Rumores de sabotagem a Trump levam tempestade política à Casa Branca
Coluna anônima de um alto funcionário do Governo dos EUA publicada pelo ‘The New York Times’ desencadeia um vendaval de “não fui eu”, do vice-presidente ao chefe da diplomacia
O jornal The New York Times publicou na quarta-feira, 5, um artigo de opinião anônimo, algo excepcional na imprensa, atribuído a um alto funcionário da Administração Donald Trump que relata uma situação igualmente excepcional: como um grupo de membros do Executivo organizou uma espécie de “resistência” secreta que boicota as políticas e as decisões mais perigosas do presidente. O texto desatou a ira do republicano e causou uma situação sem precedentes, uma cascata de pesos-pesados do Governo entoando o “não fui eu”. O episódio sintetiza à perfeição o grau de excentricidade política que vive a primeira potência mundial.
O texto publicado é devastador. Com o título de Eu sou parte da resistência interna da Administração Trump, o misterioso autor diz que alguns membros do Executivo se sentem tão alarmados pelos “impulsos” que chegaram a levantar, inclusive, a possibilidade de pedir a incapacitação do presidente por razões mentais, mas recusaram essa via para evitar uma crise constitucional. “Eu trabalho para o presidente, mas como outros colegas prometi boicotar partes da sua agenda e suas piores inclinações”, diz o alto funcionário que pediu anonimato e, como se tratasse de uma trama do Vaticano, descreve uma espécie de Estado paralelo que evita que os desatinos que o presidente norte-americano publica no Twitter, por exemplo, ou diante de uma câmera de televisão, se traduzam em danos irreparáveis.
“A raiz do problema é a amoralidade do presidente”, diz o texto. “Qualquer um que tenha trabalhado com ele”, continua, “sabe que não está ancorado em nenhum princípio discernível que guie sua tomada de decisões”. Define o estilo de Trump como “superficial, ineficaz, conflituoso e impulsivo”. Em reuniões sobre alguma questão, diz, ele muitas vezes se desvia do assunto e se enreda em discussões repetitivas e seus impulsos às vezes o levam a tomar decisões temerárias que depois têm de ser corrigidas ou emendadas. “Os americanos têm de saber que há adultos na sala”, tenta tranquilizar. Estava chovendo no molhado: a publicação aconteceu no dia seguinte à divulgação de trechos do novo livro do jornalista Bob Woodward, que estará à venda na próxima semana, em que também se fala de membros da Administração aterrorizados pela deriva da Casa Branca.
Quando o artigo foi publicado, no meio da tarde de quarta-feira (horário de Washington), Trump ficou furioso. Em uma cerimônia com xerifes, ele se dirigiu à imprensa especialmente irritado. “O fracassado The New York Times publicou um artigo de opinião anônimo, dá para acreditar? Anônimo, isto é, covarde, uma tribuna covarde”, disse. E, em sua conta no Twitter, escreveu em letras maiúsculas “TRAIÇÃO?”. Em seguida disse que, se esse alto funcionário realmente existisse, o Times tinha a obrigação de “entregá-lo ao Governo por razões de segurança nacional”.
Os rumores sobre a autoria começaram a correr como um rastilho de pólvora nas redes sociais – basicamente no Twitter –, e alguns analistas e repórteres começaram a procurar indícios que ajudassem a identificar o autor, comparando o estilo do texto com alguns discursos públicos de membros da Casa Branca. Referindo-se de forma elogiosa ao senador John McCain, recentemente falecido, o artigo usa a palavra “lodestar” (farol, estrela guia), palavra antiga e pouco frequente que o vice-presidente Mike Pence usou ocasionalmente. Essa coincidência despertou rumores sobre a autoria, que o próprio Pence teve de negar na quinta-feira. O seriado de televisão continuou na manhã de quinta-feira, quando até 17 membros da Administração se lançaram na corrida “não fui eu”.
A lista de altos funcionários também inclui o secretário de Estado, Mike Pompeo; o diretor da Inteligência Nacional, Dan Coats; o procurador-geral Jeff Sessions, e o secretário de Defesa Jim Mattis, entre outros. A longa lista de suspeitos, que foram questionados sobre o assunto, reflete a imagem de isolamento que o presidente dos Estados Unidos desprende. Até a ex-assessora Omarosa Manigault se juntou à festa reproduzindo no Twitter uma passagem de seu livro, na qual também fala de um “exército silencioso” dentro da Casa Branca, dá alguma pista sobre o responsável, incluindo membros de sua própria família.
Até mesmo a primeira-dama, Melania Trump, se empenhou e divulgou uma declaração em que se dirigia assim ao suposto autor: “Você não está protegendo o país, o está sabotando com suas ações covardes”. Também para ela correm tempos bizarros.
Estado duplo
O artigo do The New York Times fala de um Governo que age em duas faixas e dá como exemplo a política externa: "O presidente Trump mostra uma preferência por autocratas e ditadores, como Vladimir Putin, da Rússia, ou Kim Jong-un, da Coréia do Norte", mas a Administração ao mesmo tempo "acusa países como a Rússia de interferência e o sanciona de forma consequente".
Quem escreveu o artigo e por que exatamente agora? A primeira coisa é do conhecimento da equipe da seção de Opinião do Times; para a segunda há algumas hipóteses possíveis: quiseram enviar uma mensagem a Trump em relação a alguma questão específica ou existe ansiedade entre os republicanos tradicionais por causa das eleições legislativas de novembro.
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