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Trump quer pena de morte para terrorista de Nova York

Presidente dos EUA também quer acabar com a loteria de vistos e cogita enviar autor do ataque a Guantánamo

Amanda Mars
Donald Trump na Casa Branca, nesta quarta-feira, com o chefe do Pentágono, Jim Mattis.
Donald Trump na Casa Branca, nesta quarta-feira, com o chefe do Pentágono, Jim Mattis.KEVIN LAMARQUE

O presidente Donald Trump defendeu nesta quarta-feira pelo Twitter que o autor do atentado de Nova York, que deixou oito mortos, seja condenado à pena de morte.“O terrorista de Nova York pediu alegremente uma bandeira do EI para pendurá-la no seu quarto de hospital. Ele matou oito pessoas e feriu 12. DEVERIA TER PENA DE MORTE!”, escreveu em letras maiúsculas — o que na internet significa que ele estava gritando — o mandatário no Twitter. As chances do desejo de Trump se realizar são pequenas, uma vez que a maior pena prevista pela lei do Estado de Nova York é a prisão perpétua.

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Sempre fiel ao seu estilo, Donald Trump reagiu ao primeiro atentado jihadista da sua presidência fazendo um ataque à imigração. Na terça-feira, Sayfullo Saipov, de 29 anos, invadiu uma ciclovia de Nova York ao volante de uma camionete e matou oito pessoas, seguindo instruções do Estado Islâmico (EI). O autor do ataque, que foi preso, é de origem uzbeque e obteve residência nos EUA graças a uma loteria de vistos. O dado bastou para que Trump, apenas 24 horas depois da tragédia, anunciasse o fim desse sistema e trouxesse à baila novamente um lugar maldito na luta antiterrorista norte-americana: a prisão de Guantánamo.

O ataque da tarde do Halloween foi o pior atentado sofrido em Nova York, a cidade natal do presidente, desde 11 de setembro de 2001. A metrópole, cuja polícia local conta com uma unidade antiterrorista inigualável, com seu próprio serviço de inteligência e agentes espalhados pelo mundo, acabou tendo de lidar com um tipo de terrorista que é difícil de conter: um lobo solitário, armado com uma caminhonete alugada. “Um animal”, disse Trump na quarta-feira, antes de iniciar a reunião do seu gabinete em Washington. Perguntado por um jornalista, respondeu que “certamente” cogita enviá-lo a Guantánamo, uma prisão militar dos EUA encravada em Cuba, inaugurada por George W. Bush logo depois do massacre das Torres Gêmeas em 2001.

A caminhonete do terrorista continuava pela manhã no bairro de Tribeca, toda arrebentada e aberta, enquanto a polícia científica colhia provas e os moradores do bairro levavam sua vida normal. Joe Lapore, de 58 anos, diz que no 11 de Setembro viu o primeiro avião assassino passar sobre sua cabeça enquanto aguardava um semáforo da rua 39 abrir, e que sempre soube que “algum dia voltaria a acontecer”. Foi nesta terça. Os jovens, que na manhã seguinte passeavam pela área, não pensavam no 11 de Setembro, mas todos aqueles com mais de 30 rememoravam o fato assim que abriam a boca. Trump recordou Guantánamo.

Aquele centro penitenciário se transformou em um limbo jurídico no qual proliferaram torturas e onde suspeitos sem acusação formal podiam permanecer enjaulados indefinidamente. Chegou a abrigar quase 800 reclusos e foi um quebra-cabeça para Barack Obama, que o herdou ainda com mais de 200 detentos e não conseguiu cumprir sua promessa de desativar a instalação, embora agora permaneçam apenas 41 réus por lá. Seu sucessor republicano nunca pensou em fechar definitivamente a prisão. Em janeiro anunciou que impediria a transferência de novos presos de Guantánamo para outros lugares, e agora deixou claro que pode inclusive aumentar sua população carcerária, algo que não ocorre desde 2008 e que, além disso, no caso de Saipov, representaria a primeira transferência de um preso detido em solo norte-americano.

