Nudes, água gourmet e pouco rock’n’roll
A partir das exigências do Rock In Rio, uma crônica sobre derrota política e hedonismo envergonhado
Eis que me pego, cronista de costumes profissional, no baculejo da lista de exigências dos artistas do Rock In Rio 2017. Fontes murmurantes de água gourmet, caro M.C. Karam, chá de todas as procedências e uma linha de suco verde capaz de fazer clorofilar o Incrível Hulk.
No lugar do barulho das guitarras, solos de centrífugas e liquidificador.
O Guns N'Roses pelo menos manteve o humor: balinhas gelatinosas em formato de ursinho. Fofo no mofo.
Só o velho The Who pediu bebida alcoólica - melhor morrer de vodka de batata do que de tédio.
Sintomas de uma nova era, dirá o leitor comedido e à prova de assombros. Normal, soprará um amigo normalíssimo e paulistano. Acaba, mundo véio gourmetizado sem porteira, grunhirá uma voz roqueira mais ou menos dinossáurica.
Não revelaram ainda a lista de exigências da Nação Zumbi, que toca Secos & Molhados com Ney Matogrosso. Não me decepcionem, malungos. Estou de olho neste mafuá.
E que os meganhas das redes sociais, com sua patrulha moral de bairro, não me venha com essa de apologia. É que rock com leite de amêndoas (pedido do Def Leppard), sei não, deixa pra lá.
São tempos estranhos de um certo hedonismo envergonhado. E não apenas no que sobrou do rock'n'roll. Tempos de cerveja sem álcool, café sem cafeína, massa sem glúten, feijoada sem pé e orelha, sexo sem sujeirinhas... A que estadão das coisas chegamos, nobilíssimo escriba Reinaldo Moraes!?
Futebol sem a bola no Brasileirão, centro cultural sem arte provocativa, movimento liberal a favor da censura braba, bis de denúncia do golpista sem panelaço, prefeito eleito para a vida real que faz gestão no Facebook, a pátria ecumênica chutando a macumba no beco, o país do Carnaval e de Jorge Amado contra o erotismo.
Nudes, água gourmet e quase nada de rock'n'roll.
Chupa, cronista casmurro, perdeste em 68 (viva a imaginação uma ova!), perdeste em todos os golpes, amém, e até o punk morreu. Só resta lamber o frio chicabon da nostalgia. Bem-feito.
Acaba, mundo véio sem porteira, mas aos pouquinhos, não com bombas coreanas ou americanas, devagar, devagarzinho, afinal de contas, subscrevo os versos do irmão piauiense Torquato Neto:
“Eu sou como eu sou/ vidente/ e vivo tranquilamente/todas as horas do fim”.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Catecismo de devoções, intimidades & pornografias” (editora do Bispo), entre outros livros. Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.
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