Oposição da Espanha força Parlamento a discutir destituição de Governo Rajoy
Líderes do PSOE aproveitam momento de fraqueza do partido do primeiro-ministro Mariano Rajoy, envolvido em acusações de corrupção, para pedir moção de censura ao Governo
O primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, pode enfrentar uma moção de censura no Parlamento por conta dos escandâlos de corrupção, que assolam seu Governo. Partidos da oposição estão se aproveitando do momento de fraqueza de Rajoy para forçar o Parlamento a discutir a destituição do Governo. O último estopim foi a condenação de 30 pessoas ligadas a seu Partido Popular (PP) por crimes como falsificação de contas e tráfico de influência, tudo parte de um esquema de caixa 2 com empresas privadas espécie de Lava Jato da sigla conservadora.
Nos países parlamentaristas, a moção de censura é uma proposta parlamentar apresentada pela oposição com o propósito de derrotar ou constranger um Governo. Se aprovada (voto de censura), pela maioria absoluta dos deputados, a moção permite à Câmara dos Deputados retirar sua confiança em relação ao Governo, forçando sua demissão. Não é a primeira vez que Rajoy enfrenta esse procedimento legislativo. Em 2017, a coalizão Unidos Podemos apresentou uma moção alegando "estado de exceção democrática, com saque público permanente" _foi a terceira moção de censura na história da Espanha democrática, e também a terceira a ser rechaçada pelo Parlamento.
A possibilidade de uma moção de censura do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) a Rajoy será discutida nesta semana e pode colocar em xeque a liderança do partido de centro-direita à frente do Governo. A presidenta da Câmara dos Deputados, Ana Pastor, acertou com Pedro Sánchez, secretário-geral do PSOE, a realização do debate sobre a moção em 31 de maio e 1 de junho. “Para o PSOE é uma boa notícia e uma oportunidade de acabar com a situação de deterioração de nossas instituições, para melhorar a qualidade de nossa democracia e começar um novo tempo. Esta semana se decidirá se Rajoy será censurado ou não”, informam fontes socialistas.
Depois de se reunir com o Conselho de Representantes dos Partidos, Pastor explicou que na quinta-feira a sessão plenária se iniciará às 9 horas e terminará às 21 horas. Na sexta-feira começará na mesma hora e será concluída às 14h30. Quanto à rapidez da convocação do plenário, a presidenta da Câmara afirmou que, ao contrário da moção apresentada pelo Podemos em 2017, agora não há nenhuma tramitação orçamentária e a Casa liberou sua agenda. A urgência da convocação força o PSOE a acelerar seus contatos e negociações com os demais grupos.
No entanto, a moção registrada pelo PSOE irá expirar se não for votada antes de cinco dias úteis desde seu registro, o que ocorrerá na sexta-feira. Se o Ciudadanos quiser apresentar uma moção alternativa instrumental, como indicaram alguns de seus dirigentes, dispõe de prazo até esta quarta-feira às 20 horas, para a qual precisa da assinatura de 35 deputados, três a mais do que tem.
Três dias depois de o PSOE apresentar a moção, a Mesa da Câmara avançou na sua tramitação nesta segunda-feira. A Mesa qualificou a iniciativa (constatou que está correta) e o texto foi enviado tanto a Rajoy como aos representantes dos diferentes grupos parlamentares.
Para ser bem-sucedida a moção de censura requer a maioria absoluta da Câmara, ou seja, 176 votos, uma cifra que com a fragmentação do atual mapa parlamentar é difícil de alcançar. O PSOE dispõe de 84 deputados e para conseguir a maioria absoluta teria basicamente duas opções. Uma seria obter o apoio do Unidos Podemos (com 67 deputados) e do Cidadãos (com 32) para a iniciativa, uma aliança que na legislatura passada se mostrou impossível e que na atual seria muito complicada. O Cidadãos já se afastou dessa possibilidade e busca registrar sua própria moção de censura instrumental para convocar eleições imediatamente e evitar que o PSOE se instale no Governo, para a qual, de novo, precisaria de mais deputados do que tem.