Durante a campanha que o levou à Casa Branca, Trump vinculou sem meias palavras o terrorismo à imigração. Em dezembro de 2015, depois do atentado de San Bernardino (Califórnia), defendeu a proibição da entrada de muçulmanos no país. Agora, na primeira prova de fogo, ao invés de acalmar os ânimos atirou mais lenha na fogueira com seu discurso. “Este homem, ou como queiram chamá-lo, entrou aqui e trouxe mais gente consigo. E ele foi o ponto de contato inicial, e 23 pessoas vieram com ele potencialmente”, disse. “Queremos nos livrar dessa cadeia migratória”, salientou, acrescentando que os familiares do detido também representam um “perigo em potencial” para os norte-americanos.

O ideário do republicano se choca com a política dominante em Nova York, fervorosamente democrata e com um prefeito, Bill de Blasio, pertencente à ala mais progressista do partido. Cidade-santuário – ou seja, que não persegue ativamente a imigração irregular, exceto quando há crimes envolvidos –, a maior metrópole dos EUA acolheu múltiplos protestos contra o veto migratório e outras políticas restritivas de Trump. Agora, paradoxalmente, se tornou a alavanca que ativou novas promessas de pulso firme contra a chegada de estrangeiros.

“O que isso tem a ver com a imigração? Era um louco, um terrorista. Quando aquele homem em Las Vegas matou toda aquela gente, ninguém falou de onde ele era”, argumentava a estudante Sofía Vázquez, de 19 anos, junto ao cordão policial que preservava a área do ataque. Em meio à sua declaração no meio da rua, uma mulher de aproximadamente 30 anos a interrompeu irada: “Pelo amor de Deus, esse homem entrou aqui em 2010 e se radicalizou no nosso país. Como você pode dizer que isso não tem nada a ver com a imigração? É preciso deixar de lado essa correção política”, estourou, antes de partir sem querer dizer seu nome.

O bate-boca é uma boa amostra da divisão de opiniões nos Estados Unidos e de que, apesar dos discursos públicos, muitos norte-americanos veem com bons olhos medidas como a de acabar com o sistema de vistos que abriu as portas a Saipov. “O terrorista entrou no nosso país através do que se conhece como ‘Programa de Loteria de Vistos da Diversidade’, uma pérola de Chuck Schumer. Quero que [o sistema de vistos] se baseie no mérito”, disse o mandatário. Agora, ele pedirá ao Congresso que acabe com essa loteria. Trata-se de um sorteio de 50.000 autorizações de residência e temporárias por ano, com o objetivo de fomentar a diversidade do país. Por isso, esse mecanismo foi pensado apenas para cidadãos de lugares de baixo fluxo migratório. Surgiu em 1990, com o apoio de Schumer, líder democrata no Senado, e foi transformado em lei por George H. Bush.

Trump também alertou que serão reforçados os controles para a concessão de vistos, uma necessidade que alegou na época em que promoveu o veto à entrada de cidadãos de seis países de maioria muçulmana. O Uzbequistão, terra natal do terrorista de Tribeca, não fazia parte dessa lista de países, apesar da maioria islâmica da sua população. Nem o Afeganistão, de onde procedia o indivíduo que colocou uma bomba no bairro de Chelsea no ano passado. Tampouco os irmãos de origem chechena que atacaram a maratona de Boston em 2013 seriam rechaçados por essa lista.

“Apoiamos que se possa vetar determinadas pessoas, mas não grupos de indivíduos apenas com base na sua religião ou país de origem”, disse De Blasio, que disputa um novo mandato na próxima terça-feira. O governador Andrew Cuomo pediu aos cidadãos que continuassem a sua vida normal. “Sejam nova-iorquinos”, disse. E estão sendo. Os moradores dizem que a cavalgada de Halloween transcorreu como se nada tivesse acontecido.

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