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Como os EUA de Obama resistem após um ano de Governo Trump

Apesar de desgastado, o legado do primeiro presidente negro dos Estados Unidos se mantêm

Obama e Trump em Washington, durante a posse do atual presidente norte-americano, em 20 de janeiro de 2017
Obama e Trump em Washington, durante a posse do atual presidente norte-americano, em 20 de janeiro de 2017prisa
Pablo de Llano Neira
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Um ano depois da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, o ambiente político propiciado pela Casa Branca é exatamente o contrário que o seu antecessor, Barack Obama, buscava cultivar. No mesmo país onde durante os dois mandatos do democrata (2009-2017) se debatia se uma sociedade pós-racial já havia se consolidado, tendo como símbolo a eleição do primeiro presidente afro-americano, o novo mandachuva do Salão Oval, o heterodoxo republicano Trump, aviva com sua retórica o fantasma da discriminação e da divisão e se vê obrigado a se desvincular da imagem que ele mesmo desenha, com afirmações próprias de um tempo que parecia superado pela era Obama: “Não sou racista”, afirmou no domingo, após supostos comentários em que teria qualificado Haiti, El Salvador e outros como “países de merda”. Obama, um bacharel em direito que estudou em Harvard e representava a cicatrização da ferida racial, foi substituído por seu oposto. Um magnata inoportuno que atira punhados de sal nessa ferida.

“Esse era o maior legado de Obama, a culminação do ideal liberal dos Estados Unidos como país da integração e da tolerância, e agora estamos vendo como esse espírito está sendo golpeado por um movimento reativo que busca desvirtuá-lo”, diz Eduardo Gamarra, cientista político da Universidade Internacional da Flórida. “Mas, sob o ruído de Trump, permanece esse projeto de inclusão impulsionado pela figura de Obama. Sem ele não acredito que hoje pudéssemos estar falando na possibilidade de uma presidenta afro-americana”, acrescenta, referindo-se aos rumores de uma candidatura de Oprah Winfrey, a apresentadora de televisão mais célebre do país, que na semana passada, durante a cerimônia de premiação do Globo de Ouro, irrompeu no debate político com seu discurso contra o machismo e a xenofobia.

Julian E. Zelizer, professor de História e Assuntos Públicos da Universidade de Princeton, acredita que o legado de inclusão de Obama poderia ser reativado como uma reação social orgânica às tendências divisionistas de Trump, a começar pelas eleições de 6 de novembro deste ano, que renovarão toda a Câmara de Representantes (deputados) e um terço do Senado. Ambas as casas do Congresso são atualmente controladas pelo Partido Republicano. “Ele energizou todo um contingente eleitoral que continua por aí, entre eles os afro-americanos, os latinos, os millenials. Todos eles são parte de uma coalizão obamista que não serviu aos democratas para ganhar em 2016, mas eles não sumiram, e acredito que podem chegar a ter muito mais impacto político do que se acredita.”

George C. Edwards, especialista em estudos presidenciais e professor na Universidade Texas A&M, avalia que, com relação à herança de Obama, o primeiro ano de Trump está “apresentando um efeito demolidor que não é tudo isso”. Embora concorde que os avanços nos direitos civis estão sendo erodidos, salienta a permanência de dois pilares da política de Obama: a lei de cobertura sanitária – conhecida como Obamacare –, “que Trump não poderá destruir, no máximo retocar nas margens”, e a recuperação econômica dos Estados Unidos. “Obama deixou para Trump uma economia forte”, diz. “Foi ele [o democrata] quem teve que lutar contra a crise financeira e criou regulações bancárias, e quem impulsionou uma estratégia de estímulo que permitiu uma guinada na economia, até agora com benefícios.” Para Edwards, os elementos da presidência de Obama mais ameaçados pelo modelo de Trump são a proteção ambiental, em processo de “desregulação administrativa” e com os Estados Unidos abandonando o Acordo de Paris – um dos feitos do democrata na questão climática –, e a política de imigração, com a deportação de indocumentados como prioridade da Casa Branca e a colocação em xeque do programa criado por Obama para dar cobertura legal aos dreamers, imigrantes irregulares que chegaram aos Estados Unidos ainda menores de idade.

No âmbito da política internacional, o primeiro ano de Trump não representou uma alteração substancial, segundo Zelizer. Sem deixar de lado a retórica mais inflamada entre o novo presidente e a Coreia do Norte e a sacudida no vespeiro do Oriente Médio causada pelo reconhecimento norte-americano de Jerusalém como capital de Israel, o professor de Princeton afirma que “o acordo sobre armas nucleares com o Irã permanece, e os arremedos que Obama fez depois das guerras do Iraque e Afeganistão continuam aí”. No aspecto geopolítico, Edwards destaca o fato de Trump ter retirado os Estados Unidos do tratado comercial com países do Pacífico, apresentado por Obama com o objetivo primordial de conter a expansão comercial da China. “Este foi um esforço que Trump de fato desmontou e que garantiu mais liderança mundial a Pequim”, afirma.

Gamarra salienta a “crise de representação política” como a questão central do primeiro ano pós-Obama. “As pessoas não acreditam mais nos partidos, nas instituições da democracia. A cultura cívica dos Estados Unidos, que radicava no profundo respeito dos cidadãos às instituições, está se perdendo. Obama construiu sua política já dentro de um cenário que refletia esse problema, com um clima de polarização e sem consensos bipartidários. Nesse sentido, o edifício de esperança social e política que o presidente Barack Obama levantava tinha os pés de barro”.

CUBA DE VOLTA À GELADEIRA

P. DE LLANO, Miami

O último golpe de efeito de Barack Obama em seu mandato foi o degelo com Cuba depois de mais meio século de guerra fria entre os EUA e seu vizinho socialista do Caribe. Quando ele deixou o poder, as relações estavam azeitadas e com sinais de que progrediriam pouco a pouco, mas o programa de Trump de reversão das políticas do democrata incluiu a retomada da briga com a ilha.

Dias depois de sua vitória eleitoral, Trump comemorou abertamente a morte do “brutal ditador” Fidel Castro. Já no poder, em junho, viajou a Miami para cercar-se dos mais duros ativistas do exílio anticastrista e lançar um discurso em que se conjurava contra o castrismo e anunciava a limitação das viagens de norte-americanos à ilha e a proibição de fazer negócios com empresas das Forças Armadas cubanas. “Não apoiaremos o monopólio militar que oprime o povo”, declarou Trump.

A degradação dos vínculos bilaterais alcançou seu auge com o escândalo dos supostos ataques a diplomatas norte-americanos em Havana. O caso dos chamados “ataques sônicos” eclodiu quando fontes ligadas a uma investigação norte-americana revelaram à imprensa as suspeitas de que 21 norte-americanos, entre funcionários da embaixada e seus familiares, haviam sido alvo de alguma arma que funcionava por meio de ondas sonoras. O episódio se transformou em uma novela confusa e sem responsabilidades claras. Os Estados Unidos, incapazes de identificarem os culpados pelas agressões, já se distanciam da hipótese do “ataque sônico”, e Cuba continua afirmando que isso nunca existiu, e que a segurança dos diplomatas norte-americanos em Havana sempre esteve garantida.

Fica para trás o discurso de Obama em um teatro de Havana pedindo a abertura do regime, diante da cúpula do poder cubano. E também sua descontraída presença com Raúl Castro em um jogo de beisebol na capital cubana. Com Trump, interessado por razões eleitorais em fortalecer seus laços com a comunidade anticastrista da Flórida, os EUA voltam a dar as costas a Cuba.

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