem solicitar asilo enquanto durar o processo. As fontes consultadas por este jornal afirmam que ainda não existe um procedimento estabelecido e que se rata de um plano que não afeta apenas a fronteira norte do México. As mesmas fontes argumentam que, na prática, é algo que já está acontecendo. O governo de López Obrador estima que atualmente existam cerca de 9.000 migrantes bloqueados na fronteira, um número que reconhecem que aumentará ao longo dos meses.
Em troca, o México pretende obter um duplo compromisso do Governo de Donald Trump. Como este jornal foi informado por fontes do Ministério das Relações Exteriores e por um dos governos da América Central envolvidos, o plano inclui um acordo de desenvolvimento e investimento com os Estados Unidos no sul do México, a região mais esquecida do país. O objetivo, segundo essas fontes, é alcançar mais de 20 bilhões de dólares (cerca de 76 bilhões de reais) num período de seis anos, principalmente de investimentos privados, com o consentimento ou a promoção dos Estados Unidos. As fontes consultadas acreditam que Trump não vê o plano com maus olhos, embora estejam conscientes que também terão de lidar com a ala mais dura de sua Administração, partidária da construção do muro na fronteira, que considera que o problema da imigração não uma questão dos Estados Unidos. Neste domingo, Trump colocou mais lenha na fogueira, insistindo que o México deve ser “inteligente” e deter as caravanas de migrantes.
Além disso, o plano prevê que os Estados Unidos aumentem as ajudas aos países do triângulo norte da América Central. Até agora, 600 milhões foram destinados ao plano Aliança pela Prosperidade, que surgiu com a crise das crianças migrantes em 2014, mas na prática foram aportados apenas 200. Os outros 400 ainda não chegaram, principalmente por causa da forma complexa com que opera a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). De acordo com o plano que o México apresentou aos Estados Unidos e do qual estão cientes os Governos da América Central, a ajuda seria de 1,5 bilhão de dólares. As conversações, que acontecem desde setembro e são lideradas pelo futuro ministro das Relações Exteriores, Marcelo Ebrard, devem dar resultados entre dezembro e maio do próximo ano, admitem as fontes consultadas, para que os investimentos possam começar a acontecer entre 2019 e 2020. Do contrário, tudo fracassaria.
O Governo de López Obrador espera absorver uma grande parte dos quase 200.000 migrantes que atravessam o México a cada ano rumo aos Estados Unidos. O modelo teria duas vertentes. A interna tem a ver com as chamadas “cortinas de desenvolvimento” que o novo Governo pretende levantar de Chiapas, no sul do país e uma das áreas mais atrasadas, até a capital do país.
As “cortinas de desenvolvimento” serão foco de uma enorme concentração de investimento público em obras públicas. Até agora, López Obrador enfatizou três planos. Um em Chiapas, que tem a ver com o reflorestamento sul do país, com o qual o Governo pretende plantar um milhão de hectares de árvores frutíferas e cuja implantação geraria 400.000 empregos, segundo o novo presidente. O segundo foco de concentração é o sudeste do México, onde se pretende construir o chamado trem maia. Uma estrada de ferro de 1.500 quilômetros que atravessará os estados de Tabasco, Chiapas, Campeche, Yucatán e Quintana Roo. E o terceiro megaprojeto será outro trem, o transistmico, uma linha ferroviária que ligará o Pacífico (Oaxaca) ao Atlântico (Veracruz).
O plano também inclui uma vertente externa, a flexibilização dos procedimentos de imigração para facilitar a obtenção de vistos por parte dos centro-americanos. O plano de vistos para trabalhadores estrangeiros será inspirado no modelo aplicado aos haitianos no Brasil. De acordo com fontes do Comitê de Relações Exteriores do Senado, seriam “vistos humanitários” de um ano, mas renováveis. “Inicialmente, os migrantes seriam agrupados em abrigos, mas quando começarem a ter um salário fixo seriam progressivamente levados para moradias convencionais”, afirmam as fontes.
Os mais céticos em relação ao plano o veem apenas como uma versão melhorada do Plano Puebla Panamá, a zona de livre comércio do Panamá aos Estados Unidos que o ex-presidente Vicente Fox (2000-2006) tentou abrir, mas que foi abandonado por muitos problemas. Para conseguir que os Estados Unidos participem do projeto e aumentem os recursos para esta rubrica, o México tem uma carta na manga: conter a imigração ilegal ou permitir que o país se torne um corredor fácil para os migrantes e o problema se instale na fronteira.
No entorno de Obrador existe a crença de que o país tem capacidade para absorver o êxodo dos centro-americanos. Os dados demonstram que o México quase não tem refugiados em relação ao seu tamanho. No Líbano, o primeiro país do mundo em número de refugiados, há 170 por 1.000 habitantes; na Jordânia, 91, e na Turquia, 44 refugiados por 1.000 habitantes. No México, embora os pedidos tenham disparado no ano passado, os números ainda são insignificantes: há 0,0071 refugiados por 1000 habitantes e o país ocupa o 127º lugar no mundo, de acordo com o ACNUR, alto comissariado da ONU para refugiados.
No entanto, no último ano os pedidos de refúgio no México aumentaram 1.000% e mais de 90% desses pedidos vieram de pessoas no triângulo Norte da América Central –formado por Honduras, El Salvador e Guatemala–, que fogem de cidades como San Salvador ( El Salvador) ou San Pedro Sula (Honduras), que estão entre as mais violentas do mundo. O ACNUR compara a situação atual com o êxodo dos centro-americanos durante as guerras da década de 80.
Desde então, uma das obsessões dos EUA tem sido manter essa crise humanitária longe de suas fronteiras. Depois da crise das crianças migrantes na fronteira, Barack Obama assinou um acordo para lançar um muro virtual (Plano Fronteira Sul) no México, que inclui a implantação de uma rede policial e militar ao longo da fronteira com a Guatemala. A implementação do Plano Fronteira Sul, no âmbito do plano Mérida assinado em 2008, inclui a colaboração dos EUA tanto com dinheiro quanto com armamento e escâneres, o que multiplicou o número de prisões e deportações. No entanto, esse muro de contenção foi pelos ares desde outubro, com a chegada da caravana de migrantes que saiu de Honduras.
Durante o primeiro ano, a Iniciativa Mérida proporcionou ao México 400 milhões de dólares em equipamentos e treinamento. Nem a Iniciativa Mérida, nem o Plano Fronteira Sul estão em perigo, dizem fontes do Ministério das Relações Exteriores informadas sobre o plano com os Estados Unidos. “O problema não é controlar, mas abrir novas possibilidades”, dizem estas fontes.
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