Vítimas de abusos sexuais cometidos por mestres budistas tibetanos formam seu #MeTooGuru
Um grupo de afetados entregará uma carta ao Dalai Lama pedindo que ele evite novos casos
O movimento #MeToo ganha um novo coletivo: as vítimas de abusos sexuais supostamente perpetrados por mestres budistas tibetanos, monges e leigos. Reúnem-se em torno da hashtag #MeTooGuru, e nesta sexta-feira serão recebidos pelo Dalai Lama. Entregarão uma carta em que 12 afetados, homens e mulheres de 10 países, denunciam cinco mestres. O líder espiritual do Tibete e ganhador do Nobel da Paz de 1989 inaugura neste sábado em Amsterdã (Holanda) uma exposição sobre a vida de Buda, e os signatários da carta são a tropa avançada de um grupo ansioso por corrigir o que consideram uma “imagem estereotipada do budismo, na qual não há lugar para essas agressões”.
A frase é do pesquisador holandês Rob Hogendoorn, especialista nessa doutrina, que descreve os problemas do Dalai Lama, de 83 anos, para pôr fim aos abusos. “As cifras de vítimas são superiores ao número de signatários da mensagem. Os mestres budistas tibetanos podem ser monges celibatários, ou leigos com esposa e filhos. Mas o budismo é diverso, e há grande confusão entre o que é um ensinamento e se aproveitar do aluno. Há escolas que dizem que o sexo com o aluno é uma tradição tântrica. Ou seja, que utiliza a intimidade com fins espirituais, sendo que há seguidores que sofreram abusos sexuais e maus tratos. E há casos assim na Bélgica, França, Alemanha e Espanha, entre outros. É verdade que o Dalai Lama já encorajou a não aceitar cegamente o mestre se não confiar nele. Entretanto, ajudaria que [o líder espiritual] deixasse claro que [esses mestres] devem ser julgados como qualquer um se cometerem abusos”, diz. Ele acrescenta que o budismo carece de hierarquia eclesiástica, “e, no tibetano, os lamas estão divididos em múltiplas escolas e ordens monásticas”. “Supõe-se que [o Dalai Lama] os une, e se pressionar um grupo pode perder seu apoio e provocar uma reação em cadeia. Mas deve se distanciar destes abusos, que em alguns casos conhece pelo menos desde os anos noventa, porque recebeu relatórios, e exercer sua autoridade moral. Se não, a causa do Tibete no Ocidente pode se ressentir.”
Em 2010, Oane Bijksma procurava respostas na meditação. “Tenho certeza de que há mestres budistas tibetanos que exercem bem o seu trabalho. Muita gente chega como eu, indagando por algo a mais na vida, e no princípio tudo flui, embora se exija uma devoção antinatural pelo mestre, como se fosse um Deus vivo”, diz. Conheceu um dos mestres budistas tibetanos mais famosos, Sogyal Lakar Rimpoche, título este último reservado aos lamas reencarnados. “Um homem rodeado de jovenzinhas e auxiliares, que vivia entre grandes luxos e gastava milhares de euros em hotéis, comida e charutos cubanos. E que batia, gritava e maltratava. Sei porque tive um namorado que estava com ele. Sogyal justificava o abuso como uma forma de desmontar o ego, para transformar os sentimentos de repulsa que isso implica em uma conquista espiritual”, recorda.
Ela esteve no sul da França, em Lerab Ling, um centro de retiro próximo a Montpellier, onde se tornou a assistente de uma das mulheres mais próximas de Sogyal. Lá conheceu seu namorado. “Ele tinha sido aluno dele e vinha de Londres. Estava próximo do líder, e eu não sofri abusos, mas vi como tratava as pessoas e sua hipocrisia. Esbanjava, e seus ajudantes pediam donativos aos seguidores. Meu namorado me confessou que tinha batido nele durante 15 anos, mas continua lá dentro. Quando saí, em 2012, avisei a direção da Rigpa na Holanda, a rede internacional de centros budistas tibetanos criada pelo próprio Sogyal. Não acreditaram em mim. Diziam que o mestre teria suas razões. Rompi com meu namorado, que atualmente dirige a organização no Reino Unido.”
A Rigpa oferece cursos de meditação e compaixão, assim como “um estudo completo, e sua prática, de cada estágio dos ensinamentos de Buda”, segundo seu site. Lá também aparecem os resultados da investigação independente sobre as acusações de maus tratos contra seu mestre. “Alguns alunos de seu círculo íntimo sofreram abusos sexuais, físicos e emocionais graves; e vários membros da Rigpa com postos relevantes sabiam e calaram, expondo terceiros a esses riscos”, afirma o texto. Sogyal, autor de O Livro Tibetano do Viver e do Morrer, que vendeu cerca de dois milhões de exemplares, foi afastado. O Dalai Lama, presente há uma década na inauguração de Lerab Ling, disse que “fez algo vergonhoso”.
A possibilidade de que haja abusos se agrava diante da falta de controles ou certificados de qualidade de quem ensina. “Qualquer tibetano pode dizer que é um lama budista, e as pessoas acreditam. Sendo que são necessários 20 ou 30 anos de estudos para chegar lá. Só na Holanda há 57.500 cidadãos budistas, segundo as estatísticas oficiais. E na União Budista holandesa, que tem 40 agrupamentos, 20 têm um líder acusado de abusos sexuais”, diz Rob Hogendoorn, que está concluindo um livro sobre Sogyal. “As pessoas precisam saber o que acontece. O que eu procurava —me conhecer e saber o que quero— não se encontra ali”, conclui Bijksma.
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