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Coluna
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O macho São Tomé

Por que os brasileiros, incluindo as autoridades, duvidam tanto dos crimes dos homens contra as mulheres?

Adesivos da campanha do tumblr #MeuCorpoNãoÉPúblico.
Adesivos da campanha do tumblr #MeuCorpoNãoÉPúblico.

O macho São Tomé é aquele sujeito que não acredita, mesmo diante de todas as evidências do mundo - com sangue e esperma -, que uma mulher acaba de ser vítima de mais uma violência óbvia dos seus “parças” ou semelhantes.

Mesmo diante dos mais verossímeis relatos, seja em um carro do Uber ou em pleno busão que atravessa a avenida Paulista, o bíblico machão da descrença prefere duvidar da vítima a se ver no espelho retrovisor da história.

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Nesse momento, o todo-poderoso-machinho se acovarda e foge do bê-ó, tira o seu da reta, amarela, não é homem para tocar o piano do crime com as suas distintas digitais inigualáveis.

O pior é quando os delegados dos casos também são Tomés, os promotores idem, os juízes, amém, crápulas de toga.

Entendi perfeitamente quando a escritora Clara Averbuck, do capítulo das vítimas da última semana, declarou: "Estão me pressionando para fazer denúncia na delegacia. Essa decisão é minha, não confio no sistema, já fui mil vezes na delegacia, já levei mulheres lá, já vi o tratamento que é dado. B.O. não é um documento mágico do Harry Potter que vai te defender. Não significa que vão prender o cara."

E nem carece dizer, epa!, carece muito, precisamos repetir mil vezes diante da tomesística macharada: os autores dos crimes sabem onde moram as vítimas, aí habita o crime continuado. O orgulho do macho ferido pela denúncia pode ser fatal. Os monstros voltam à cena com misoginia redobrada. O enviesado desgosto de quem não gosta mesmo de mulher. Muito pelo contrário.

Somos todos machistas, evidente, evidentemente. A diferença está com quem começou a entender que o machismo é peixeira fatal da desgraça e quem ainda segue, como o juiz do caso do ônibus da avenida Paulista, mesmo diante de uma mulher manchada de esperma, a ser um desalmado São Tomé. Misericórdia. Um meritíssimo São Tomé, data vênia, que só acredita no relato da macheza, porra!

Daí, vendo a TV aberta, a televisão popular brasileira, vi e acreditei no cacete que o Datena deu na decisão da Justiça no imoral caso do criminoso do ônibus. Aplausos para o programa Brasil Urgente, belo serviço. Quando critico o apresentador, com ou sem razão, é porque o considero e admiro. Importantíssimo que atrações policiais da telinha comecem a valorizar o tema. Nessa pauta, justiça seja feita, o Datena sempre furou os próprios telejornais da Band e o Jornal Nacional. De goleada. Feminicídio é assunto sem volta e obrigatório.

O macho é São Tomé apenas para duvidar da violência contra mulher. Em outras questões, cai como um patinho da Fiesp com camisa da seleção brasileira, uma Pollyana moça, a do livro, crê em visagens e assombrações de qualquer ordem. O macho normal e futebolístico acreditou até no Aécio, como os Ronaldos da vida etc. Ora, do outro lado do gol havia uma mulher, uma destemida que havia enfrentado até os porões da ditadura. Quem são esses machinhos fracos para enfrentar tais paradas?

Xico Sá é escritor e jornalista, autor de “Os machões dançaram -crônica de amor & sexo em tempos de homens vaciloes” (editora Record). Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.

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