Só a conversa de bêbado salva o Brasil
Na vida pública ou privada, nos negócios ou no amor, nada como o sincericídio para resolver a história
O Joesley falou para não levar em conta sua conversa com o caro amigo Ricardinho. Conversa de bêbado, disse o açougueiro viciado em comprar arrobas de autoridades no pasto seco de Brasília. Como não levar a sério uma prosa bêbada, colega, seria o mesmo que jogar fora toda a sabedoria de Freud sobre o inconsciente e seus labirintos. Um bêbado com direito às benesses da delação premiada, então, nem se fala. Tem mais crédito ainda no mercado. Mesmo bebendo seu uísque com um axé ao fundo.
Nada contra o axé da Ivete, Joesley, é que prefiro os bêbados mais tristes, são mais confiáveis, os bêbados que afogam as mágoas com um brega do José Ribeiro ou uma moda sofrida de Tião Carreiro e Pardinho. Também soaria supimpa e irônica, no quase monólogo do rapaz da Friboi, uma trilha de ópera buffa ou um rock-sacanagem do grupo Velhas Virgens.
Porque só conversa de embriagado merece crédito neste momento do país. Na frente do juiz, sai tudo muito ensaiadinho, nem sempre beira a verdade, o cara só pensa em se livrar do frio xilindró de Curitiba. Com ajuda do álcool, a narrativa faz mais sentido -- e repare que nem apelei, até agora, para as frases do Hemingway sobre o tema, seria covardia estética.
O certo é que a realidade não passa de uma ilusão provocada pela falta de bebida. Daí a importância de embebedar todos os nossos destemidos delatores. In vino veritas; no uiscão, entonce, vixe. Só discordo na idade, caro Joesley, sei que você não bebe abaixo dos 25 anos de envelhecimento. Confesso que foi o Drury´s, sóbrio leitor, que me fez libertar a prosa mais guardada e existencialista. O sincericídio, em matéria de embriaguez, não carece de mais de oito anos no barril das verdades encobertas.
Atesto e dou fé a toda e qualquer conversa de bêbado. Meu fígado que o diga; minha consciência depois que me repreenda. É do jogo freudiano. Dos sumérios, amantes da cerveja, até hoje, como me ensina o poeta Alexei Bueno no seu livrinho-livrão Alcoofilia - 5.000 anos de declarações à bebida (editora Lacre, Rio, 2015).
Não dá para confiar, meritíssimo, é na ressaca moral. Seja a ressaca de uma grande roubalheira, como parece o caso do mocó do Geddel, seja uma rebordosa de Veuve Clicquot ou de Jurubeba Leão do Norte - na ressaca, e somente na ressaca extrema, não há luta de classes. Tampouco existe a mínima verdade. Um(a) ressacado(a) é antes de tudo um temente a Deus e às autoridades terrenas, se faz de bonzinho e arrependido, quem nunca?
Na propina política e nos negócios em geral, públicos ou privados, a conversa bêbada tem sempre a sua importância histórica. Vale por uma denúncia de procurador-geral da República. No amor, porém, embora descambe em desabafos épicos na madruga, damos um certo desconto, pode ser apenas um ajuste mental para mais e melhores transas futuras.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “A pátria em sandálias da humildade” (editora Realejo). Comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.
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