_
_
_
_
Economia
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

O Brasil e seu crescimento anêmico

Os bons resultados da luta contra a desigualdade estancaram. O país não se recupera da maior crise econômica de sua história

O ex-presidente Lula junto ao ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad durante uma manifestação em janeiro passado.
O ex-presidente Lula junto ao ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad durante uma manifestação em janeiro passado.AFP/ Getty Images

Longe se vão os dias em que o Brasil era admirado por todos. O país de Fernando Henrique Cardoso e, sobretudo, de Lula, o presidente operário que declarava que seu principal objetivo era que todos os brasileiros “pudessem tomar café, almoçar e jantar”. O mesmo presidente que instituiu o programa Bolsa Família —a mais eficiente inovação mundial em meio século de políticas sociais—, que venceu a inflação e apaziguou com políticas financeiras sustentáveis os mercados. O país que recebia mais de 4% do PIB em investimentos estrangeiros diretos. O país que em apenas uma década tirou da pobreza 35 milhões de cidadãos e os elevou a uma inédita nova classe média. O país em que Gilberto Gil era ministro da Cultura e Fernando Meirelles dirigia o filme Cidade de Deus.

O Brasil deixou de ser aquele país exemplar. A violência transbordou: 31 homicídios para cada 100.000 habitantes, a maior parte homens jovens negros e pobres, índice superior ao de países como o México da guerra do narcotráfico (25 por 100.000) ou dos Estados Unidos (5 por 100.000). A Operação Lava Jato é um símbolo mundial da corrupção não do Brasil, mas da região. Foi testada a solidez do equilíbrio de poderes da democracia brasileira e, provavelmente, a classe média do país confirmou sua atávica convicção de que o Estado e as elites não só não se preocupam com eles, como conspiram para roubá-los.

Mais informações
Mudança no imposto de renda que planeja economista de Bolsonaro pode agravar a desigualdade e a crise
Mais Lula, menos Dilma: a promessa econômica de Haddad para atrair o centro
Os 10% mais ricos contribuem para mais da metade da desigualdade no Brasil

As consequências no Brasil não são diferentes do que vimos em outros países: surgimento de líderes populistas, fragmentação da estrutura de partidos tradicionais, erosão das instituições democráticas e polarização social. Talvez isso explique por que candidatos de partidos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita não decolaram nas pesquisas das eleições de 7 de outubro e, sobretudo, porque quem as lideram —o militar na reserva e deputado Jair Bolsonaro e o herdeiro político de Lula, Fernando Haddad— têm em torno de 25% de apoio e cerca de 60% de rejeição (segundo a última pesquisa da XP Investimentos). No Brasil, também as eleições deixaram de ser disputadas no centro político para se deslocarem para os extremos.

Nada disso é tranquilizador, porque esse panorama complica ainda mais o fato de que o Brasil não conseguiu se recuperar da pior crise econômica de sua história. Desde 2008 sua renda per capita pouco cresceu (3,7%) e nos últimos cinco anos caiu 7% e 16%, em dólares. Os indicadores de desigualdade e pobreza não melhoram mais porque o desemprego dos mais pobres aumenta e seus salários reais caem. O déficit público, por sua vez, se cristalizou em torno de 8% do PIB e a dívida pública bruta se aproxima de 90%, nível não só temerário em termos macro como um mecanismo de geração de desigualdade: o pagamento de juros da dívida é, depois do gasto em aposentadorias, a segunda despesa mais importante do orçamento. Absorve 16% do gasto total frente a 12% que se gasta em educação e saúde. Sair desse ciclo destrutivo de crescimento anêmico e insustentável gigantismo estatal requer reformas profundas que só serão irreversíveis se houver consenso político e social. Exatamente o que parece que não se vai conseguir.

Nunca, os que sempre quisemos assim, desejamos mais que as pesquisas perdessem de goleada. Se não for assim, porém, como consolo podemos recordar o aforismo do ex-presidente da Secretaria Geral Ibero-americana Enrique Iglesias: o Brasil é o único país do mundo em que a distância mais curta até um ponto (ou até um acordo) não é uma linha reta.

José Juan Ruiz é economista-chefe e diretor do departamento de pesquisas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_