Morre Philip Roth, gigante literário norte-americano, aos 85 anos
Em uma das últimas entrevistas que deu, o autor do 'Complexo de Portnoy' disse que passava o dia lendo, uma atividade que substituiu a escrita
O gigante literário norte-americano Philip Roth, vencedor do prêmio Pulitzer por seu romance Pastoral Americana em 1998, morreu na noite de terça-feira em Manhattan, aos 85 anos, segundo seu agente, Andrew Wylie. A causa foi uma insuficiência cardíaca.
Sua morte encerra tanto uma carreira transcendental nas letras americanas quanto a geração literária que observou e desconstruiu a vida na liderança mundial na segunda metade do século XX. Nascido em 19 de março de 1933 em Newark (Nova Jersey), filho de descendentes de imigrantes judeus da Europa Oriental e criado no bairro de classe média de Weequahic, Philip Milton Roth, eterno candidato ao prêmio Nobel – que nunca chegou a conquistar –, recebeu outros reconhecimentos notáveis, como dois National Book Awards, dois National Book Critics, três PEN/Faulkner Awards, um Pulitzer e um Man Booker International.
Depois de publicar 31 obras ao longo de sua carreira, o autor de O Complexo de Portnoy (1969), que o catapultou ao sucesso com a tormentosa relação com o sexo do personagem Alexander Portnoy, e da já lendária Trilogia Americana, que lhe abriu definitivamente as portas do Olimpo literário – Pastoral Americana (1997), Casei com um Comunista (1998) e A Marca Humana (2000) –, tomou a decisão de deixar a escrita em 2012, ano em que foi premiado com o Príncipe de Astúrias das Letras, fechando uma trajetória magistral que começara com a publicação em 1959, quando tinha 26 anos, de Adeus, Columbus, uma coletânea de cinco contos e uma novela de amor que lhe valeu um dos prêmios mais prestigiosos dos Estados Unidos, o National Book Award.
Com Philip Roth desaparece o último dos gigantes das letras norte-americanas do século passado, junto com Saul Bellow (1915-2005) e John Updike (1932-2009), e uma figura central da fecunda narrativa judaica norte-americana, ao lado do próprio Bellow, Bernard Malamud (1914-1986) e Norman Mailer (1923-2007), brilhando por sua capacidade de se aprofundar nas obsessões da cultura da sua própria comunidade.
Roth não se sentia cômodo com sua reiterada categorização como escritor judeu-americano
Philip Roth, entretanto, não se sentia cômodo com sua reiterada categorização como escritor judeu-americano. “Essa qualificação não faz sentido para mim”, disse. “Se não for um americano, não sou nada”, ou, como resumiu em outra ocasião, rejeitando o reducionismo e ressaltando seu propósito de universalidade: “Eu não escrevo judeu, escrevo norte-americano”. Em sua autobiografia The Facts (2008), dizia com humor sobre seu pai: “Seu repertório nunca foi enorme: família, família, família, Newark, Newark, Newark, judeu, judeu, judeu. Mais ou menos como o meu”.
A introspecção psicológica – recorrendo ao uso de um alter ego, como o romancista Nathan Zuckerman, voz de nove de seus livros – foi permanente campo de batalha do prolífico Roth, com obras memoráveis como Patrimônio (1991), em que o protagonista examina sua complexa relação com o pai e se situa ante a dificuldade de ser testemunha de sua agonia até sua morte. Em seu obituário, a The New Yorker recordou os temas preferidos de Philip Roth: “A família judia, o sexo, os ideais norte-americanos, a traição dos ideais norte-americanos, o fanatismo político e a identidade pessoal”.
Em uma entrevista em 1985, Roth definia assim a questão essencial sobre a qual giravam ele e sua literatura: “É a tensão entre a fome de liberdade pessoal e as forças da inibição”, dizia, aludindo à luta do indivíduo contemporâneo com os espartilhos tradicionais e pessoais.
Em janeiro, depois de anos afastado da imprensa, o autor de O Escritor Fantasma (1977) concedeu uma entrevista ao The New York Times em que afirmava que a leitura – sobretudo de obras de História – tinha substituído sua paixão pela escrita, e explicava que tinha dado por concluída sua carreira ao notar que já havia oferecido tudo o que levava dentro de si: “Tinha tirado o melhor de meu trabalho, e o seguinte seria inferior”. “Já não possuía a vitalidade mental, nem a energia verbal e a forma física necessárias para construir e manter um longo ataque criativo de qualquer duração sobre uma estrutura tão complexa e exigente como um romance”.
Quando optou por deixar o ofício, Philip Roth grudou um post-it no seu computador que dizia: “A luta com a escrita terminou”. Para avaliar sua obra, citava esta frase que o pugilista Joe Louis disse quase no final da vida: “Fiz o melhor que pude com o que eu tinha”.
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