O cerco ao cartel das maiores obras dos Governos tucanos em São Paulo
Em acordo de leniência construtora denuncia acordo para obras viárias da capital, que se somam a irregularidades no Metrô
O deputado e veterano em escândalos de corrupção Paulo Maluf (PP-SP) costuma dizer em tom bufão que “ninguém anda mais de um quilômetro por São Paulo” sem passar por alguma obra sua. Agora, com os acordos de leniência de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato saindo do forno, a máxima do ex-prefeito poderia ser atualizada: não se cruza a capital sem passar por uma obra fruto de cartel de construtoras. Na segunda-feira foi tornado público o acordo da Camargo Corrêa com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que apontava indícios de acerto em obras nas linhas 2-Verde, linha 4-Amarela, 5-Lilás e Monotrilho. Nesta terça foram divulgadas informações sobre a tratativa da gigante Odebrecht com o Conselho, e pipocaram mais obras no Estado que teriam sido fruto de conluio entre empreiteiras: rodoanel, ampliação da Marginal Tietê e das avenidas Jacú-Pêssego, Roberto Marinho, Cruzeiro do Sul, Chucri Zaidan, Corrego Ponte Baixa e Sena Madureira.
Somadas, as obras teriam custado aproximadamente 10 bilhões de reais para a administração pública. Os acordos de leniência, espécie de delação premiada das empresas, garantem que, mediante o pagamento de multas e assinatura de termos de ajustamento de conduta, as empreiteiras possam continuar firmando contratos com o poder público. No total, o Cade já firmou 14 acordos do tipo a partir de informações da Lava Jato.
Com base nos documentos oferecidos por executivos e diretores da Odebrecht em julho desse ano, o Cade abriu dois processos de investigação. Um para apurar as possíveis irregularidades envolvendo a construção do Rodoanel Mário Covas, e outro e focado no Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, que engloba as obras viárias mencionadas acima. De acordo com o Cade, as licitações suspeitas foram promovidas pela Empresa Municipal de Urbanismo (Emurb) e pela Desenvolvimento Rodoviário S.A (Dersa). A reportagem não conseguiu entrar em contato com as duas companhias.
O cartel mencionado pela Odebrecht teria atuado entre 2004 e 2015. No período, o Estado foi governado pelos tucanos Geraldo Alckmin, José Serra e Alberto Goldman. No total, 22 empresas faziam parte do esquema, mas as principais seriam a Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS S/A e a Queiroz Galvão, que integravam o Tatu Tênis Clube. O nome que faz referência ao tatuzão usado na escavação de túneis do metrô. Posteriormente, Constran, CR Almeida, Galvão Engenharia, Mendes Junior e Serveng-Civilsan também passaram a integrar o cartel. “Após a qualificação técnica de empresas não alinhadas, outras doze companhias aderiram ao cartel, concordando em apresentar proposta de cobertura e/ou suprimir propostas sob a promessa de subcontratações ou colaboração em negociações futuras”, afirma o Cade.
As suspeitas de um grande esquema de acerto de preços e cartel atuando em São Paulo e outros Estados ganharam força durante a 23ª etapa da Operação Lava Jato, desencadeada em fevereiro de 2016. Durante uma diligência a Polícia Federal apreendeu um documento com Benedicto Barbosa, então presidente da Odebrecht Infraestrutura e hoje delator. O material continha o regimento interno do Tatu Tênis Clube. Em uma das páginas, lia-se que “O TTC concorda que o esporte nacional vem deteriorando-se bastante e que é fundamental trabalhar conjuntamente para transformá-lo no melhor e mais rentável esporte nacional”, uma clara referência à importância do cartel para os negócios. Mais à frente, outra frase emblemática: "Os jogadores do TTC acordam que irão trabalhar unidos para que os próximos campeonatos".
Caso condenadas na esfera administrativa pelo tribunal do Conselho, as empresas podem ter que pagar multar que podem atingir até 20% de seu faturamento. Já para pessoas físicas condenadas as multas ficam entre 50.000 e 2 bilhões de reais. Em nota, a Odebrecht afirmou que colabora com a Justiça no Brasil e em outros países onde atua, e que já reconheceu seus erros e adotou novas práticas para coibir novas irregularidades.
Lava Jato reacende casos investigados desde 2008
Com os acordos de leniência da Camargo Corrêa e da Odebrecht, a Lava Jato acaba injetando energia em investigações em curso tanto no Ministério Público Federal de São Paulo como no Ministério Público Estadual - neste último, há casos abertos desde 2008. A maioria se encontra parada no Tribunal de Justiça do Estado, e as que avançaram não chegaram a nenhum núcleo político, levando a julgamento apenas executivos. Em fevereiro deste ano, uma denúncia do MPF-SP havia reacendido o assunto quando nove pessoas, entre executivos de multinacionais e dois ex-diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), foram denunciadas acusadas de terem lavado dinheiro proveniente de um esquema de cartel envolvendo a construção do primeiro trecho da Linha 5-Lilás do Metrô, na zona sul de São Paulo. Segundo o MPF, 5% dos 527 milhões de reais envolvidos nos contratos foram desviados.
Os políticos tucanos no controle do Estado sempre negaram envolvimento com os desvios em obra pública e sempre defenderam a tese de que o Governo paulista foi uma das grandes vítimas do esquema. Alckmin, que está em seu terceiro mandato à frente do Executivo estadual e é o virtual candidato tucano para disputar a presidência no ano que vem, repetiu o discurso nesta terça. "As obras foram todas licitadas de acordo com a lei e, se houve conduta ilícita, que tenha prejudicado os certames, o Estado de São Paulo, assim como já fez em outras situações, irá cobrar as responsabilidades devidas." O governador também foi delatado pela Odebrecht e o o inquérito de que é alvo tramita em sigilo no Superior Tribunal de Justiça.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.