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Pai, filha e um recorde brasileiro: o mais velho e a mais nova a escalarem o Everest

Renato Zangaro, 60, e Ayesha Zangaro, 23, quebraram o recorde ao chegarem ao cume da montanha mais alta do mundo no último mês de maio

Ayesha foi a brasileira mais nova a chegar ao cume do Everest.
Ayesha foi a brasileira mais nova a chegar ao cume do Everest.Arquivo pessoal / Ayesha Zangaro
Diogo Magri
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Renato Zangaro, 60 anos, e Ayesha Zangaro, 23 anos, chegaram ao cume do Everest, a montanha mais alta do mundo, no último mês de maio. Até aí, nenhuma grande novidade —escalar o monte localizado no Nepal é uma missão árdua e exigente, mas já foi realizada por 715 pessoas só em 2018. Desde 1995, quando Waldemar Niclevicz foi o primeiro brasileiro a alcançar o cume, 23 pessoas do país fizeram o mesmo. O diferencial da família Zangaro está nos recordes quebrados pelos dois: enquanto o pai se tornou o brasileiro mais velho, a filha foi a brasileira mais nova a pôr os pés no topo do mundo.

A aventura de ambos no alpinismo começou em 2010 quando, junto com a esposa Lysse, Renato levou Ayesha, então com 15 anos, ao Everest para fazer um trekking —uma trilha feita na montanha do Nepal até o campo-base, como é conhecido o acampamento montado pelos alpinistas que serve como base para aqueles que tentam chegar ao cume da montanha. Mesmo a mais de 5.340 metros de altura, a dificuldade do trekking não se compara à de escalar os maiores picos do mundo. “Gostei muito mais do trekking que eles. Foi mágico”, conta Ayesha. “Lá, fiquei sabendo do projeto dos sete cumes, que é o desafio de escalar a montanha mais alta de cada continente. Quando voltei, sabia que queria fazer”. Renato admite que achava a ideia da filha ousada demais. “Na hora, falei: ‘você está louca’. Achava inatingível”.

Mas, a partir da reflexão e da indicação de montanhistas mais experientes, pai e filha começaram o projeto no ano seguinte, no Kilimanjaro (5.895 m), na Tanzânia, chegando ao cume considerado mais acessível entre os sete. Em 2012, foi a vez do Aconcágua (6.962 m), localizado na Argentina. No mesmo ano, tentaram o Elbrus (5.642 m), monte na Rússia, mas o mau tempo os impediu e adiou a façanha para 2013. A quarta montanha foi a Carstensz, uma pirâmide de pedra de 4.884 metros localizada na placa tectônica da Oceania. “Essa foi uma zona porque a aproximação da montanha é feita através de um pântano, no meio de uma floresta tropical, com várias tribos hostis em volta”, diz Ayesha. O último antes do Everest foi o monte Denali (6.190 m), no Alasca, famoso por ser a montanha mais fria do mundo. O planejamento indicava a escalada do Everest em 2016, mas a logística financeira só permitiu o preparo adequado de pai e filha em 2018.

“Decidimos em novembro de 2017 que iríamos. Tive que adaptar minha rotina viajando com mochila pesada, fazendo tudo a pé, caminhadas de longa duração. Já tinha o treinamento físico por causa da minha profissão [dançarina]”, conta Ayesha. Por conta da idade, os preparos foram diferentes para a filha e para o pai. Renato fez ginástica funcional, consultas em nutricionistas e tratamento para lesões que acumulou ao longo das cinco grandes escaladas anteriores. “A maior dificuldade em função da idade é a recuperação mais lenta. Me obrigava a andar mais devagar porque precisava de mais tempo de descanso, planejando o gasto de energia”, relata ele. Além do físico, Ayesha chama a atenção para o preparo mental; segundo ela, escalar o Everest depende "30% do físico e 70% do emocional".

