Acusado de receber propina da Odebrecht, presidente do Peru pode ser alvo impeachment nesta quinta
Kuczynski tenta evitar sua destituição e afirma: “Estamos diante de um golpe disfarçado”. Pressão pela sua saída é vista como manobra para evitar investigação de seus opositores
O presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, ofereceu uma nova mensagem à nação na noite de quarta-feira, véspera da votação do seu pedido de impeachment no Congresso por suposto envolvimento no escândalo da Odebrecht. Num discurso que parecia especialmente dirigido aos deputados, o mandatário argumentou que seu possível afastamento representaria um golpe não só no aspecto político, mas também no econômico. “Estamos diante de um golpe disfarçado de interpretações jurídicas supostamente legítimas. Mas as intenções dos nossos opositores são desmascaradas por seu comportamento apressado e abusivo”, afirmou.
Acompanhado de seus dois vice-presidentes, Martín Vizcarra e Mercedes Aráoz, Kuczynski se defendeu alegando não ter cometido nenhum ato de corrupção em toda sua vida e pedindo desculpas por não ter seguido a recomendação de confrontar o partido fujimorista Força Popular, que tem maioria no Congresso e é o principal articulador do seu impeachment.
“Vocês foram testemunhas da disposição para o diálogo com a qual tentei conduzir o meu Governo, mas foram também testemunhas da atitude agressiva da maioria opositora que controla o Congresso. Nos primeiros 15 meses, cinco dos meus ministros foram censurados ou forçados a renunciar, um verdadeiro recorde histórico. Agora é evidente que desde o princípio se buscava chegar ao que está ocorrendo hoje”, disse.
O presidente, que voltou a defender sua inocência numa entrevista concedida no domingo, pediu desculpas por não ter sido mais transparente com os arquivos da sua empresa Westfield Capital - através da qual teria recebido propinas da empreiteira brasileira Odebrecht -, mas também por seu jeito de fazer política.
“Outro erro – hoje vejo claramente – foi esperar algo diferente dos nossos opositores. Muitos me aconselharam que na primeira censura eu respondesse com uma moção de confiança, não dei ouvidos, e assumo minha responsabilidade. Decidi optar pelo diálogo, não pela confrontação. Hoje estamos vendo as consequências dessa decisão”, acrescentou. Ele também invocou o respeito à democracia e ao equilíbrio de poderes. “A Constituição e a democracia estão sob ataque”, declarou.
O caso de PPK lembra o ocorrido no Brasil com a então presidenta Dilma Rousseff, que sofreu o impeachment nas mãos de um Congresso hostil controlado pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha - hoje preso pela Lava Jato.
O ex-procurador anticorrupção Luis Vargas Valdivia disse ao EL PAÍS que o pedido de “vacância presidencial” (destituição) promovido pelo fujimorismo e pelo APRA “busca gerar o caos para atrapalhar as investigações da procuradoria [por suposta lavagem de recursos durante a campanha presidencial de Keiko Fujimori em 2011 e os vínculos do ex-presidente Alan García, do APRA, com a Odebrecht em seu segundo Governo]”.
Kuczynski informou que seus vices não querem participar de um Governo que nasça de uma manobra injusta e antidemocrática. “Estamos prestes a recuperar o dinamismo econômico que o Peru perdeu três anos atrás. O ataque à Presidência da República, à Procuradoria da Nação e ao Tribunal Constitucional representaria não só um golpe político, mas também um golpe econômico para o Peru próspero que todos queremos. Temos que defendê-lo.”
Embora na sexta-feira da semana passada 93 dos 130 deputados peruanos tenham se pronunciado a favor de debater a destituição, os 87 votos necessários para tirar o presidente do cargo ainda não estavam assegurados nesta quarta, e o governismo manobrava para impedir a derrota. Nesse contexto, Kuczynski recebeu o apoio dos governadores dos departamentos de Arequipa, Cusco, La Libertad e Piura.
