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Administração dos EUA fica paralisada por falta de acordo no Senado sobre imigração

Democratas votaram contra a prorrogação de recursos federais. Trump exigia dinheiro para o muro com o México em troca de evitar a deportação de 700.000 ‘dreamers’. Negociações seguem neste sábado

Jan Martínez Ahrens

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sofreu na madrugada deste sábado sua maior e mais humilhante derrota. Justo ao se completar um ano de sua posse, ele se tornou o primeiro mandatário do país a ver sua Administração paralisada apesar de ter o controle do Congresso. Castigado em bloco pelos democratas, que votaram contra a prorrogação de recursos federais, Trump colheu o amargo fruto de sua incapacidade para o diálogo, sua obsessão com o muro e seu desprezo pelos dreamers, cujo destino quis usar como moeda de troca. “Ele foi o culpado de que não haja acordo, e não o seu partido”, afirmou o líder democrata, Chuck Schumer. As negociações serão retomadas neste sábado.

O líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer
O líder dos democratas no Senado, Chuck SchumerPablo Martinez Monsivais (AP)
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Trump pressionou tanto que no final tudo explodiu. A insistência em se manter firme em sua agenda anti-imigratória estreitou a margem de manobra dos republicanos e afugentou os democratas. O que deveria ter sido uma negociação relativamente tranquila, como aconteceu em setembro e dezembro, se transformou em uma batalha parlamentar cujo resultado mostrou a enorme fratura que os Estados Unidos vivenciam.

Não é a primeira vez que a Administração é paralisada. O shutdown já havia ocorrido em 1994, 1995, 2013 e com muito mais frequência nos anos setenta e oitenta com os presidentes Jimmy Carter e Ronald Reagan. Tampouco implica a paralisação completa dos serviços públicos. O bloqueio afeta 38% dos funcionários “não essenciais” e mantém ativos aqueles envolvidos nas tarefas de segurança, saúde e defesa, bem como na previdência social. Mas o custo é imenso. Não só em termos econômicos. Mostra elites políticas e, neste caso, um presidente, incapazes de chegar a um pacto para garantir o pleno funcionamento do Estado.

O fracasso também abre um período de tensão ainda maior que o vivido até agora. A negociação, longe de terminar, prossegue, mas com o pano de fundo de uma Administração paralisada. As lições são muitas. A primeira, que depois de um ano de Governo Trump a instabilidade continua aumentando. A segunda, que o homem que prometeu drenar o pântano de Washington e dominar seus políticos sucumbiu a suas piores práticas. “Nosso país precisa de um bom shutdown para consertar esta confusão”, brincou no Twitter em 2 de maio. Agora, ele o conseguiu.

A negociação que conduziu a este fracasso foi vertiginosa. À meia-noite de sexta-feira terminava o prazo para que o Congresso prorrogasse o cheque que permite o funcionamento do gigantesco aparato burocrático federal. A votação era incerta. Na quinta-feira, os republicanos, com maioria no Congresso, tinham conseguido superar o teste na Câmara dos Representantes, com 230 votos a favor e 197, contra. Mas a batalha do Senado se prenunciava muito mais difícil. Lá, a prorrogação teria de ser endossada por uma maioria qualificada de 60 votos num total de 100. Os republicanos, com 51 cadeiras, precisavam do respaldo dos democratas. E estes mostravam sua negativa em continuar dando oxigênio a uma Administração que tem pisoteado nos imigrantes e deixado à beira da deportação quase 700.000 dreamers.

As discrepâncias eram profundas e no cenário ganhou corpo a volta a uma paralisia como a de 2013, que manteve a Administração 16 dias no mínimo e custou ao país bilhões de dólares. Os democratas aproveitaram a tensão. Os republicanos, a contrário das cômodas prorrogações conseguidas em setembro e dezembro, entenderam que desta vez a partida estava sendo jogada à beira do precipício.

O presidente suspendeu sua viagem de fim de semana à Flórida e convocou à Casa Branca o líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer. Os dois nova-iorquinos, velhos conhecidos, mantiveram uma curta e opaca reunião. Na saída, só boas palavras. “Avançamos alguma coisa”, disse Schumer. “Excelente reunião preliminar”, tuitou Trump. O relógio continuava correndo contra.

Sobre a mesa, discutia-se não só a prorrogação temporária de recursos federais, um trâmite necessário quando o orçamento não foi aprovado, mas o núcleo da política de Trump: a imigração. Desde que em setembro o presidente revogou o programa criado por Barack Obama para dar cobertura a dreamers (imigrantes sem documentos legais no país, chegados aos EUA quando eram menores de idade), evitar sua deportação se tornou um objetivo preferencial dos democratas, fortemente ancorados no eleitorado hispânico.

Trump, em uma manobra bem típica de seus anos no setor imobiliário, viu nesta necessidade do adversário a oportunidade para conseguir um sonho dourado: o muro na fronteira com o México. E há duas semanas propôs devolver a proteção aos dreamers em troca do financiamento da obra com 18 bilhões de dólares (cerca de 60 bilhões de reais).

A proposta, entendida como uma chantagem pela oposição e uma nova humilhação pelo México, não fez mais do que turvar um ambiente já por si contaminado pelo frenesi anti-imigratório de Trump, que em uma incontrolável espiral retirou a proteção temporária de 200.000 salvadorenhos, 59.000 haitianos e 5.300 nicaraguenses, e depois se referiu aos países deles como “buracos de merda”.

Toda esta tensão confluiu na sexta-feira nos corredores do Capitólio. Não se buscava resolver uma questão orçamentária. O embate tinha como protagonista os deserdados de Trump. Centenas de milhares de imigrantes perfeitamente integrados em uma sociedade que um dia lhes disse que os aceitava e que agora veem diante de si o espectro da deportação.

Ante esse desafio, de pouco valeram as tentativas dos republicanos de propor aos democratas a prorrogação por seis meses de um programa de saúde para crianças sem plano de saúde. Nem sua pretensão de conseguir uma prorrogação por apenas um mês. Schumer e sua bancada decidiram pressionar mais. Com a Casa Branca e o Congresso em mãos republicanas dificilmente alguém iria pôr a culpa neles. A paralisia da Administração, além disso, poderia lhes dar uma influência na negociação. “Se aceitamos agora a proposta dos republicanos, voltamos para onde estávamos há um mês e perderemos a capacidade de negociar”, chegou a dizer Schumer.

Chegada a hora da votação, os republicanos perderam (50 votos a favor, 49, contra). "Nesta noite, os senadores democratas puseram a política acima da segurança nacional, das famílias de militares, das crianças vulneráveis e da capacidade de nosso país de servir a todos os americanos. Não negociaremos o status de imigrantes fora da lei enquanto os democratas fazem cidadãos cumpridores da lei reféns de suas demandas”, afirmou a Casa Branca em um comunicado enviado um minuto antes da meia-noite.

Uma vez declarada a paralisia, o democrata Schumer lamentou a interferência de Trump e sua incapacidade para permitir que seu partido chegasse a um acordo. “Quando me reuni com ele cheguei a acreditar em um acordo, o mesmo ocorreu ao tratar com os republicanos. Mas o presidente não quis que houvesse um pacto. Ele foi o culpado”, sentenciou.

Este é o horizonte que se abriu. A fricção será permanente, mas a negociação vai prosseguir neste sábado mesmo e Trump terá de encarar as petições da oposição com uma enorme pressão às suas costas. Será uma prova de fogo para seu carisma. O homem capaz de negociar tudo, o dealmaker, se verá ante o maior desafio parlamentar de sua presidência. Um novo confronto começou.

 

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