Ayesha e Renato no topo da montanha.
Ayesha e Renato no topo da montanha.Arquivo pessoal / Ayesha Zangaro

Antes da escalada, um helicóptero busca os alpinistas em Katimandu, capital do Nepal, e os leva até o pé da Cordilheira do Himalaia, a 2.800 metros de altitude. Lá, é feito um trekking de 10 dias até o campo-base. Esse acampamento improvisado funciona apenas entre abril e junho, porque derrete no período de monções que ocupa o resto do ano. Nessa vila a cinco mil metros, existem barracas de equipamento e comida, refeitório, barraca de tomar banho e banheiro, além de uma barraca de comunicação “onde dá até para usar o WhatsApp”. No campo-base, também é feito contato com os xerpas, guias locais que são individuais para cada alpinista e trabalham no turismo da montanha. Além dos nepaleses, Ayesha e Renato também contaram com o auxílio de Carlos Santalena, que já havia chegado ao cume duas vezes. A partir do acampamento, a escalada é dividida em quatro ciclos; progressivamente, o alpinista chega cada vez mais longe conforme o ciclo, mas sempre volta para o campo-base ao fim de cada um deles. No primeiro, vai até um ponto da montanha e volta à base. No segundo, chega até um ponto mais alto do que o primeiro, e retorna ao acampamento —e assim sucessivamente. O inicial dura um dia, o segundo dura três dias, o terceiro cinco dias e o último, que vai do acampamento até o cume, sete dias. “Dos dois meses de experiência, você passa 16 dias acima do acampamento”, pontua Ayesha.

Nesses 16 dias, surgem dificuldades de todos os tipos. As necessidades são feitas “onde der”, a comida é baseada em barrinhas de proteína e as discussões com os xerpas, que escalam mais rápido por conta da experiência, acontecem constantemente. “Foi um caos. Eu queria parar para descansar, já exausta, e ele [meu guia xerpa] ficava bravo”, conta Ayesha. Renato diz que estava caminhando bem no dia de ida ao cume, quando eles saíram às 19h30 (horário local) e passaram a noite na montanha, até chegar no pico doze horas depois. Já Ayesha subiu com um furo em sua máscara de oxigênio, que a fez perder 30% do gás extra que tinha. “Chorava muito, foi uma guerra interna. Repetia que era o pior dia da minha vida, um pesadelo”. Ayesha superou a última parte da escalada, um pequeno platô, com o pai a empurrando por trás, o que fez que os dois chegassem juntos ao ponto final.

“Tem uma satisfação, mas é contida. Até porque tem que voltar”, ressalta Renato. Sua filha resume o sentimento de estar ao topo do mundo como surreal. “Estava completamente anestesiada. Lembro que era lindo, mas era muito difícil estar ali. Já pensava na descida e estava muito exausta”. Ayesha trocou de máscara com o xerpa na descida, o que facilitou a volta. Ainda teve como sequela um congelamento de primeiro grau no pé, enquanto seu pai teve um de terceiro grau na mão. “O barato da montanha é passar muito tempo com você, em situações complicadas no físico e no emocional”, afirma ele. “Você faz uma reflexão intensa por dia”. Ayesha sabia que seria a brasileira mais nova, mas Renato diz que o seu recorde foi “por acaso”; Joel Kriger, 64 anos, estava na expedição, mas teve um princípio de edema cerebral e precisou voltar na sua terceira tentativa de escalar o Everest. Seria ele o brasileiro mais velho.

Para completar o projeto dos sete cumes, falta para eles apenas o Vinson (4.892 m), na Antártida. “Estamos buscando patrocínio, porque exige muitos recursos. A ideia é fazer em 2019”, admite o pai. Ayesha faz planos para escalar os 14 cumes e os sete vulcões mais altos, dos quais ela já esteve em três (dois são em comum com os sete cumes). “Mas é meio suicídio. Primeiro quero ter certeza que fiz tudo na minha vida”, brinca.

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