Na terça-feira, o presidente solicitou ao Legislativo a documentação que fundamenta o processo de impeachment, mas a poucas horas do início da decisiva sessão desta quinta o chefe de Estado não os tinha recebido. Por recomendação do seu advogado, Alberto Borea, o presidente enviou na terça-feira uma carta ao secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, manifestando a “profunda preocupação” do seu Governo diante de “fatos que afetam a estabilidade democrática” do país. Kuczynski cita os esforços do fujimorismo para destituir três membros do Tribunal Constitucional e o procurador-geral, além do próprio processo contra o presidente, no qual o Congresso o acusa de “incapacidade moral”, uma figura prevista na Constituição.
O ex-executivo financeiro afirma que esses fatos, segundo a Carta Democrática Interamericana, “atentam contra a institucionalidade democrática e o legítimo exercício do poder” e solicita o envio de um observador para a sessão de debate. Almagro anunciou nesta quarta-feira que enviará uma delegação ao Peru.
O Força Popular (com 71 dos 130 assentos no Congresso) divulgou na quarta-feira da semana passada um documento solicitado à Odebrecht - responsável por uma enorme trama de corrupção no continente para obter contratos de obras públicas - sobre os pagamentos feitos entre 2004 e 2013 a duas empresas vinculadas a Kuczynski. O montante total chega 4,8 milhões de dólares (15,8 milhões de reais, pelo câmbio atual), sendo 752.000 (2,48 milhões de reais) depositados para a Westfield Capital, uma firma de investimentos que o hoje presidente abriu em 1992 nos Estados Unidos.
O presidente alega que, ao assumir um cargo de ministro durante o Governo de Alejandro Toledo, entre 2004 e 2006, desligou-se da sua empresa e deixou os negócios nas mãos do gestor Gerardo Sepúlveda. Esse economista chileno afirmou aos jornais El Mercurio e El Comercio que nunca tinha informado a Kuczynski sobre os contratos fechados naqueles anos. O Força Popular promoveu a destituição com o argumento de que o chefe de Estado tinha mentido a uma CPI do Congresso peruano quando declarou, em outubro, que nunca havia tido vínculos profissionais com a Odebrecht.
Na sexta-feira passada, 93 congressistas votaram a favor de debater o afastamento do presidente, mas nesta quarta-feira prosseguiam as negociações dos parlamentares peruanos do partido Peruanos pela Mudança com outros deputados para evitar a derrota. O partido APRA, que na semana passada se somou com firmeza à moção junto ao Força Popular e à esquerdista Frente Ampla, mostrava-se mais flexível nesta quarta. O deputado aprista Javier Velásquez Quesquén, por exemplo, disse num programa de rádio que, se Kuczynski demonstrar que não conhecia os contratos da Odebrecht com Sepúlveda, não haveria motivo para cassar seu mandato.
Documentos de sustentação
A porta-voz do partido Aliança para o Progresso (APP), Marisol Espinoza, disse ao EL PAÍS que “não é possível que uma escolha popular de 30 milhões de peruanos seja substituída por uma maioria autoritária. A forma como a moção foi entregue ao presidente não esclarece qual é a acusação, não tem um fundamento para a vacância [do cargo]”. E acrescentou: “Há um golpe sistemático contra a governabilidade no país: o ataque contra o Tribunal Constitucional e contra o procurador-geral da Nação, a prorrogação da legislatura até 12 de janeiro. Já apedrejaram o presidente sem escutá-lo, e essa é uma má prática, inconstitucional”.
Outra mudança ocorre na bancada partidária do esquerdista Novo Peru, que também votou a favor de debater a moção na semana passada, e agora relativiza sua posição. “Deve haver algum fundamento razoável que leve a romper a ordem democrática. Dissemos que há um golpe institucional em curso. Com uma força como o fujimorismo, tão grande, e com o passado que tem, é uma ação que merece ser levada em conta nas decisões que serão tomadas”, afirmou Marisa Glave, deputada do Novo Peru, à imprensa em Lima.
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