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As duas descobertas de Casemiro, o dono do meio-campo brasileiro

Na passagem para o profissional, o volante foi tachado de marrento, hoje é um dos maiores em sua posição

Casemiro se tornou protagonista defensivo nos times de Tite e Zidane.
Casemiro se tornou protagonista defensivo nos times de Tite e Zidane.David Ramos (FIFA)

Num programa esportivo gravado em 2012, as críticas de imprensa e torcida a Casemiro são sumarizadas numa listinha assim: gordo, metido, lento, preguiçoso e marrento. Achou pouco? Então tem mais os apelidos que botaram nele. Kaisermiro, alusão a sua suposta fama de pingão, bebedor contumaz de cerveja. Casemarra, autoexplicativo, pela reputação de convencido. E, por fim, o único em que ele não poderia ser apontado como culpado, Trakinas, numa referência a sua cara de bolacha. Excluindo o chiste, se todo o resto aí fosse verdade, hoje ele estaria, com tranquilidade, esfregando seu sucesso na cara da sociedade. O volante começou esta Copa do Mundo Rússia 2018 como dono incontestável de sua posição, quatro Liga dos Campeões no bolso e uma temporada impecável.

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Aos 26 anos, Carlos Henrique Casemiro é um dos principais jogadores de Tite na seleção brasileira. No meio campo, ele tem a função de segurar as pontas, não deixar o outro time se criar para cima dos zagueiros, como fez na estreia contra a Suíça – foi substituído no segundo tempo após levar um cartão amarelo. Tanto no Brasil quanto no Real Madrid tem se mostrado excepcional nisso. Pelo segundo ano consecutivo, por exemplo, foi eleito para o elenco ideal da Liga dos Campeões e em 2018 ostenta a marca de rei dos desarmes. Foram 85 bolas recuperadas em 12 de 13 partidas disputadas pelo time espanhol. O papo de estatística, aliás, é bem Casemiro. Quem convive de perto com ele no Real Madrid diz que ele é obcecado por números e treinamento. Após cada partida, analisa em vídeo tudo o que fez de certo e errado.

Em bom titês, o famoso dialeto do professor Adenor, Casemiro tem um poder de concentração acima da média, um rendimento de alto nível, uma capacidade de recomposição única, uma regularidade técnica impecável. Assim que fica difícil entender como esse jogador de agora, a personificação do moderno em matéria de futebol, um dos com currículo mais vencedores na seleção, pode ter saído do São Paulo, o clube que o iniciou no profissional, tão desprestigiado, sendo motivo de chacota da própria torcida. Em janeiro de 2013, aos 20, quase 21 anos, depois de um início turbulento no time profissional do clube paulistano, Casemiro assinou sua transferência para o Castilla, o time B do Real Madrid. Muita gente apostou que esse seria o fim de sua carreira.

Para entender o que aconteceu de lá para cá, faz-se necessário bater um papo com Nilton Moreira, ex-jogador de clubes pequenos nos anos 1970 e 1980, que hoje mantém a escolinha de futebol Moreira’s, em São José do Campos, interior paulista. E também com Bruno Petri, primeiro treinador de Casemiro no São Paulo, entre os 14 e 16 anos do jogador. Os dois têm palavras bem diferentes para descrever o pupilo naquela época conturbada. No lugar de marrento, “na dele”. Em vez de metido, retraído. E para a acusação de preguiçoso, lento e gordo, tudo ao contrário do que hoje ele é conhecido por ser hoje, explicam: era o deslumbramento normal que qualquer menino, vindo de uma família humilde, que passou por privações a vida toda, sente ao deixar as categorias de base, passar para o profissional, ganhar um salário e ter seu nome gritado nas arquibancadas.

