_
_
_
_
_

Os pênaltis são uma ciência

O professor espanhol Natxo Palacios-Huerta, que trabalhou para o Chelsea e para a Holanda, tirou conclusões matemáticas do estudo de 11.000 cobranças

Juan Morenilla
Krul pega um pênalti da Costa Rica.
Krul pega um pênalti da Costa Rica.Hassan Ammar (AP)

Maurício Pellegrino, aquele zagueiro argentino a quem chamavam de El Flaco, tinha tudo preparado para a final da Liga dos Campeões de 2001, com o Valencia, contra o Bayern de Munique. Tudo menos uma coisa: os pênaltis. Ele nunca imaginou que teria de decidir o título desde a marca dos 11 metros contra Oliver Kahn. Mas ele teve de bater... e errou. Como também falharam outros dois canhotos valencianos, Zahovic e Carboni, e a final acabou em lágrimas inconsoláveis do goleiro Santiago Cañizares.

Os pênaltis decidem tanto os títulos quanto a passagem para rodadas seguintes de uma Copa do Mundo, como já aconteceu três vezes no Brasil (os brasileiros venceram o Chile, e a Costa Rica derrotou a Grécia, nas oitavas de final; e a Holanda venceu os costarriquenhos nas quartas), de forma que hoje é uma das situações mais possíveis de se calcular no futebol, ainda mais em uma época na qual tudo se tabula e se destrincha em porcentagens, seja qual for o esporte. Pellegrino poderia ler hoje em dia o trabalho de Natxo Palacios-Huerta, professor de Economia na prestigiosa London School of Economics, número 1 em sua turma e autor do livro Beautiful Game Theory: how soccer can help economics (A teoria do Jogo Bonito: como o futebol pode ajudar a economia). O economista, nascido em Barakaldo e torcedor do Athletic Bilbao, baseia seu trabalho nas leis de John Nash, o matemático estadunidense vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1994 e cuja vida inspirou o filme Uma Mente Brilhante. Nash estudou como se comportam as pessoas em situações estratégicas, e Palacios-Huerta aplicou os ensinamentos no momento mais dramático do futebol: os pênaltis.

Na base de dados do economista há mais de 11.000 cobranças, mais de 1.000 disputas por pênaltis. E de sua análise ele tirou conclusões que respondeu ao “equilíbrio de Nash”: em 60% das disputas, ganha a equipe que bate primeiro; em 60% das ocasiões, um chutador destro baterá na zona da mão direita do goleiro (e o canhoto, na esquerda); na maioria das vezes eles tendem a bater em seu lado natural.

“Como não se preparar para os pênaltis, se 80% deles acabam em gol?”, pergunta Palacios-Huerta. “Vejo o futebol cada vez mas científico e menos como torcedor. O que antes eu pensava que era azar, nem sempre é. As leis matemáticas funcionam. O esporte oferece dados muito claros para se avaliar as teorias de Nash. Há jogos em que só vejo os pênaltis. Eu vejo futebol assim, em 60-40”.

O economista assegura que o 60% das disputas são vencidas pelo time que chuta primeiro

Por exemplo, na disputa de pênaltis entre Holanda e Costa Rica. Quando o costarriquenho Bryan Ruiz ganhou o sorteio, ele escolheu que sua seleção bateria primeiro. “Aí eles tinham 60% de chances de ganhar, mas nem sempre isso significa vitória. Há jogadores e goleiros mais previsíveis que outros. Ainda que eles não saibam, estão obedecendo às leis de Nash. Os jogadores são mais previsíveis no início de suas carreiras. Depois, vão se tornando imprevisíveis e podem acabar batendo um pênalti com ‘cavadinha’. É sensacional”.

Em maio de 2008, Avram Grant, treinador do Chelsea, tinha um dossiê do professor espanhol sobre como os jogadores do Manchester United batiam pênaltis. E a final da Champions League acabou numa disputa de penais. Cristiano Ronaldo errou e, se John Terry tivesse marcado, o Chelsea teria vencido, “e Nash também”... mas o zagueiro errou, depois Anelka também falhou, e Grant foi despedido dias depois. Na Copa de 2010, a Holanda contratou o professor, que tinha prontas as informações de como chutavam os espanhóis. O economista havia destrinchado cada pênalti batido contra Iker Casillas na carreira do goleiro, cada cobrança de Villa, sabia que Torres bateria à sua direita... a Holanda aguardava esse desfecho, mas Iniesta tinha outros planos.

O batedor destro costuma chutar no lado direito do goleiro

Nesta Copa, ele não trabalha para nenhuma seleção. Agora pode ver o futebol com olhos de analista, e colocar em prática suas teorias. “Os jogadores que batem pênaltis tendem a não repetir suas cobranças se têm de bater novamente na mesma partida, ou em pouco espaço de tempo. A Costa Rica venceu a Grécia no pênaltis. Nenhum jogador repetiu o mesmo lado contra a Holanda”, argumenta.

A matemática entra em campo, como o talento, ou a pressão de bater os pênaltis jogando em casa. Foi numa disputa de pênaltis que a Roma perdeu a final da Copa da Europa de 1984, em casa, contra o Liverpool, e também em casa a Holanda foi eliminada pela Itália, nas semifinais da Eurocopa de 2000. E se o Brasil precisar jogar pelo título da Copa do Mundo, no Maracanã, em uma disputa de pênaltis? “Seria muito bom”, diz o professor espanhol. “Eu assistiria com toda a tranquilidade”.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_