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Futebol inglês
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Viv Anderson, o primeiro negro na seleção inglesa

Presença frequente nas campanhas da FIFA contra o racismo, defensor jogou pela Inglaterra em 1978

Viv Anderson em ação pela Inglaterra.
Viv Anderson em ação pela Inglaterra.Getty Images

No final dos anos sessenta começaram a ser frequentes os jogadores negros no futebol inglês. Não que não tivessem sido antes. Ainda na época vitoriana, o Preston North End teve Arthur Warthon, ganês, filho de uma família endinheirada que o enviou a Londres para estudar. Goleiro de prestigiosas faculdades, foi admirado como um raro fenômeno. Depois houve um ou outro caso isolado, mas, foi quando o fato começou a ser recorrente, os setores racistas começaram a se inquietar. Até onde isso vai chegar?

Aqueles rapazes sofreram. Falo de Stan Horne, John Charles, Mike Trevilcok, Brendon Batson, Laurie Cunningham, Cyrille Regis, Viv Anderson, Luther Blisset, Howard Gayle… Muitos eram discriminados por sua própria torcida, todos pelas rivais. O público vaiava quando corriam. Com frequência alguém atirava uma banana ou alguma outra fruta, para regozijo da maioria. Cyrille Regis chegou a recolher de sua caixa de correio um envelope com balas de revólver.

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Os próprios treinadores falavam, em privado, e às vezes nem tanto, com verdadeiro desprezo. E a imprensa dizia que só podiam servir para o ataque, onde sua velocidade e potência eram úteis, mas não como defensores e nem meias armadores, porque faltava inteligência para interpretar as dinâmicas do jogo.

Aquilo só começou a mudar quando Ron Greenwood, um velho meio-campo, operador de rádio na Segunda Guerra Mundial, chegou ao cargo de treinador da Inglaterra. Primeiro estreou Cunningham na sub-21, mas aquilo não evoluiu. A bomba foi o aparecimento de Viv Anderson na seleção principal. Ele era o lateral-direito do grande Nottingham Forest de Brian Clough, que ganhou duas vezes a Liga dos Campeões. Jogador alto, rápido, elástico, inteligente. Tinha então 22 anos.

Foi em 22 de novembro de 1978, contra a Tchecoslováquia, em Wembley. A Inglaterra ganhou por 1 a 0, e a jogada começou com ele, em uma arrancada pela lateral. Ao final da partida, encontrou no vestiário telegramas de felicitações da Rainha e de Elton John.

Mas a véspera foi agitada. Ron Greenwood acabou respondendo assim as perguntas: “Seja amarelo, roxo ou negro, se vale para a seleção eu convoco”. Por sua vez, Viv Anderson, bem educado, passava mensagens de normalidade: “Meus pais nasceram na Jamaica, eu em Nottingham. Sou inglês, não conheço outra coisa, este é meu lugar e nunca me senti estranho”.

Estava sendo econômico com a verdade. Mais adiante publicou um livro, First Among Unequals (O primeiro entre desiguais). Contou sua experiência na estreia com 18 anos em Newcastle. Quando saiu com os colegas para pisar no campo uma hora antes do jogo, os fãs o insultaram e fizeram barulhos. Destroçado, pediu ao treinador, Dave Mackay, para não jogar. “Ele me obrigou. Me fez um favor. Mas foi difícil jogar com 50.000 pessoas gritando a cada vez que pegava na bola".

Pouco depois chegou o grande Brian Clough. Anderson era reserva. No campo do Carlisle United, ele ordenou o aquecimento. Começou a correr pelo canto e a torcida lhe atirava bananas. Depois, peras e maçãs. Voltou ao refúgio do banco. Clough disse:

— Não te disse para aquecer?

— Sim, mas é que me atiram bananas, maçãs, peras…

— Pois mova sua bunda, volte lá e me traga duas peras e uma banana!

Aqueceu, entrou, deixou a gritaria de lado. O rival marcado por ele sussurrava no seu ouvido: “Negro de merda”. Ao final, Clough disse a Anderson:

— Se deixar que gente assim determine os rumos de sua vida, eu escolherei outro.

Em 2000, Viv Anderson foi nomeado Membro Real da Ordem do Império Britânico, em 2004 entrou no Hall da Fama, foi embaixador da candidatura da Inglaterra para a Copa do Mundo 2018 e é figura permanente nas campanhas da FIFA contra o racismo. A cada manhã lembra que ao acabar aquela partida em Wembley, Bob Latchford, do Everton, lhe disse que esse dia marcaria o resto de sua vida.

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