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Coluna
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O melhor de SP são os sabiás

O mundo inteiro deve conhecer esse fenômeno que une ornitologia e boemia, a grande orquestra da madrugada está de volta

Cerejeiras no Parque do Carmo, em São Paulo.
Cerejeiras no Parque do Carmo, em São Paulo.João Luiz/Secom

Com o barulho da metrópole paulistana, acordam cada vez mais cedo e carecem soltar suas românticas cantadas uns decibéis acima do tom, sob pena de ruídos no xaveco, o que seria um desastre lírico, afinal de contas jamais bancam os falsos dom juans de improviso, como os picaretas do boteco mais próximo. Somente eles cumprem, caro Criolo, no sentido centro/periferia, periferia/centro, de Jaçanã ao Grajauex, a promessa do lambe-lambe: mais amor em SP, por obséquio, por favor, seja taxi, uber, busão ou bonde, que tudo, doravante, se chame desejo.

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Eles voltaram para fazer gostoso, estão cagando na cabeça dos filósofos do amor líquido, garrancho por garrancho na construção do ninho, reparo aqui no parque da Sabesp, Sumaré, distrito das Perdizes, a cada voo circunflexo vagam como se fossem, na vida, uns incríveis Rubens Rodrigues Torres Filho. Eles voltaram com tudo, antes das três da matina, suas cantadas se fundem aqui em casa com os últimos trinados do Bang Bang Bar do Twin Peaks e o esperneio de Irene.

Minha terra tem Palmeiras, São Paulo, Corinthians, onde cantam os sabiás antimodernistas. Eles voltaram e são o maior patrimônio vivo desta cidade-de-todos-os-povos que teima em virar uma juramentada mauriçolândia preconceituosa. Maurício bom em terras brasilis, com seus bois voadores e modernas invenções holandesas, só o conde de Nassau, o resto é lenda e marke(stranger)things.

Minha terra tem palmares, querido Oswald, mas ninguém canta mais bonito no Brasil como o sabiá-laranjeira de São Paulo. Desculpa, colega ornitólogo, só o uirapuru amazônico e o soldadinho-do-Araripe beiram o tom-jobismo, são quase uns geniais hermetos, uns erlons chaves e a Banda Veneno. Aproveito e celebro também a festa das cerejeiras no Parque do Carmo, onde SP vira um sertão/japão repleto de nordestinos e orientais no país nada imaginário da zona leste –foi lá, precisamente no parque São Rafael, que chegou o primeiro dos meus, o tio Alberto Novaes, força do operariado do chão da fábrica do ABC paulista.

Minha insônia paulistana tem sabiás e isso é um luxo, assim como meus sonhos são dirigidos pelo Antonioni da Mooca, meu velho Walter Hugo Khouri, o homem que melhor soube filmar mulheres no mundo. Minha terra tem São Paulo, que beleza, os sabiás são capazes de nos devolver em cantadas literárias o tempo que perdemos com a fumaça da grana e o Aturgyl no nariz.

Há quem não curta a algazarra amorosa dos sabiás. Sim, eles carecem atrair as fêmeas cada vez mais cedo da madruga, disputando com o barulho do crime. Não diria que seja uma certa inveja dos insones ou da turma iniciante do Rivotril que não bateu conforme o cronômetro mental da bula. Há de tudo na cidade de São Paulo. Há quem sinta uma certa culpa em voltar para casa sob tal cantiga, tanto na turma dos boêmios amadores quanto nos culpados de véspera. Os sabiás de SP são os involuntários vigilantes da consciência, embora só pensem em fazer amor gostoso na madrugada. Cada vez mais cedo.

Os sabiás de SP estão de volta na madruga, cada vez mais cedo a cada ano, dizem os biólogos. Eles disputam com o barulho da metrópole o xaveco de trovador do miocárdio. Carecem cantar alto para atrair as fêmeas para o amor mais sólido. Os sabiás, ao contrário dos machinhos metidos e hipsters em geral, não fogem à luta, movimentam a vida, não ficam apenas na modinha, garrancho por garrancho, na arquitetura passageira das alturas, atingem a mais moderna das ideias para uma vida inteira: um ninho de amor para este inverno.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo” (Fina Flor editora), entre outros livros. Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

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