Carteirinha do Moreira's, primeiro clube
Carteirinha do Moreira's, primeiro clube

Via de regra, para os jovens jogadores brasileiros é mais ou menos assim. Requisito básico, claro, é ter talento. Depois, é ser guerreiro, ter garra. Aí vem uma tonelada de outras exigências. Não pode ser acabrunhado, porque timidez não é coisa de jogador. Mas também não pode ser muito saidinho, porque o time é o mais importante. Manter-se na linha para um jovem de 18 anos não deve ser tarefa fácil, ainda mais quando, no caso de Casemiro, em um dia você é chamado de “Casemito” e no outro de “Casemarra”. Tanto Petri, quanto Moreira, são também unânimes ao dizer: faltou paciência ao São Paulo, faltou um acompanhamento mais cuidadoso da joia que eles tinham em mãos. “Hoje tenho certeza que eles só lamentam”, diz o Moreira meio divertido.

O Casemiro chegou ao Moreira’s aos seis anos de idade e o dono da escolinha logo viu que o menino tinha talento. Ele era um fominha. Pela bola. Jogou de goleiro, lateral, meia e centroavante. Usando a camisa nove, foi artilheiro de um campeonato mirim que contava com a presença de ninguém menos do que Neymar Jr. Moreira conta que o Casemiro chegou pela mão de uma prima, que jogava no time feminino, e que a situação não era fácil em sua casa. Uma história de privação também comum a muitos outros jogadores brasileiros. Ele, a mãe Magda e os irmãos dividiam uma casa de três cômodos. O pai abandonou a família. Do campinho do Moreira’s, saíram outros jogadores conhecidos, como o Everton Santos e o Ricardo Goulart, mas só um Casemiro.

Casemiro no Moreira's e Neymar na Portuguesa Santista, durante a infância
Casemiro no Moreira's e Neymar na Portuguesa Santista, durante a infância

Se durante muito tempo, o Nilton Moreira fez as vezes de treinador e figura paterna para o Casemiro, no São Paulo ele encontrou o apoio, entre outras pessoas, do Bruno Petri. O ex-treinador conta que assim que chegou ao time paulistano, o jogador ficou doente: hepatite. Na beira do campo reclamava, pedia e chorava. Queria jogar, porque tinha medo de perder sua chance. Depois de recuperado, ela veio. Aí ele só fez crescer na base do clube sendo olhado como promessa de uma geração toda especial, que ainda tinha Lucas Moura e Oscar. Do São Paulo, foi também para a seleção. Campeão Mundial e Sul-Americano sub-20 em 2011, ao lado de seus atuais companheiros de seleção Danilo, Philippe Coutinho e Neymar.

Campeonato Paulista Sub 17, em 2007
Campeonato Paulista Sub 17, em 2007

Quando foi para Espanha, depois das dificuldades na transição para o time profissional do São Paulo, trabalho e dedicação viraram as obsessões do Casemiro. Em 2013 cruzou com Zinedine Zidane no Real Madrid B, time que o agora ex-treinador do time principal comandava na época. De lá, subiu rapidamente para o Real principal. Em 2015 preferiu ser emprestado para o clube português Porto, a ficar esquentando banco de reservas na Espanha. Em 2016, de volta ao Real Madrid e com a ascensão de Zidane, virou titular indiscutível e protegido do treinador: “Ele quer sempre aprender, quer sempre saber, pergunta sempre e para um técnico isso é encantador”.

Hoje, na Espanha, ninguém sabe quem é Casemarra. Ele é “El Tanque”. No Brasil, associar uma imagem a outra também já é tarefa difícil. Ele próprio, nas poucas entrevistas em que dá, diz que nos anos de profissionalização realmente se perdeu durante algum tempo. “Há vários jogadores com esse perfil, que precisam de confiança do treinador e da equipe para evoluir”, diz Petri. No Porto, teve a influência de Julen Lopetegui (que assumirá o Real Madrid, após uma saída barulhenta como técnico da Espanha). No Real Madrid, Zidane. Talvez numa forma de explicação, Petri comenta: “A ausência do pai pesou muito na vida do Casemiro”. Aí que hoje, de cima de sua volta por cima, o jogador é pródigo em retribuições. Moreira, por exemplo, recentemente passou uns 20 e tantos dias em Madri. Conheceu das construções históricas ao estádio Santiago Bernabéu. Tudo a convite de Casemiro, o dono do meio campo da seleção brasileira, que precisou ser descoberto duas vezes para vingar.

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