Londres, Berlim e Paris censuram Riad pelo ‘caso Khashoggi’
Alemanha suspende a venda de armas a Arábia Saudita enquanto não se esclareça a morte do jornalista
O jogo entre as potências ocidentais e a Arábia Saudita é delicado: como aumentar a pressão depois de um crime que viola todas as normas sem pôr em risco os interesses geopolíticos? As explicações sobre o desaparecimento do jornalista Jamal Khashoggi são insuficientes para os sócios da Arábia Saudita. O presidente dos EUA, Donald Trump, até agora inclinado a acreditar na versão saudita, reconheceu no final de semana que houve enganos e mentiras. França, Alemanha e Reino Unido pressionaram neste domingo a Riad a esclarecer a morte de Khashoggi no Consulado saudita em Istambul, no dia 2 de outubro. E Alemanha tomou represálias com a suspensão da exportação de armas.
A sentença, com matizes, é parecida em Paris, Londres e Berlim, e inclusive, com as particularidades próprias de Trump, em Washington. Todos são céticos com a versão da Riad. O regime sustenta que o jornalista morreu no contexto de uma discussão no consulado.
A versão saudita deixa perguntas abertas, como o paradeiro dos restos mortais de Khashoggi, e contradiz os dados filtrados pela investigação turca, que aponta que o jornalista foi torturado e esquartejado. Em qualquer caso, procura exonerar o homem forte na Arábia Saudita, o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman (MBS), bem acolhido por líderes ocidentais durante sua viagem na última primavera nos Estados Unidos e na Europa.Como responder ao crime, além da palavra, ameaças e comunicados velados, é o que gera discordância entre os aliados ocidentais. No centro do debate está a exportação de armas para a Riad, que já estava em questão desde antes da morte de Khashoggi, por seu uso na guerra do Iêmen. Agora, a pressão para revisar essa aliança militar aumentará.
A resposta mais drástica foi dada neste domingo pela Alemanha. "Com relação às exportações de armas para a Arábia Saudita, elas não podem ocorrer nas atuais circunstâncias", disse Angela Merkel em entrevista coletiva, segundo a Reuters.
A Riad é o segundo maior cliente da indústria de defesa alemã, depois da Argélia. Até 30 de setembro de 2018, o governo havia emitido licenças de exportação no valor de 416,4 milhões de euros.
O debate na Alemanha sobre a revisão das relações com a Riad é intenso. "Eu não sei se temos que congelar todas as relações, mas, em qualquer caso, acho que devemos permanecer extremamente críticos das exportações de armas para a Arábia Saudita", acrescentou o ex-ministro das Relações Exteriores, o social-democrata Sigmar Gabriel, à emissora alemã Deutschlandfunk.
Um proeminente militante da CDU, o partido de Merkel, propôs, além de suspender a exportação de armas, estudar a expulsão de diplomatas sauditas. "No caso de que a Arábia Saudita não tome as medidas necessárias, o Governo alemão deveria organizar-se com os seus parceiros na União Europeia e na OTAN para chegar a acordos na arena diplomática, como a expulsão dos funcionários da embaixada saudita", observou Norbert Röttgen em entrevista ao Welt am Sonntag.
Ao anunciar a suspensão das vendas de armas, Merkel retomou alguns dos argumentos do comunicado dos ministros das Relações Exteriores francês, alemão e britânico, publicados no mesmo dia, mas foi além.
"Tomamos nota da declaração da Arábia Saudita apresentando as conclusões preliminares [da investigação sobre a morte de Khashoggi]. No entanto, é urgente esclarecer exatamente o que aconteceu no dia 2 de outubro", diz o comunicado à imprensa de Paris, Berlim e Londres. Os ministros exigem das autoridades sauditas "esforços suplementares", que são "necessários e esperados para estabelecer a verdade de maneira abrangente, transparente e confiável". "Pedimos que a investigação continue em profundidade até que as responsabilidades sejam claramente estabelecidas e os responsáveis respondam", acrescentam.
O comunicado conclui recordando que "a qualidade e relevância" das relações bilaterais depende do respeito de "normas e valores" que, "sob a lei internacional", comprometem tanto os sauditas quanto os europeus.
Dúvidas de Washington
No caso dos Estados Unidos, Trump não chegou a decidir qual versão considera verídica no momento em que enfrenta uma das maiores crises internacionais em seus quase dois anos como presidente. Não ajuda o fato de que quem está sob suspeita seja um aliado estratégico de Washington e amigo pessoal do clã Trump. O genro do presidente, Jared Kushner, mantém amizade com MBS.
Com seu caráter impulsivo e volúvel, Trump foi mudando sua versão sobre o que teria acontecido com Khashoggi, o jornalista saudita que vive nos EUA, por criticar o regime do seu país. Até agora, a declaração mais difícil foi feita no sábado à noite para o jornal The Washington Post, onde Khashoggi era colunista. "Obviamente, houve enganos e mentiras", disse ele. E ainda, na mesma conversa, o presidente continuou defendendo o país ao que fez sua primeira viagem oficial como um "aliado credível" e deixou aberta a possibilidade de que a morte de Khashoggi não teria acontecido a partir de uma ordem direta de MBS.
A administração republicana valoriza a importância de um aliado como a Riad para conter o Irã. Se o relacionamento da Casa Branca com o regime saudita enfraquecer, a influência de Washington no Oriente Médio será ainda mais diluída. E nesse tabuleiro geopolítico entra a Rússia, cuja influência cresce na região. Trump enfatizou que, seja qual for a punição para a Arábia Saudita, não deve afetar contratos de milhões de dólares para a venda de armas. O caminho alemão não é o norte-americano.
Erdogan promete que contará “toda a verdade” nesta terça-feira
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou no domingo que revelará na terça-feira "toda a verdade" sobre o assassinato de Jamal Khashoggi.
“Farei declarações sobre o assunto na terça. Queremos que se faça justiça. Esse [caso] será revelado com todos os seus detalhes”, disse Erdogan em um discurso em Istambul transmitido ao vivo pela televisão.
O presidente fez várias perguntas referentes à versão dos fatos dada no sábado por Riad, que concluiu que o jornalista morreu em uma briga no consulado: “Por que vieram [a Istambul] as 15 pessoas [sauditas no dia da morte de Khashoggi]? Por que 18 foram presas [na Arábia Saudita]? De quem o mundo está falando agora?”. “Na terça-feira falarei disso de uma forma muito diferente”, afirmou.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.