A outra opção tampouco conta com todas as garantias. Além de se apoiar no grupo confederativo Unidos Podemos, que já demonstrou seu apoio, o PSOE precisa obter o respaldo dos partidos nacionalistas e independentistas: os nove deputados da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), os oito do PDeCAT, os cinco do Partido Nacionalista Basco (PNV), os quatro do Compromís e os dois do Bildu. Com isso superaria a barreira exigida, com 179 votos. Depois que a Coalizão Canária (CC) se mostrou contrária a dar seu apoio a esta moção ou à que Cidadãos poderá apresentar, foi fechada para o PSOE a porta que permitiria o sucesso da moção sem o PNV e com seu deputado e o de Nova Canárias.
Nessa situação, o PNV, como na questão dos Orçamentos, volta a ser crucial. A legenda basca se mostrou aberta a dialogar com o PSOE sobre a moção e impôs a condição de que não sejam convocadas eleições. Tampouco o ERC e o Compromís se mostraram reticentes a apoiá-la. Nem o PDeCAT, embora este partido, segundo o presidente da Generalitat, Quim Torra, tenha condicionado seu respaldo à libertação dos presos. A coordenadora da legenda, Marta Pascal, evitou, porém, impor condições antes de falar com o PSOE. Por sua vez, os socialistas insistiram no fim de semana em que não negociarão condições com nenhum partido.
Sem o apoio do PNV, a moção de censura estaria condenada ao fracasso por não alcançar os votos requeridos. Além disso, no caso deste partido votar contra, se unindo aos 134 deputados do PP (mais os três de seus coligados UPN e Foro Astúrias), os 32 do Cidadãos e os dois do CC e NC, a iniciativa seria rejeitada por maioria absoluta.
Enquanto isso, o Comitê Federal do PSOE avaliará à tarde a decisão de apresentar a moção, previsivelmente por unanimidade, segundo anteciparam os dirigentes territoriais do partido, cujo líder se comprometeu a não negociar “com ninguém”.
Os presidentes socialistas das regiões autônomas poderão expor sua opinião. Não foram consultados em um gesto de autoridade do líder do PSOE, que depois das primárias controla o partido e não pede permissão. Todos respaldam a moção como única saída à corrupção do PP e não a questionaram, embora haja reticências sobre o possível apoio dos independentistas e o tempo até as eleições.
Sánchez não renuncia a receber o apoio dos independentistas, embora diga que não negociará com eles, e os presidentes não erguerão a voz por enquanto. Não significa que a ideia entusiasme, mas há várias razões, algumas de tempo, que farão com que nada atrapalhe a reunião do comitê federal.
Por sua vez, o primeiro-ministro Rajoy deixou sua agenda em aberto nos últimos dias em meio à incerteza que a moção de censura provocou. Depois de cancelar sua viagem a Kiev para a partida da Champions, nesta segunda-feira não irá a um evento sobre empreendedores e trabalhadores autônomos, como havia sido anunciado, nem presidirá a reunião do Comitê de Direção do Partido Popular. Ele também não se reunirá nesta terça com o líder do Podemos, Pablo Iglesias. Esse encontro havia sido marcado para analisar a situação da Catalunha, em conformidade com as reuniões que o chefe do Executivo manteve há 10 dias com Pedro Sánchez e Albert Rivera.
Por ora, Sánchez assegurou o apoio sem condições dos 67 deputados do Unidos Podemos, e dos quatro do Compromís, contando assim com 155 votos. Também dá por certo o voto do Nova Canárias, parceiro eleitoral do PSOE, que tem um deputado e que, claro, não quer que sejam alterados os acordos aos quais chegou com o Governo de Rajoy para os Orçamentos.
CONVOCAção de eleiÇões
A substituição do presidente do Governo (primeiro-ministro), Mariano Rajoy, mediante uma moção de censura não impediria a convocação de eleições em um breve período de tempo, segundo a opinião de vários catedráticos de Direito Constitucional. Alberto López Basaguren considera que sem nomear ministros seria “uma irresponsabilidade” porque não haveria ninguém à frente dos ministérios. No entanto, com a apresentação de uma moção de censura instrumental com o objetivo de convocar eleições “em um prazo de meses” depois da formação do Governo isso seria viável. Na mesma linha, mas com menos demora, opina também o catedrático da Universidade do País Basco Eduardo Vírgala. Para Vírgala, uma vez definido o novo primeiro-ministro, “leva-se um dia” para nomear o gabinete, convocar o Conselho de Ministros e “na mesma tarde” tomar a decisão de convocar eleições com prazo de 54 dias para sua realização. Essa é a mesma posição do catedrático de Direito Constitucional da Universidade Autônoma de Madri Antonio Rovira.
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